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A felicidade de um pai trabalhador ao levar o presente de Natal para sua filha.
A felicidade de um pai trabalhador ao levar o presente de Natal para sua filha.| Foto:

“A coisa mais extraordinária do mundo é um homem comum, uma mulher comum e seus filhos comuns.” — Gilbert Keith Chesterton.

Nada como começar o ano lendo uma ótima coluna de Luiz Felipe Pondé sobre a sabedoria das pessoas comuns e o poder do acaso em nossas vidas, coisas que os “intelectuais” arrogantes desprezam. E ler essa coluna logo depois da notícia trágica de um pai que matou a ex-mulher, o próprio filho de apenas 8 anos e mais outros parentes faltando poucos minutos para a virada do ano, em Campinas, é mais impactante ainda. Nos força uma reflexão sobre como tudo pode mudar em questão de segundos, como aquilo que tomamos como certo e seguro pode se mostrar frágil e trágico num “passe de mágica”.

Gostamos de crer num controle maior do que realmente temos sobre nossas vidas. Essa mensagem não precisa ser encarada como a morte da responsabilidade individual, mas sim como um chamado à humildade. Mesmo fazendo o possível, o melhor que podemos, a vida pode nos pregar peças e chacoalhar tudo, do “além”. É essa a mensagem contida na expressão “Graças a Deus”, que tanta gente comum usa por aí. Diz Pondé, após resumir as ideias de Émil Cioran, Soren Kierkegaard e Blaise Pascoal:

Sei que inteligentinhos (confesso aqui que minha inspiração para esse conceito antropológico de “inteligentinho” é o “demi-savant” de Pascal citado acima) entendem essa frase como uma marca de gente crente, alienada, ignorante, que serve de massa de manobra para ministros religiosos picaretas de todos os tipos.

E aqui fica clara a condição inteligentinha: ele, realmente, pensa que sacou tudo sobre religião quando diz isso (quando isso é, apenas, uma pequena parte do que religião é de fato). Mas, um inteligentinho nunca entende nada porque leva muito a sério sua dissertação de mestrado. Religião é coisa muito mais séria do que pensa nosso vão ateísmo de butique.

[…]

Pois bem, quando uma pessoa comum diz “graças a Deus”, ela não está manifestando sua idiotice atávica (apesar de que também se pode entender assim, mas será um entendimento inteligentinho), ela está manifestando um profundo entendimento da nossa relação com a contingência e os modos simbólicos de acolhê-la em nossas frágeis vidas.

“Deus” aqui (para além do cristianismo de fundo que organiza nossa forma de compreensão da ação da contingência no Ocidente) é essa gigantesca contingência que tudo decide, uma vez que nunca teremos controle absoluto sobre as variáveis em jogo na vida de cada um de nós.

[…]

“Graças a Deus”, reconhecimento intuitivo do fato de que estamos nas mãos da contingência incontrolável e que, por isso mesmo, devemos “agradecer” a ela tudo de bom que (por sorte) nos acontece, está em profunda consonância com a sabedoria israelita antiga e com Eliade e Lutero.

“Graças a Deus” é uma profunda forma de reconhecimento da frágil beleza da vida, e uma confissão de humildade que é, sempre, uma forma dessa mesma beleza. 

Pessoas religiosas, vistas como alienadas pelos “intelectuais”, costumam demonstrar maior grau de humildade diante da existência, enquanto inteligentinhos arrogantes pensam ser possível controlar tudo com base no conhecimento e na razão, como filhotes de Prometeu. Não perceberam que a própria razão pode nos mostrar seus limites, e que costumes e tradições antigas podem acumular muita sabedoria.

Há mais sabedoria nas pessoas comuns do que os “intelectuais” gostariam de admitir. Podemos fazer o que estiver ao nosso alcance, mas isso nunca será o suficiente: haverá sempre aquilo que não controlamos, que escapa ao nosso comando e define muitas vezes nosso destino, que está “nas mãos de Deus”. E isso pode fazer toda a diferença do mundo.

Muitos aproveitam essa época do ano para pedir coisas, fazer promessas. Eu gosto mesmo é de agradecer. Por mais um ano com saúde, com minha família unida, com emprego, com amigos. Enfim, demonstro toda a minha gratidão a isso tudo que tenho, à minha qualidade de vida, ao fato de estar vivo. Sei que, apesar de todo o esforço individual para preservar tais coisas, no final há um grande fator de sorte nisso tudo, de acaso que não controlo. Posso até ser um ateu, mas é graças a Deus que posso desfrutar de tudo isso. Obrigado!

Rodrigo Constantino

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