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Maconha: legalizar ou não?
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Lá vamos nós começar 2014 fazendo jus ao título deste blog. Afinal, sou ou não um “liberal sem medo da polêmica”? Aviso antes que esse texto não vai agradar muito aqueles colegas mais conservadores, que de uns tempos para cá passaram a apreciar mais meus comentários. Sim, eu me tornei um pouco mais conservador em certos aspectos, principalmente morais. Mas não posso negar minha essência de liberal.

Carlos Alberto Sardenberg comenta em sua coluna de hoje as experiências de liberação de algumas drogas, como o caso estatizante do Uruguai e o mais liberal de alguns estados americanos. São experiências que devem ser acompanhadas de perto. Há muitos riscos, e também algum potencial de mostrar um caminho alternativo a esta guerra contra as drogas, que tem servido para alimentar o tráfico e o crime, e encher as prisões, sem resultado efetivo no lado do consumo.

O que vai abaixo é minha defesa mais radical pela legalização das drogas, bandeira que, confesso, não sustento mais com a mesma convicção. Ainda defendo que o caminho passa pela liberação, mas tenho mais dúvidas hoje quanto ao sucesso dessa medida. Mais do que isso: acho que existem outras prioridades na fila, e que o Brasil não deveria ser cobaia de experimentos desse tipo.

Dito isso e feita a ressalva, segue meu texto antigo para nossa reflexão. O assunto é polêmico, mas não podemos fugir dele. Por favor, debate civilizado após a leitura, ok? Lá vai:

Pela legalização das drogas

“É verdade que ser livre pode significar a liberdade de passar fome, cometer custosos erros, ou correr riscos mortais.” (Hayek)

Devemos legalizar as drogas? Essa é uma questão que cada vez recebe mais atenção, posto que fica clara a derrota da guerra contra as drogas, que custa uma fortuna aos contribuintes e não consegue reduzir a criminalidade proveniente do tráfico. Pretendo explicar neste artigo os motivos pelos quais a resposta para a questão é afirmativa. São basicamente dois caminhos distintos para chegar à mesma conclusão: os resultados práticos e os direitos individuais.

Antes, entretanto, é importante fazer uma ressalva: a legalização das drogas não é uma panaceia que irá resolver todos os problemas do crime. E não custa lembrar que outros países onde as drogas não são legalizadas não passam necessariamente pelo mesmo surto de violência que o Brasil se encontra, basicamente por causa da impunidade. Os principais dados expostos aqui, assim como alguns argumentos, foram extraídos de artigos do doutor Mark Thornton, autor de The Economics of Prohibition e membro do Mises Institute.

O tema polêmico foi alvo de estudo de muitos economistas famosos, a maioria focando na questão do custo e benefício, dos resultados concretos. O prêmio Nobel Milton Friedman, por exemplo, sempre advogou pela legalização das drogas. Ele afirmava que a legalização das drogas iria “simultaneamente reduzir a quantidade de crime e aumentar a qualidade da imposição da lei”. Thomas Sowell, também da Escola de Chicago, é outro que defende este caminho, assim como o outro prêmio Nobel, Gary Becker, da mesma escola. Sowell lembra que as políticas são julgadas por suas conseqüências, mas as cruzadas são julgadas por quão bem elas fazem seus defensores se sentir. A guerra contra as drogas virou uma cruzada. Ele diz que não somos Deus para viver a vida dos outros ou salvar pessoas que não querem ser salvas. Podemos concluir que a Escola de Chicago em peso defende a legalização das drogas. Mas não são apenas esses os economistas que mantêm tal postura.

