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O risco latente do autoritarismo no Brasil
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Por Erick Silva, publicado pelo Instituto Liberal

O mal do Brasil é o brasileiro? Esse é o tipo de pergunta que faço todos os dias. Faço essa pergunta pelo fato de os brasileiros, de maneira geral, quase sempre preterirem ideias democráticas para flertarem com o autoritarismo.

Como não esquecer a maneira como enxergamos o duelo Getúlio Vargas-Carlos Lacerda? O primeiro, um ditador populista com inclinações fascistas, foi alçado ao status de herói da pátria e grande estadista, sendo até hoje reverenciado como se fosse um exemplo a ser seguido. O segundo, um grande jornalista e um dos maiores defensores do Estado Democrático de Direito que o país já presenciou, foi relegado injustamente para a lata do lixo da história, visto como um pária golpista, inimigo do povo brasileiro e entreguista.

Indo um pouco mais adiante na história, temos o caso de 1964. De um lado, temos os saudosistas do regime, pessoas que acreditam que na ditadura militar não havia corrupção, que havia ordem, e há até pessoas que justifiquem as censuras e torturas provocadas pelo regime. E do outro, temos aqueles que exaltam até hoje os guerrilheiros comunistas como se eles fossem heróis da liberdade, sendo que os guerrilheiros queriam derrubar a ditadura militar para instaurar outra: a comunista. O que prova o fato de que tem pessoas que não são contra ditaduras: apoiam desde que esteja alinhada com as suas ideias.

Com o fim da ditadura militar em 1985, parecia, enfim, que a democracia havia triunfado no Brasil. Que finalmente o brasileiro havia aprendido a valorizar o Estado Democrático de Direito. Durante esse período, tivemos a ascensão política de Lula e do PT, mas eles foram neutralizados em 1989, 1994 e 1998. E, quando Lula alcançou a presidência em 2002, a sensação era de que ele havia mudado. De que ele era um democrata de fato. Ledo engano.

Durante os 13 anos em que governaram o país, o Brasil quase virou um regime autoritário nas mãos petistas. Aparelhamento de estatais, uso de sindicatos para servirem como braço armado do governo (quem não se lembra do presidente da CUT dizendo, em alto e bom som, que “iríamos pegar em armas” para impedir o impeachment da Dilma?), tentativas de aparelhamento da imprensa, incluindo perseguição a jornalistas e veículos, entre outros sintomas de formação de uma autocracia. Muitas pessoas continuaram apoiando esse projeto mesmo quando as intenções do partido estavam ficando mais claras.

A era petista deveria ter servido como aprendizado para que o Brasil nunca mais passasse pelo mesmo mal. O petismo saiu, mas parte do seu legado ficou impregnada no imaginário brasileiro. O petismo promoveu o surgimento de um novo movimento de massa: o bolsonarismo.

Com o fim do mito Lula, o país ficou órfão. Lula foi o maior líder popular que o Brasil presenciou. Nunca antes na história deste país um mito havia sido tão bem fabricado quanto ele, que tinha uma história digna de filme ganhador do Oscar: origem humilde, vindo do interior de Pernambuco, trabalhou desde cedo para ser alguém na vida, lutou contra a ditadura, a voz dos oprimidos, chegando no posto máximo da pátria – tornar-se presidente da República. Foi essa a imagem que ele vendeu durante anos e o Brasil acompanhou o esfarelamento do seu legado até culminar na prisão dele em 2018. Nesse período, o brasileiro buscou um novo político, um “mito”, alguém incorruptível que iria colocar ordem em Brasília, alguém que não se curvaria ao establishment. Quem foi o político em que o povo depositou sua confiança? Jair Messias Bolsonaro.

Bolsonaro, o patriota, o deputado que não se curvou à “velha política” durante 28 anos. A ele foi dada a missão de ser o presidente que daria início a uma “Nova Era” no país, de prosperidade, liberdade econômica e desenvolvimento. Era o que o povo brasileiro esperava. Era o que a direita brasileira, após anos no ostracismo, mais desejava.

Durante um tempo, fui bolsonarista. Em 2015, acreditava que Bolsonaro era a esperança para o país engrenar de vez, que ele seria o “Reagan brasileiro”. Todavia, eu passei a debandar gradativamente do bolsonarismo em 2016. Começou no dia em que ele exaltou, na votação do impeachment de Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados, na frente de milhões de pessoas, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais cruéis torturadores do regime militar. A partir daí o meu apoio foi minguando até que em 2017 eu deixei de apoiar o Bolsonaro definitivamente, quando ele fez campanha contra a Reforma da Previdência de Michel Temer, reforma essa crucial para o futuro do nosso país. Ali ficou claro, pelo menos para mim, que ele era uma opção ruim para o Brasil, o que ficou ainda mais evidente no apoio dele à Greve dos Caminhoneiros de 2018.

Todavia, me deixei levar pela empolgação pós-segundo turno, com o anúncio dos ministérios, o perfil dos indicados, a confiança do mercado. Cheguei a acreditar que haveria, finalmente, um triunfo da direita liberal. Ledo engano.

