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O liberalismo de conveniência de João Doria e Jair Bolsonaro
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Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal

O jogo político é como uma dança de salão: os eleitores tocam a música, e os políticos dançam conforme o ritmo. Com as redes sociais, tornou-se mais fácil dimensionar para onde vai a opinião pública e, assim, estabelecer estratégias para se capitalizar politicamente. Com a falência das contas públicas, a persistente má qualidade dos serviços públicos e as recorrentes formulações ruins de políticas públicas, a direita dominou as redes sociais.

Muita gente tem se declarado “liberal” para aproveitar esse movimento que demanda menor participação do Estado na vida dos indivíduos e, dessa forma, promover-se eleitoralmente, mesmo que eventualmente tenham raízes no intervencionismo.

A crise institucional e de representatividade com que nos habituamos a conviver desde 2013, intensificada pela Lava Jato e pelo vácuo de novas lideranças, criou um ambiente de desilusão em que os brasileiros procuram novidades. Não à toa Roberto Justus, que, em décadas de vida pública, jamais havia falado de política, apenas por repetir alguns jargões liberais em entrevistas ao final de 2016 pontuou na semana seguinte em pesquisa de corrida presidencial.

Em meio a essa moda de se declarar liberal, dois casos despertam maior atenção, por suas incoerências e pela possibilidade de ocuparem o Planalto em 2019: Jair Bolsonaro e João Doria.

O “nacional desenvolvimentismo liberalista” de Jair Bolsonaro

Recentemente o presidenciável defendeu a independência do Banco Central, teceu críticas a subsídios à indústria nacional e advogou por algumas privatizações. Essa nova postura em muito contrasta com o deputado que criticava privatizações, abstinha-se de votações importantes, como a da terceirização e a do projeto que pode vir a destruir a “Uber”, e – mesmo com o país já em recessão – opunha-se a medidas de austeridade fiscal e à necessária reforma previdenciária.

O discurso de Jair demonstra alguma simpatia por ideias de mercado (votou a favor da reforma trabalhista, inclusive) enquanto apoia outras restrições, como a reserva de mercado de recursos como nióbio. O próprio admite conhecer pouco sobre economia e vez ou outra seu discurso se confunde com o que diria Ciro Gomes ou Luciana Genro, como quando defendeu auditoria da dívida pública no mês passado.

Já em relação aos costumes, embora defenda de forma veemente a revogação do estatuto do desarmamento, por seus pronunciamentos entende-se que é a favor da continuidade da guerra às drogas, contrário à adoção de crianças por casais gay e a favor de barreiras migratórias, pautas sólidas entre liberais.

O “Liberalismo Fabiano” de João Doria

Outro fenômeno nas redes sociais, Doria capitalizou-se vendendo a ideia de ser um “gestor” e anti-lula. O político aproveitou a ânsia dos brasileiros pelo retorno de uma agenda de reformas e cresceu ao defender as reformas da previdência, tributária e política, bem como privatizações e um programa de desburocratização.

Foi alçado presidenciável com menos de três meses de mandato, mais pelo marketing do que por ações efetivamente realizadas a frente da Prefeitura de São Paulo.

Isso foi o suficiente para ser convidado para abrir o 30º Fórum Liberdade – maior evento liberal do país – e ser premiado no Fórum Liberdade e Democracia de Belo Horizonte. Mesmo em eventos liberais, defendeu um discurso que misturava anti-petismo, ideias sociais democratas e eficiência do Estado.

No mês passado, o prefeito se envolveu em polêmica com os liberais ao, de forma grotesca, defender maior tributação a Netflix e Spotify. Ao afirmar que “donos das empresas são bilionários” e que “os valores não serão repassados ao consumidor”, Doria indicou que seu liberalismo vai apenas até a página três, além de que deve ter frequentado as mesmas aulas de economia que Dilma Rousseff. Ninguém efetivamente liberal defenderia impostos no Brasil atualmente: a conta precisa fechar não com aumento de tributação, mas cortando despesas.

Ainda em economia, o tucano é favorável ao financiamento de grandes empresas pelo BNDES, uma ideia que, levada a cabo, tornou-se a política pública mais perversa do lulopetismo. Já nos aspectos dos costumes, Dória é favorável ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas lamentavelmente defende a continuidade da guerra às drogas e manter o estatuto do desarmamento como está.

Conclusões

O sucesso das ideias da liberdade tem atraído personalidades, mesmo que anti-liberais, a se declararem como defensoras dela em busca de promoção política. Doria e Jair são dois exemplos entre vários outros que certamente surgirão em 2018 com esse modus operandi.

Vale ressaltar que tanto Doria quanto Bolsonaro contam com algumas pessoas efetivamente liberais em suas equipes, porém resta claro que eles próprios não o são. Jair está mais para um reacionário, e João para um social democrata. O “liberalismo de conveniência” de ambos significa que os liberais estão crescendo, mas também pode dificultar a percepção do grande público do que é, de fato, o liberalismo – e é esse o problema para qual quero alertar com este texto. Cabe a nós, os verdadeiros liberais, contribuirmos no debate público para esclarecermos que a essência do liberalismo é a defesa do indivíduo acima de qualquer governo – e, novamente, nem Jair, tampouco Doria defendem nada perto disso.

Parafraseando João Luiz Mauad, para o sucesso da causa liberal é essencial que saiamos com urgência da sombra de reacionários e sociais-democratas. Não podemos permitir essa simbiose, precisamos ser vistos como independentes e defensores da liberdade sem ressalvas, deixando claro que as nossas diferenças são profundas e, eventualmente, inconciliáveis.

Comentário do blog: O artigo de Luan é bom, especialmente para mostrar que tanto Doria quanto Bolsonaro não são liberais, o que é um fato. Mas entendo que, no contexto atual, em que o pêndulo extrapolou demais para o lado “progressista”, faz sentido um liberal mais pragmático beber de fontes conservadoras. Gosto sempre de lembrar que Edmund Burke, o “pai do conservadorismo”, era um liberal Whig, mas teve o discernimento de antever o risco do radicalismo revolucionário dos jacobinos. Dado o cenário atual, com a intensa campanha esquerdista pela destruição dos valores morais, da família, das tradições, creio que bandeiras como legalização das drogas são, no mínimo, secundárias. É preciso resgatar valores morais, ter noção do mundo em que vivemos, e perceber que o liberal não deve agir como um inocente útil de comunistas mascarados de “progressistas”. A aliança tática com “conservadores de boa estirpe”, portanto, nunca foi tão necessária para a sobrevivência do próprio liberalismo. É a tese que procurei defender no meu curso “Civilização em Declínio”. Trump, por exemplo, também não é um liberal, mas ao menos está atacando vários movimentos comunistas, como a Unesco e o lobby ambientalista. Para o liberalismo prosperar, antes é preciso sobreviver.

Rodrigo Constantino

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