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O mito da Escandinávia como sucesso do welfare state
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Conheço um sujeito que viveu até os 85 anos, era gordo (quase obeso na verdade), sedentário, bebia muito e fumava. Se depender do interesse de um esquerdista, ele poderá dizer tranquilamente que o homem viveu tanto assim porque bebia muito, fumava e não praticava esportes.

Seria absurdo, eu sei. Coisa de quem não tem a menor noção da diferença entre correlação e causalidade, não é mesmo? Mas é exatamente o que muitos fazem quando o assunto é o relativo sucesso escandinavo.

A região nórdica desperta os mais românticos suspiros por esquerdistas incapazes de nomear mais de 4 cidades ou apontar a localização dos países no mapa. Até o comunista Bernie Sanders tem dito que o modelo que tem em mente é o escandinavo, como se fosse o “socialismo que deu certo”, o que é ou fruto da ignorância ou da má-fé. Mas eis uma falácia muito repetida pela esquerda do mundo todo.

Por isso o livro Scandinavian Unexceptionalism: Culture, Markets and the Failure of Third-Way Socialism, de Nima Sanandaji, lançado recentemente pelo Institute of Economic Affairs, é uma leitura indispensável para quem não quer repetir besteira por aí e bancar o ignorante.

O autor é um sueco de origem curda que possui PhD pela Royal Institute of Technology, em Estocolmo. Ele já publicou 15 livros e é um pesquisador do Centre of Policy Studies em Londres. O pequeno livro em questão é rico em dados que derrubam, uma a uma, cada falácia repetida por quem não quer saber dos fatos para preservar os mitos.

Para começo de conversa, ele alega que o capital cultural na região é muito rico, basicamente pela herança luterana com forte ética do trabalho, e isso veio muito antes das reformas sociais. Além da ética do trabalho, há a coesão social de uma população bem hegemônica, a responsabilidade individual e valores familiares sedimentados. Na verdade, como ele aponta no livro, esse legado cultural tem sido corroído pelos novos mecanismos de incentivos, que punem quem trabalha e produz mais e favorecem o acomodado.

O sucesso relativo da Escandinávia precede o “welfare state”. Foi na fase liberal que esses países ficaram ricos, e o excesso de estado custou e custa caro demais, chegando a reverter o progresso da região e impor a necessidade de reformas liberalizantes na década de 1990 (e que continuam até hoje).

A Suécia, por exemplo, experimentou a maior taxa de crescimento dos países industrializados entre 1870 e 1936. Após a introdução da “terceira via”, o país viu seu crescimento despencar, assim como seu nível relativo de riqueza. Em 1870, a renda per capita sueca era 57% menor do que a inglesa, e em 1970 já era 21% maior. O empreendedorismo quase desapareceu do país depois do abandono desse liberalismo.

Para se ter ideia, em 2004, 38 dos 100 negócios com maior receita na Suécia tinham começado como empresas privadas dentro do país, e dessas, somente duas tinham surgido depois de 1970. IKEA, Volvo, Tetra Pak, H&M, Ericsson e Alfa Laval: todas surgiram antes da adoção do pesado “welfare state”.

“Mas o mais importante é a qualidade de vida”, dirá o “progressista”. Ok. Em 1960, antes do avanço desmedido do estado, a Noruega já tinha a maior expectativa de vida da OCDE, seguida pela Suécia, Islândia e Dinamarca. Em 2005, o hiato dessa expectativa de vida em relação ao Reino Unido e aos Estados Unidos tinha caído consideravelmente.

Outro efeito nefasto do “welfare state” benevolente foi a mudança já citada na ética do trabalho, tão forte outrora na região. O absenteísmo por motivos de doença aumentou mais de 40% durante a Copa do Mundo de 2002, por exemplo. Pesquisas subjetivas comprovam o crescimento da “malandragem” entre os escandinavos. Se no começo da década de 1980 mais de 80% dos entrevistados concordavam que benefícios estatais jamais eram justificáveis sem necessidade real, uma nova pesquisa entre 2010 e 2014 mostrou que essa taxa despencou para 55% apenas. Os suecos estão aprendendo o “jeitinho” para se adaptar.

Se o segredo escandinavo é mesmo o modelo de estado de bem-estar social, então como explicar que os 12 milhões de americanos descendentes da Escandinávia apresentem uma taxa de pobreza menor do que a dos próprios escandinavos que não emigraram? Além disso, esses “vikings” americanos são também mais ricos do que a média nacional, e sua renda per capita seria maior do que a desses países, à exceção da Noruega, com abundante “ouro negro”. Em outras palavras, a Escandinávia que existe dentro dos Estados Unidos tem menos pobreza e é mais rica do que a original.

O modelo escandinavo, portanto, não refuta as leis econômicas. Ao contrário: as confirma! A Suécia experimentou uma drástica perda após o planejamento central e a pesada carga tributária, e teve que realizar várias reformas liberais para recuperar parte do que perdera. A Dinamarca seguiu o mesmo caminho. A Noruega vem atrás, em passo mais lento, pois conta com a riqueza do petróleo ainda.

Segundo o Índice de Liberdade Econômica, esses países seriam considerados liberais hoje, não socialistas. Apesar da carga tributária elevada, mas cada vez mais convergente com a europeia, seus mercados são abertos e as leis trabalhistas são mais flexíveis. Medidas que restringem as benesses para desocupados foram adotadas.

Ainda assim, há um patamar nada desprezível de desemprego, especialmente entre os jovens, muitas vezes disfarçado pelas licenças permanentes ou temporárias de saúde. Pode colocar isso na fatura do “welfare state”, assim como a dificuldade em absorver os imigrantes, o que tem gerado sérios problemas sociais e recrudescimento da xenofobia, como se pode ver pelo avanço dos partidos nacionalistas.

Paul Krugman acredita que basta um passeio por Estocolmo para derrubar a ideia de que o “welfare state” fracassou. É o contrário: basta conhecer o passado e o presente desses países nórdicos para constatar como esse modelo custou caro, gerou ineficiências e atrasou o progresso deles. O quão mais ricos os suecos, dinamarqueses, finlandeses e noruegueses poderiam estar se tivessem continuado com um modelo mais liberal não podemos dizer. É “aquilo que não se vê”, o custo oculto desse modelo. Mas é possível especular que, aí sim, seriam a inveja do mundo todo e com motivos concretos para tanto.

Como Tom Palmer escreve no prefácio, ninguém que ler essa obra vai ser capaz de repetir, ao menos não sem um peso na consciência, os slogans comuns sobre o socialismo nórdico, as políticas de “terceira via” ou como os altos impostos e as rendas garantidas pelo estado fomentam o crescimento econômico e alimentam uma responsabilidade moral e um espírito comunitário. É justamente o contrário.

Rodrigo Constantino

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