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O mercado de lácteos e a visão protecionista da mídia mainstream
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Por Juliano Oliveira, publicado pelo Instituto Liberal

Políticas econômicas liberalizantes tendem a causar alguns incômodos em quem sempre viu no protecionismo estatal o grande fator de competitividade para seus negócios. Quando as barreiras protecionistas ou os subsídios governamentais são removidos, porém, sobrevivem apenas os negócios eficientes ou, dito de outra forma, aqueles que são capazes de atender às necessidades genuínas de demandantes que operam num mercado concorrencial. Lembrei-me desta lição ao ler nesta manhã a seguinte reportagem:

“O governo decidiu acabar com a cobrança de uma sobretaxa, chamada antidumping, que encarecia a importação de leite em pó da Europa e da Nova Zelândia, que estava em vigor desde 2001. A decisão, publicada na edição da última quarta-feira, 6, do Diário Oficial da União, causou reação das entidades que representam os produtores, que se beneficiavam da barreira tarifária ao produto importado”.

Reação esperada sempre que o livre mercado põe à prova a eficiência de seus ofertantes, os produtores de lácteos nacionais já sinalizam preocupação e afirmam que, em nome da expressiva relevância econômica do setor, a suspensão da sobretaxa representa um erro crasso de Paulo Guedes. Dentre as argumentações utilizadas pelos defensores da manutenção da política antidumping estão o suposto desinteresse dos burocratas da área econômica pela agropecuária brasileira, a preocupação excessiva do governo com índice de preços (como se esta não devesse mesmo ser uma preocupação) associada ao fato de que a importação é sempre bem vista no combate à inflação, a necessidade de retaliação às tarifas impostas por países sobre alguns de nossos produtos (o governo norte americano, a título de exemplo, além de fazer rigorosas exigências sanitárias, impõe uma taxa de 60% sobre determinados produtos lácteos brasileiros) e a que julgo mais simplista e, a um só tempo, mais esfuziante: a redução do número de empregos no setor.

Um pouco de conhecimento sobre o funcionamento dos mercados e da “Teoria da Vantagem Comparativa”, acredito, poderia ajudar diversas pessoas a tomarem um lado mais acertado nesta guerra entre produtores e governo já que, sempre que há relatos de liberalização na economia, a mídia mainstream mostra-se parcial na exposição das consequências que serão sentidas pela sociedade. Na verdade, a mídia mainstream, não sem o apoio espúrio de economistas intervencionistas, tem o péssimo hábito de focalizar as consequências negativas de curto prazo, aquelas que, como dissera Bastiat, são visíveis e podem facilmente ser percebidas por economistas medíocres. Baseando-se neste comportamento, todas as análises convergem para os produtores de leite e as pessoas que trabalham no setor. Deixam de lado (se por ignorância ou pelo prazer do desserviço, não sei) os efeitos de longo prazo que sempre são benéficos (no caso em questão, ou seja, de liberalização econômica) e tendem a se abater sobre outros atores da economia. Os consumidores, principais interessados em produtos mais baratos, são sempre ignorados nesta análise.

Primeiramente, é necessário, como manda o dever cívico que nos é imposto, fazer algumas concessões e reconhecer que os efeitos de curto prazo serão indesejáveis, como relatam os propagadores do apocalipse. O apocalipse, no entanto, vai se transformando em algo desejável na medida em que tiramos nossas lentes do curto prazo e as colocamos num período temporal maior. Uma análise econômica despida de qualquer ideologia é capaz de mostrar que, no longo prazo, a riqueza de toda uma sociedade aumenta quando barreiras protecionistas são removidas e consumidores e ofertantes podem atuar numa atmosfera de um genuíno livre mercado.

