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Jeitinho venezuelano: falência do estado e o custo proibitivo da legalidade
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O que veio primeiro, o ovo ou a galinha? O mesmo tipo de “questão filosófica” pode ser aplicado ao jeitinho. Ele é fruto da cultura, e por isso produz instituições falidas? Ou ele é o resultado de instituições legais perversas que vão empurrando as pessoas de bem para a informalidade e a ilegalidade? Provavelmente um misto das duas coisas, em eterna simbiose.

É o que podemos inferir da triste realidade venezuelana hoje. Os “socialistas do século XXI” chegaram ao poder e declararam guerra ao capitalismo, ao lucro, aos empresários, às desigualdades. Queriam criar (novamente) o “novo homem”, altruísta, abnegado. O resultado foi o único possível, esperado por todos com bom senso e conhecimento histórico: um rastro de escravidão e miséria, os únicos “produtos” socialistas.

E o que faz a população, acuada, imersa no caos econômico, na violência que resulta desse estado falido? Dá seu jeito. Se vira. Apela para a informalidade, para a ilegalidade, uma vez que o custo da legalidade é proibitivo num país desses. É o que mostra a reportagem do GLOBO:

A violência, a crise econômica e a escassez de alimentos têm tornado cada vez mais comum a existência de restaurantes clandestinos em Caracas, capital da Venezuela. Tal como aconteceu na década de 1990 em Havana, Cuba — quando foram batizados de “paladares” — com a abertura de negócios privados, os estabelecimentos ficam no fundo de casas, e os endereços não são amplamente divulgados por medo de repressão. É tudo muito escondido e a propaganda acontece no boca a boca.

Chefs e proprietários de restaurantes afirmam que é muito difícil manter um estabelecimento de maneira regular no país por causa do controle do governo, da inflação exorbitante e também pela escassez dos alimentos. E, por isso, não existem pratos fixos. A cada noite, uma opção diferente. Os valores também variam por conta da recessão econômica. Os locais são clandestinos, mas oferecem pelo menos uma vantagem ao cliente: o aumento da criminalidade tem forçado as pessoas a procurarem estabelecimentos privados e seguros.

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Segundo o jovem, na tentativa de estocar alimentos para o restaurante clandestino, Emiliano passa horas visitando diferentes fornecedores, devido à escassez generalizada que atinge a economia do país há dois anos. Recentemente, ele comprou carne no valor de 1.660 bolívares o quilo. Há seis meses, custava 600. O aumento faz parte da realidade da Venezuela, onde a inflação anual oficial foi de 69 % no ano passado. E deve aumentar ainda mais. Diante desse quadro, é comum ver nos menus, os preços dos pratos rabiscados e atualizados com frequência pelos garçons.

Muitos destes novos locais cobram em dólar, desrespeitando as leis locais, mas seguindo uma tendência de que a moeda estrangeira é cada vez mais a base das operações. 

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— Eu “estou” contrabandista. Trago comida da Índia, França, Indonésia, Espanha. Você não pode ser legal em um país onde tudo é ilegal — revelou Moreno.

Esse tipo de solução criativa, porém ilegal, é bastante conhecida pelos brasileiros. Nunca chegamos a adotar o socialismo aqui, como em Cuba ou na Venezuela (e não foi por falta de desejo da esquerda radical, e sim pela resistência oferecida pelos militares com o apoio dos brasileiros). Mas temos tanta intervenção estatal, tantas regras absurdas e arbitrárias, tanto poder concentrado no estado, que o efeito acaba sendo parecido.

As pessoas “dão um jeito” de burlar os obstáculos criados pela burocracia, pelos altos impostos, pelo controle minucioso por parte do governo. Se todas as regras fossem aplicadas, a maioria das empresas fechava as portas, especialmente as menores. A informalidade é o ar rarefeito que os indivíduos e empresas respiram pela asfixia causada pelo excesso de estado.

O problema é que essa reação vai se inserindo na cultura, e vice-versa: a cultura do “jeitinho” vai moldando as instituições falidas. O resultado é bem conhecido: total ausência de império das leis, um “vale tudo”, um “salve-se quem puder” que destroça qualquer confiança nas regras do jogo. O custo econômico disso é alto demais, é o que separa um país desenvolvido de outro do Terceiro Mundo.

Só há uma solução: trabalhar em conjunto para mudar a cultura, a mentalidade vigente, e ao mesmo tempo reformar as instituições, para criar regras mais claras do jogo, válidas igualmente para todos, com um custo menor para a legalidade. Ou isso, ou caminharemos na direção da Venezuela, que caminha a passos largos na direção de Cuba…

Rodrigo Constantino

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