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Liberar FGTS é justo e positivo, mas ajuda é pontual e reduzida
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O presidente Jair Bolsonaro confirmou nesta quarta-feira que o governo vai autorizar o saque de recursos depositados nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) . A expectativa é que cerca de R$ 30 bilhões sejam liberados para estimular o consumo. Estão sobre a mesa duas possibilidades. Uma delas seria permitir apenas a retirada das contas inativas, como já ocorreu no governo Michel Temer, e a outra, liberar também uma parte do que está nas contas ativas do Fundo. Neste caso, os trabalhadores poderiam sacar anualmente os recursos, na data do aniversário.

O dinheiro do FGTS se somaria a uma liberação que o governo também quer fazer nas contas do PIS/Pasep, de cerca de R$ 20 bilhões, chegando a uma injeção total de R$ 50 bilhões para turbinar a economia.

A liberação do FGTS é vista com bons olhos por economistas, já que os trabalhadores terão acesso a um dinheiro que é seu por direito e poderão usar os recursos para pagar dívidas, consumir e investir. A medida deve colocar em circulação R$ 30 bilhões, segundo o Ministério da Economia (inicialmente, a estimativa era de R$ 42 bilhões).

O efeito na economia também deve ser positivo, mas especialistas alertam que será pontual e limitado aos meses de saque, sem necessariamente trazer uma volta vigorosa do crescimento econômico, esse sim só possível com um conjunto de medidas.

O governo Temer fez a mesma coisa em 2017 e se calcula o efeito no PIB em 0,2 ponto percentual, lembrando que na ocasião foi liberado o saque apenas sobre contas inativas. Com a economia praticamente estagnada, um crescimento esperado para o ano de somente 0,8% (em revisões cada vez menores), e 13 milhões de desempregados, a medida é positiva para estimular um pouco a atividade por meio do consumo. Muitos devem usar esses recursos para abater dívidas, o que permite limpar nome e voltar a tomar crédito para comprar.

Para além da questão do impacto, há ainda o aspecto da justiça: FGTS é um confisco! O governo toma esse dinheiro na marra do trabalhador e da empresa e o remunera bem abaixo do que cada um conseguiria livremente no mercado. Por trás de tudo isso existe a premissa absurda de que o governo sabe melhor do que o próprio indivíduo como gastar o dinheiro.

Milton Friedman, economista liberal, já tinha explicado as quatro formas de gastos. Podemos gastar nosso dinheiro conosco mesmo, com total foco no custo e no benefício; podemos gastar nosso dinheiro com terceiros, como na compra de presentes, onde o custo já importa mais do que o suposto benefício, nem sempre conhecido pois subjetivo; podemos gastar o dinheiro dos outros com os outros, como faz o governo, onde há pouca atenção aos custos e aos benefícios; ou podemos, por fim, gastar o dinheiro dos outros com a gente, como também acontece só no governo, e eis aí a garantia de uma total farra nos benefícios e nenhuma preocupação com os custos. O oásis em Brasília para o setor público é resultado disso.

Logo, o FGTS é injusto em sua natureza e nada eficiente. Mas, como o estado brasileiro é um monstrengo, muitos setores se acostumaram a depender do governo. É o caso da construção civil, muito dependente dos gastos públicos em programas como Minha Casa Minha Vida, que por sua vez dependem justamente das verbas do FGTS. O cobertor é curto, portanto, como alerta o vice-presidente do Sinduscon-SP:

A proposta do Ministério da Economia de permitir que os trabalhadores saquem até 35% das contas ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) acende o sinal amarelo para o setor de construção civil. Isso porque os recursos do fundo são utilizados para financiar a construção e a compra de imóveis dentro do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), além de obras de infraestrutura e saneamento, a juros menores do que os praticados no mercado.

“Um saque na ordem de R$ 42 bilhões, como foi falado, vai mexer com a liquidez do fundo. Todos os empresários do setor estão inseguros”, afirma Ronaldo Cury, vice-presidente de habitação do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP). A preocupação, segundo ele, está ligada à capacidade do fundo de continuar financiando projetos que estavam previstos para serem lançados nos próximos meses.

“De um lado, o governo prometeu lançar um novo MCMV. Do outro, está tirando o dinheiro do fundo que sustenta o programa. Quem vai investir dessa forma?”, questiona o vice-presidente ao lembrar que os recursos do FGTS destinados ao programa habitacional em São Paulo acabaram em junho, devido ao aquecimento do mercado, o que demandou o redirecionamento de dinheiro que estava parado em outros segmentos do orçamento do fundo. “Isso mostra como o cobertor já está curto”, completa.

O resumo é que a medida é boa, ajuda pontualmente no crescimento econômico e alivia um pouco a situação das famílias num ambiente de baixo crescimento, elevado desemprego e alto endividamento. Mas retira recursos da construção civil e produz apenas voo de galinha por representar estímulo ao consumo, sendo que o que gera crescimento sustentável mesmo é melhorar o ambiente de investimentos produtivos. Para tanto precisamos das reformas estruturais.

Ou seja, é uma medida pontual contra a crise, bem-vinda numa conjuntura de alto desemprego, mas ganha apenas tempo até que as reformas sejam finalmente aprovadas e permitam o retorno de investimentos de longo prazo. As duas coisas – estímulo ao consumo e reformas – precisam andar juntas, caso contrário há apenas um salto sem fôlego, como constata o editorial do Estadão:

Por um semestre o governo pareceu menosprezar o drama dessas dezenas de milhões. Mas algo deve ter mudado e talvez a equipe econômica tenha notado um fato simples e óbvio. Sem estímulo inicial, nem a economia se mexerá nem o desemprego será reduzido, mesmo lentamente. Nesse caso, nem um voo de galinha será realizado. Mas, se um voo começar, poderá prolongar-se com outras medidas, especialmente estruturais, se ordenadas de forma competente.

Rodrigo Constantino

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