Gordon Tullock, outro economista de peso, vai na mesma linha, lembrando que as leis de proibição são difíceis de serem aplicadas, custam caro e geram resultados ineficientes. Robert Barro alerta que a experiência com a proibição mostra que os preços sobem e a atividade ilegal é estimulada, gerando apenas um efeito negativo moderado no consumo, mas impondo custos inaceitáveis em termos de taxas elevadas de criminalidade e expansão da população carcerária. Walter Block alega que um livre mercado de marijuana e outras drogas aumenta o bem-estar econômico. Mary Cleveland foca no fato do mercado negro ser perigoso e acabar atraindo jovens problemáticos com oportunidades limitadas, que acabam se tornando usuários de drogas pesadas.

David Henderson lembra que a maioria dos problemas que as pessoas acham que são causados pelas drogas não são causados por elas em si, mas pelas leis sobre elas. O método moralmente adequado para evitar o consumo de drogas seria a persuasão, não a prisão dos usuários. Robert Higgs considera que o abandono dessa cruzada quixotesca das autoridades contra as drogas iria permitir gastos maiores para a proteção da vida e propriedade, evitando uma invasão aos direitos naturais, que incluem o direito de decidir como usamos – ou abusamos – dos nossos próprios corpos. Randall Holcombe faz coro no argumento de que os males causados pelas drogas costumam vir do fato de serem ilegais, não drogas. Daniel Klein reforça a visão de que a proibição cria um mercado negro que a sociedade não consegue controlar. Jeffrey Miron e Jeffrey Zwiebel concluíram em seus estudos que um livre mercado de drogas provavelmente seria uma política bem superior em relação às adotadas atualmente, como a proibição. 

Murray Rothbard também faz a conexão entre vício e crime, lembrando que os crimes são cometidos por viciados levados ao roubo pelo alto preço das drogas causado pela sua própria ilegalidade. Se os narcóticos fossem legais, sua oferta iria aumentar e os altos custos do mercado negro iriam desaparecer, fazendo os preços ficarem baixos o suficiente para eliminar a maioria dos crimes cometidos por viciados.

Quase todos esses argumentos estão voltados para os resultados práticos da proibição das drogas. Mas creio que devemos, acima disso, colocar a questão dos direitos naturais. John Stuart Mill, por exemplo, defendeu a liberdade de consumir álcool e ópio como um dos mais básicos direitos civis. O foco no utilitarismo é extremamente perigoso, podendo levar ao conceito de que os fins justificam os meios. Ora, se fosse considerado que a morte de alguns sujeitos chatos, entretanto pacíficos, fosse aumentar a utilidade geral, o bem-estar da maioria, alguém defenderia o direito de assassinarem esses chatos? Hitler aprovaria essa mentalidade, já que achava que matar judeus seria bom para a nação. Mas Hitler era um monstro.

O utilitarismo costuma andar lado a lado com o coletivismo, e transforma indivíduos em animais sacrificáveis. Libertários pensam que a coerção contra aqueles que não iniciaram coerção deve ser eliminada. O que cada um faz com seu próprio corpo diz respeito apenas a si próprio. Não faz sentido jogar na prisão ao lado de assaltantes e assassinos, que violaram os direitos alheios, alguém cujo único “crime” foi ter fumado um cigarro de maconha em sua própria casa.

No fundo, esta postura é totalmente autoritária. Pessoas bem intencionadas, imbuídas de uma missão divina, querem impor aos demais como a vida deve ser vivida. Ora, o cigarro não faz mal à saúde? Mas por que devemos proibir o indivíduo de fumar, se ele assim quiser? Comer demais também faz mal para a saúde, assim como a ociosidade, mas nem por isso vamos criar leis para controlar tais práticas. Eu posso considerar um livro de Marx uma droga bem mais prejudicial ao cérebro que a maconha, mas nem por isso vou defender o uso da coerção estatal para proibir sua leitura. Seria autoritarismo puro.

Essa visão de que o Estado deve cuidar dos indivíduos incapazes de escolher por si próprios é paternalista demais. Liberais acreditam na responsabilidade individual, e entendem que cada um sabe melhor o que pretende para sua vida. Se abrirmos precedente para que burocratas ou mesmo a maioria possam escolher por todos o que é o melhor, nada impede que amanhã uma maioria de vegetarianos decida banir o McDonald’s do mundo. Onde ficam os direitos individuais, a liberdade de escolha?

