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O fascismo de esquerda e o boicote ao filme “O jardim das aflições”
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Por Sergio de Mello, publicado pelo Instituto Liberal

Nossa Constituição Federal vem ao mundo jurídico em 10 de outubro de 1988 sob elogio de ser a Constituição Cidadã. No entanto, em 11 de outubro daquele mesmo ano ela não foi assim considerada. Toda norma jurídica é um dever ser, ou seja, a sociedade não age desse jeito hoje, mas deve assim agir da sua entrada em vigor para frente. Existem regras legais e constitucionais escritas que valem imediatamente, sem a consequente e quase normal fase legislativa, onde o Congresso Nacional, quando o trabalho é federal, deve elaborar leis complementares à constituição. Aquelas que valem imediatamente, grosso modo, dizem respeito aos direitos e garantias individuais de natureza fundamentais, previstos no extenso, bem visto e bem recebido rol do art. 5º, § 1º, da Carta Maior.

Nem tudo são flores como pretende deixar nossa Constituição Federal, em forma de dever ser. A não ser que se rompa definitivamente com o estado anterior em termos de política, jurídico e cultura de forma simultânea, teremos ainda um período em que passa a existir uma norma constitucional sem que a cultura do povo esteja adaptada ao esse novo modo de ser e de viver. A eficácia jurídica da norma, quando passa a valer, tem que estar associada à eficácia social, quando a população aceita aquela norma. Exemplificando, de nada adianta implementar a pena de morte se o titular do poder, que é o povo, não quer.

O que aconteceu com o filme do Prof. Olavo de Carvalho, O jardim das aflições, bem demonstra que estamos vivendo uma certa ditadura do politicamente correto, da censura e do boicote às vozes tidas como contrárias ao que está hoje estabelecido em termos de senso comum. O preconceito é que está por trás de tudo quando se observa que o senso comum não necessariamente significa ser o certo e o verdadeiro, o que é bom. Por outro lado, nossa Constituição Federal é de natureza pluralista, o que significa que todas as vozes devem ser ouvidas mesmo que aparentemente elas queiram discutir com o que parece bom para todos e sua arma contra o adversário (falo adversário porque é assim que encaram as coisas) sejam idéias ou pensamentos absurdos do ponto de vista de uma lógica moral. Faz parte do Estado Democrático de Direito ouvir a maioria e as minorias. Aliás, essa é a bandeira exatamente usada pelas minorias para conquista de espaço.

O art. 220 da Constituição Federal diz que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. Ainda, estabelece que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social. E, ainda, o mais importante, ser vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

A alegação para o boicote ou rejeição foi por motivação política. Falaram que o prof. Olavo de Carvalho foi servo fiel e ajudou os movimentos que desencadearam o chamado “golpe” contra o governo e contra o Estado Democrático de Direito em 2016. Ora, ainda que assim o fosse, mesmo que a luta fosse por questões puramente ideológicas, o que afirmo apenas por mera argumentação, o preconceito contra os tidos como “adversários” políticos ou ideológicos não faz o menor sentido. Aliás, como disse antes, nossa Constituição Federal é pluralista, dotada de um ser que combina várias espécies de modos de vida, pensamentos e filosofias morais que podem, ao menos, conviver entre si. Nem todos pensam da mesma forma ou têm as mesmas concepções morais que aquela do senso comum derivado de uma cultura progressista e, agora, como se vê, fascista.

Portanto, o boicote, a rejeição ou o protesto, como foi chamado o ato praticado em Pernambuco, tendo em conta a presença de filmes de direita ou conservadores, como eles mesmos assim tacharam, foi derivado de puro preconceito. Isso para dizer o menos, já que a conduta mais se enquadra no puro fascismo de esquerda ou do bem, agora utilizando as expressões por empréstimo de Rodrigo Constantino em um de seus textos já publicados.

Não se muda uma cultura de cima para baixo. Não é o legislador, através da força, do poder coercitivo do Estado, que impõe o quê, como e quando se deve praticar certa conduta ou modo de vida e de enxergar o mundo, se isso não foi aceito pelo povo, na sua maioria. Não descarto que não é a maioria que decide tudo. Fosse assim, as minorias não teriam voz e vez no tão hoje decantado Estado Democrático de Direito.

A cultura deve ser mudada, se houver necessidade disso, obviamente, de preferência, de forma espontânea e sem externalidades. Não é algo imposto pelos legisladores de fato e de direito, que são os membros do Congresso Nacional (falando em lei federal), nem pelos legisladores exclusivamente de fato, ou reais legisladores, a mídia, os pseudo-intelectuais, os que se dizem filósofos do bem e da moral superior, com seus braços operários ou massa enganada. As leis formalmente elaboradas vêm do Poder Constituído, legisladores que são nossos mandatários. Eles devem fazer somente o que vem de seus mandantes, do povo. As leis morais ou sociais, práticas de condutas e de pensamentos morais, infelizmente, vêm dos reais legisladores, aqueles enganadores antes mencionados.

A diversidade de opinião, de consciência e de crença, a liberdade artística e jornalística, faz parte do nosso Estado Democrático de Direito. Aliás, a bandeira da diversidade é usada exatamente pelas minorias. Logo, negar o compartilhamento dos mesmos direitos é não só egoísmo como também uma característica de condutas fascistas.

E termino dizendo que nossa Constituição Federal não traz um dever ser para a questão dos direitos individuais e para as liberdades públicas. A característica da pluralidade democrática é inata ao próprio ser da sociedade. Portanto, a Constituição Federal veio com essa feição democrática desde a sua concepção. Aliás, não era para ser diferente, já que estamos tratando de direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana. Manifestar é um direito humano e assim deve ser respeitado. Licença para isso é afronta clara e inequívoca a esses direitos.

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