Para elucidar melhor o funcionamento dos mercados num contexto em que não há subsídios, barreiras protecionistas ou qualquer favorecimento a grandes empresários com considerável influência política, exponho aqui a boa teoria econômica misesiana: a concorrência entre produtores estrangeiros e domésticos colocará os consumidores diante de opções variadas de produtos e serviços. Comumente, num cenário de concorrência global, os consumidores terão à sua disposição não apenas uma oferta mais diversificada como terão, também, acesso a produtos mais baratos e de melhor qualidade (lembremo-nos de que, num mercado concorrencial produtores, ávidos por atender as demandas de seus clientes, terão incentivos extras para reduzir seus preços e aumentar sua qualidade). Ora, todo economista que se opõe ao “milagre econômico” keynesiano sabe que não é a demanda que gera riqueza, mas, pelo contrário, somente a poupança de uma economia é capaz de gerá-la. A poupança, por definição, só é possível quando as pessoas deixam de gastar parte do seu salário com bens presentes para direcioná-la a projetos futuros. E é exatamente aí que se encontra a fonte de enriquecimento de uma sociedade de livre mercado.

Quando consumidores gastam menos recursos com bens presentes mais caros grande parte de seus rendimentos será (ou pode) ser direcionada para poupança. Ora, grandes empreendedores farão uso desta poupança objetivando ampliar negócios através do emprego de mais bens de capital. Nas palavras de Ludwig von Mises, “Os empresários empregam os bens de capital tornados disponíveis pelos poupadores para a satisfação mais econômica das necessidades mais urgentes dentre as necessidades ainda não satisfeitas dos consumidores. Junto com os tecnólogos, na busca de aperfeiçoar os métodos de processamento, os empresários, próximos aos poupadores, desempenham papel ativo no curso dos acontecimentos, o que é chamado de progresso econômico. O resto da humanidade aproveita das atividades dessas três classes de pioneiros. Mas, quaisquer que sejam suas ações, eles apenas se beneficiam das mudanças para as quais nada contribuíram”.

Dito de outra maneira, o que torna possível ampliar a oferta de empregos e a criação de negócios é a poupança advinda de uma redução nos preços pagos por bens e serviços (daí a evidente nulidade dos argumentos referentes ao combate inflacionário e à destruição de empregos apresentados acima). Ademais, é preciso ressaltar que a boa teoria econômica também nos ensina que quando os custos de aquisição de determinados bens e serviços são reduzidos em decorrência de maior concorrência, sobra mais dinheiro a ser gasto em outros setores. Estes setores, agora contemplados por um aumento de demanda, farão novos investimentos, ampliarão seus negócios e gerarão novos empregos.

Se o leitor ainda não se convenceu com os argumentos apresentados até este ponto do artigo, talvez devesse pensar na imoralidade presente no arranjo que força pessoas mais pobres a pagarem um alto preço por um produto como o leite apenas para que empresários continuem mantendo suas atividades artificialmente lucrativas. Aliás, se assim desejarem, os consumidores, numa economia de livre mercado, poderão continuar comprando desses produtores apenas por altruísmo (alguém realmente espera que isto aconteça?).

Um último argumento que necessita de refutação é o argumento da retaliação. Quem faz uso dele acredita que é injusto termos nossas vendas prejudicadas por sobretaxas impostas por outros países aos produtos domésticos (como o já citado caso norte americano) enquanto compramos produtos livres de sobretaxas destes mesmos países. Um pensamento ignaro, por assim dizer. Acreditar neste argumento é o mesmo que dizer que somente porque o governo dos EUA (mais uma vez fico neste exemplo) impõe carestia ao seu próprio povo devamos fazer o mesmo. Por fim, quem se utiliza deste argumento não percebe que pagar menos por bens e serviços importados, ainda que não haja correspondência do país do qual se importa, sempre será uma grande vantagem à população nacional, em especial aos mais pobres.

Dito isto, concluo que apenas a sanha intervencionista, a incompetência e/ou a inveja justificam o clamor pela manutenção da sobretaxa de antidumping e por retaliações a tarifas de importação.

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