Podemos analisar os jogos de azar como um paralelo interessante às drogas. O jogo do bicho, por exemplo, teve sua origem em 1892, quando João Batista Vieira Drummond, dono de uma chácara com um pequeno jardim zoológico em Vila Isabel, resolveu criar um jogo para levantar recursos e manter os animais e toda a sua estrutura. Eram vendidos bilhetes de sorteios com bichos desenhados. Um negócio honesto, com trocas voluntárias. Mas quando o governo resolve que isso é ilegal, condena todos ao crime, incentivando a corrupção e violência. Isso para não falar que o próprio governo vende jogos de azar! Não gosta da concorrência, e cria um monopólio por lei, fazendo com que o jogo do bicho vire prática criminosa.

Devemos respeitar as trocas voluntárias entre adultos responsáveis. O jogo de azar pode viciar e destruir a vida de alguns. Mas não devemos, por causa disso, impedir que uma maioria use com moderação e tenha prazer. Abusus non tollit usum. O abuso de algo não pode tolher seu uso. Ora, até o consumo exagerado de remédios legais pode matar. Vamos proibir a venda de aspirinas ou Prozac por causa disso? O mais importante não é o que é consumido, mas sim como é consumido. Com moderação, até a bebida alcoólica faz bem, ou mesmo a maconha, usada em tratamentos médicos.

O curioso é que muitos defendem a proibição das drogas bebendo sua dose diária de Uísque. Cáspita! Será que ignoram que tal bebida é droga também, que pode viciar e levar à morte se consumido excessivamente? O álcool é, na verdade, droga mais pesada que a maconha, por exemplo. Ou seja, as drogas já são liberadas, mas nem todas. No passado, nos Estados Unidos, já experimentaram proibir todas as drogas. A Lei Seca criou apenas criminosos, como Al Capone. Com seu término, a família Coors é vista com respeito por todos, assim como os brasileiros bilionários sócios da Inbev. O que mudou? A atividade é a mesma: vender bebida alcoólica. Apenas a lei mudou, e foi suficiente para reduzir a criminalidade neste setor.

Como dizia Roberto Campos, “tudo o que é rigorosamente proibido é ligeiramente permitido”. E é melhor permitir legalmente que criar um mercado ilegal, já que a demanda não desaparece. Como lembrava Mises, “não é porque existem destilarias que as pessoas bebem uísque; é porque as pessoas bebem uísque que existem destilarias”. Curiosamente, muitos preferem financiar o PCC ou as FARC em vez de gerar lucros para uma Souza Cruz da vida, que cria empregos formais e paga impostos.

Estudar as origens históricas da guerra contra as drogas pode ser esclarecedor também. O primeiro ato banindo a distribuição doméstica de drogas nos Estados Unidos foi o Harrison Narcotic Act em 1914. Os motivos se deveram às questões internacionais sobre o ópio, segundo o acordo da International Opium Convention de 1912, que objetivava resolver os problemas da Inglaterra com a China. O debate nos Estados Unidos era sobre obrigações internacionais, e não moralidade. A importação de heroína só foi banida para qualquer propósito em 1924.

Em 1937, o Marijuana Tax Act foi aprovado com base no argumento de que a cannabis causava “assassinatos, insanidade e morte”, o que hoje se sabe ser falso. Nixon é considerado o ícone dessa guerra contra as drogas. Ele caracterizou o abuso de substâncias ilícitas como o “inimigo público número um da América”. O Congresso aprovou o Controlled Substances Act em 1970. Essa legislação é a fundação na qual a guerra moderna existe. Nixon foi também o presidente que avançou nas liberdades econômicas, tentando controlar até preços, e invadiu liberdades políticas também, culminando no Watergate e em sua renúncia.