Passados três meses de governo, a realidade mostra sua face: MEC em frangalhos, dólar subindo, reforma da previdência sendo seriamente ameaçada, crise na própria base aliada… Esse é o resumo do governo Bolsonaro até o presente momento. Mas o pior fator, e é esse o motivo para eu escrever esse artigo, é um risco que, a cada dia mais, vem aumentando no país: o Brasil se tornar um país autoritário. Esse risco vem de três frentes: o risco a curto prazo (autocracia judiciária), o risco a médio prazo (autocracia direitista) e tem um risco a longo prazo (autocracia esquerdista).

Comecemos pelo risco a médio prazo, a autocracia direitista. Existe um ditado popular que diz: “Diga-me com quem tu andas, que eu te direi quem tu és”. A julgar pela influência de Steve Bannon em figuras próximas a Jair, como Eduardo Bolsonaro e Filipe Garcia Martins, devemos manter o risco de alerta autocrático aceso. Bannon é adesista da “democracia iliberal”, que seria um país com um regime aparentemente democrático, mas que tem elementos da democracia, como liberdade de expressão e de imprensa, limitados. Os países que atualmente vivem nesse modelo são a Rússia de Vladimir Putin, a Turquia de Recep Erdoğan, e a Hungria de Viktor Orban – sendo que este último tem uma visita agendada com Eduardo.

Os primeiros indícios estão aí. Existe um forte movimento para descredibilizar a imprensa tradicional, taxando-a de mentirosa e “inimiga da pátria”. O mesmo acontece em relação ao Poder Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado Federal), que serão (na verdade, já estão sendo usados) como responsáveis pelos fracassos que o governo obtêm em votações; e aos ataques ao Judiciário. Quando digo ataques, não me refiro ao caso recente envolvendo os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Refiro-me aos ataques ao Judiciário como um todo, como a defesa do fechamento do STF (“Para fechar o STF, basta um cabo e um soldado”).

Para que servem todos esses ataques? Eles servem para minar a credibilidade das instituições e fazer com que o governo seja a única fonte confiável, a voz da verdade em um mar de mentiras. Esse tipo de mentalidade é bastante perigoso, pois dá ao governo o poder de ditar o que é verdade e o que não é, o que pode ser dito e o que não pode ser dito. Em resumo, a descredibilização das instituições abre uma brecha para que seja instaurado um regime aos moldes de “1984”, de George Orwell. E é por isso que devemos nos manter alertas em relação ao que determinados grupos andam pregando. Caso contrário, as consequências serão terríveis.

A curto prazo, corremos o risco de uma autocracia judiciária. Para que um Estado Democrático de Direito se mantenha, é crucial que os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estejam em pé de igualdade, sem o enfraquecimento exacerbado de um nem a supremacia de outro.

E o risco reside justamente aí: o poder judiciário, nos últimos dias, anda atuando como uma espécie de “Poder Moderador”, impondo decisões arbitrárias, colocando em xeque a liberdade de expressão e de imprensa. A censura à reportagem da Revista Crusoé, ligada ao site “O Antagonista”, e o bloqueio de redes sociais de cidadãos que criticaram ministros do Supremo, é uma afronta ao Estado Democrático de Direito e faz com que jornalistas tenham medo de publicar matérias com receio de represálias e pessoas comuns façam uma autocensura para evitar problemas judiciais. É por isso que devemos impedir que o Supremo assuma poderes que o coloquem em status de supremacia, pois dessa maneira podemos preservar o nosso direito de nos expressarmos.

E por último, o risco a longo prazo (mas que pode estar mais perto do que possamos imaginar): o risco de uma autocracia esquerdista. Quando me refiro a autocracia esquerdista, não me refiro ao velho comunismo soviético nem ao bolivarianismo venezuelano: me refiro ao “novo socialismo”, ou socialismo democrático, mas que de democrático não tem nada. É possível observar esse novo modelo da esquerda mundial sendo implantado nos EUA pelo Partido Democrata, e dá para observarmos o desastre que acontecerá se o modelo vingar no Brasil. Basta ver a ascensão de Bernie Sanders e sua política altamente socialista, que bate de frente com os valores americanos, Alexandria Ocasio-Cortez, que se tornou o novo fenômeno da esquerda americana, e de Ilhan Omar, que chegou ao fundo do poço moral ao relativizar o atentado de 11 de setembro de 2001, o maior atentado terrorista em solo americano da história.

Considero o risco a longo prazo, mas que, dependendo dos rumos que a política tomar, pode se concretizar em larga escala em 2020. O PT anda enfraquecido, mas a esquerda já busca uma renovação. E já é possível observar políticos com discursos semelhantes aos de Ocasio-Cortez pairando em Brasília.

O “socialismo democrático”, embora aparentemente inofensivo, é extremamente perigoso, pois camufla-se em uma aura supostamente democrática para, quando alcançar o poder, ditar o que deve ser dito e o que não pode, sob a justificativa de combater os “discursos de ódio” e “defender as minorias”. Isso é algo que já acontece atualmente, mas que vai se intensificar caso o novo socialismo vingue no Brasil.

Os tempos andam bastante complicados para os democratas brasileiros. De um lado, você tem um risco de uma autocracia direitista. Do outro, uma autocracia judiciária. E, lá no horizonte, corremos o risco de uma autocracia esquerdista. O clima está ruim, mas nós liberais não podemos abaixar a cabeça para desmandos autoritários. Temos que resistir e continuar lutando por um país verdadeiramente livre. Lembrem-se: não há nada mais valoroso do que lutar por sua própria liberdade.

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