Vale refletir que os Estados Unidos viveram o século XIX todo sem essas leis, e este foi o século de maior crescimento americano, plantando as sementes que permitiram a nação virar uma superpotência. A guerra contra as drogas não parece uma solução para um problema, mas um problema para a busca de uma solução. A guerra está sendo perdida. O uso de drogas aumentou em todas as categorias desde a proibição. Entre 1972 e 1988, o uso de cocaína aumentou cinco vezes, segundo pesquisas. Mais pessoas morrem por conta da guerra contra as drogas que por conta da overdose de seu uso. O único benefício em manter a proibição é o conforto psicológico derivado da existência de um bode expiatório permanente.  

Alguns aceitam a descriminalização dos usuários ou uma legalização parcial, e propõem algo como os sin taxes, impostos elevados sobre produtos de má reputação, como já ocorre com o cigarro e as bebidas alcoólicas. É a postura de Gary Becker, por exemplo. Mas esses elevados impostos podem não reduzir o mal causado pela proibição, deixando os problemas sem solução real. No mercado de cigarro no Brasil, cerca de um terço vem de contrabando e ilegalidade, devido aos enormes impostos. O mercado negro acaba se mantendo vivo pelo alto custo da legalidade. 

Em resumo, seja pela lógica de resultados práticos ou pela defesa da liberdade individual, as drogas deveriam ser legalizadas. Isso iria reduzir a criminalidade e garantir a liberdade de escolha individual. O “argumento” de que consumidores de drogas podem causar danos externos não é válido, posto que o álcool hoje já tem esse mesmo risco, sem falar de outras fontes, como a negligência. Pune-se o ato, não a possibilidade dele ser cometido. No máximo, pode-se considerar um agravante para a penalidade o consumo de drogas, buscando coibir a irresponsabilidade. Mas de forma geral, os defensores da proibição negam que os indivíduos sejam capazes de fazer escolhas conscientes. São todos tratados como mentecaptos, o passo certo para a escravidão. A proibição das drogas acaba sendo ineficiente e autoritária, colocando em risco a liberdade individual.

Mesmo meus colegas conservadores precisam admitir que são argumentos fortes os apresentados acima. O que não dá para aturar, realmente, são os típicos esquerdistas pregando paternalismo estatal para tudo, partindo da premissa de que cada cidadão é um mentecapto que necessita de tutela estatal o tempo todo, condenando veementemente a venda e a propaganda de cigarro, e depois abraçando a bandeira da legalização das drogas. Incoerência total.

Há riscos e problemas práticos que não foram tratados com cuidado no texto. O debate é delicado, há incertezas, interesses de certos grupos na legalização, para sair da sombra da criminalidade, e ainda o fator arriscado de ser um dos primeiros a trilhar esse caminho. Parece que a Holanda não gostou tanto assim de sua experiência, e atraiu a escória da humanidade para o “turismo entorpecido”. A degradação nas ruas é visível. São aspectos que merecem mais atenção.

Por outro lado, a proibição fortalece criminosos e também leva ao avanço do teor aditivo das drogas. Claro: já que comprá-la é um ato de risco, pois é preciso lidar com bandidos, o lado da oferta precisa torná-la cada vez mais viciante. Não entendo do assunto, mas já li que a maconha de hoje não é a mesma de antigamente, sendo muito mais potente agora. A Coca-Cola não precisa usar esse artifício, pois qualquer um pode ir na esquina e comprar uma latinha.

Droga é uma droga. Mas talvez o combate não deva ser pela proibição pura e simples. E devemos lembrar que o ser humano busca entorpecentes desde que se entende por gente. Onde há demanda haverá oferta. Melhor que seja pelas vias legais do que por meio de traficantes perigosos. Ao menos nos casos de drogas mais leves como a maconha, que a maioria consegue usar de forma apenas recreativa (à exceção dos maconheiros lesados que agem feito zumbis). Com mais dúvidas do que antes, eis o que ainda penso.

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