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Olavo de Carvalho apela para dialética marxista e morde e assopra ao ser guru e crítico do governo ao mesmo tempo
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Para quem ainda não se deu conta, eu ajudo a entender o motivo pelo qual o filósofo Olavo de Carvalho “está sempre certo”. É porque ele dá uma no cravo, outra na ferradura. Ou seja, ele abandonou o velho marxismo, mas o velho marxismo não o abandonou. Ou por outra: a dialética marxista continua com ele até hoje, bem viva e atuante. É assim que ele pode ser um grande crítico da greve dos caminhoneiros que paralisou o país ano passado, e ao mesmo tempo uma espécie de mentor daqueles que fomentaram a mesma greve ou tentaram se aproveitar politicamente dela. E isso para dar apenas um exemplo.

Hoje mesmo Olavo voltou a apelar para as duas faces contraditórias. Ele tem recebido bastante destaque na imprensa por ser o “guru” do presidente Bolsonaro, por um livro seu estar na reduzida pilha de somente quatro obras durante o primeiro pronunciamento como presidente eleito. Deu várias entrevistas, deixou claro, justiça seja feita, não se enxergar como tal guru e ter tido pouco contato com Bolsonaro. Mas sem dúvida está surfando nessa onda, a ponto de “emplacar” dois ministros e ter um de seus alunos mais destacados assumindo uma posição como “chanceler do B”, algo similar ao que Marco Aurélio Garcia tinha no governo petista.

O jovem Filipe G. Martins, diga-se, adota até o mesmo estilo do mestre, e sei disso pois já tive minhas “rusgas” com ele em público. Dediquei um longo texto para desmascarar o “revolucionário de Facebook”, que hoje acumula um poder assustador, mas nem tanto imprevisível assim, pois eu já tinha cantado a pedra lá atrás:

E outra coisa – que precisa ser dita: ele não discute conosco desde o mesmo lugar. Certos ou errados, somos, eu e tantos outros liberais e conservadores, analistas, comentaristas etc. Ele é um dirigente partidário. Pertence ao quadro do PSL. Suas análises precisam ser compreendidas a partir desse lugar limitador. Não é um pensador livre. É intelectual de partido, que tem interesses eleitorais objetivos, a partir dos quais seu futuro profissional se decidirá.

Seu futuro, de fato, foi ali decidido, e hoje o jovem está em condições de assumir protagonismo em nossa política externa, o que dá certos calafrios nos mais moderados. Filipe, afinal, é “olavete” de corpo e alma, e tanto ele como Eduardo Bolsonaro estão próximos de Steve Bannon, que foi colocado para fora do governo Trump pelo excesso de radicalismo. Não é uma boa escola de pensamento esse “movimento” de reação direitista nacionalista criado por Bannon, por mais que aponte para inimigos reais. As divergências maiores são quanto aos meios sugeridos como resposta para “resgatar a civilização ocidental judaico-cristã”. A turma liderada por Bannon não se importa em agir exatamente como os adversários comunistas, já que a única coisa que vale é vencer.

Mas volto à dialética olaviana, para mostrar que a coisa tem método e que podemos esperar o mesmo de seu discípulo. Eis o que Olavo publicou hoje:

Ora, o que exatamente Olavo está dizendo, sugerindo? Que não deveríamos ter lutado pela vitória de Bolsonaro? Que seria melhor se o Fernando Haddad tivesse vencido e Lula estivesse no poder, em vez de na prisão? Claro que Olavo tem um ponto! A guerra cultural é a mais importante a longo prazo, e cansei de dizer o mesmo. Mas prescindir da política? Isso sim seria suicida. Não se ignora a batalha no campo das ideias, e por isso temos o Instituto Liberal, o Instituto Mises Brasil e tantas iniciativas liberais e conservadoras pipocando. Por isso temos inclusive o curso do próprio Olavo, formando alunos (a maioria, infelizmente, aprisionada demais na necessidade de bajulação do mestre em vez de adotar pensamento independente).

Essa mensagem de Olavo é tática, esperta e oportunista. Fala meia verdade, oculta o essencial. Se o governo der certo, ele foi seu guru e indicou dois ministros. Se der errado, ele avisou! Ele está sempre certo, entendem? Se não era o momento de eleger um presidente de direita, por que Olavo ajudou nesse sentido então? Enquanto o filósofo guru, uma espécie de Rasputin do bolsonarismo, tira o corpo fora nesse morde e assopra, os liberais pragmáticos estão lá, arriscando seus nomes e reputações para ajudar a fazer o governo avançar.

Estão colocando a mão na massa, dedicando-se e enfrentando as alas políticas e militares na tentativa de aprovar as reformas necessárias. E também a ala olavista, diga-se, como essa reportagem da Piauí sugere:

Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex, virou objeto de disputa entre os futuros ministros da Economia, Paulo Guedes, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Com orçamento de 726 milhões de reais neste ano, a agência está subordinada ao Itamaraty desde o início do governo Temer, em 2016. Mas, a partir do anúncio da fusão das pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria, Comércio Exterior e Serviços no Ministério de Economia, a equipe de Guedes passou a considerar a incorporação da Apex. Araújo soube da intenção logo que foi indicado para as Relações Exteriores, e chegou a reclamar com o presidente eleito sobre a possível perda da agência. Numa reunião interna, segundo assessores próximos do futuro presidente, Bolsonaro se posicionou a favor de seu chanceler. Mas adiantou pouco.

Nesta quarta-feira, em uma reunião da equipe de transição no Centro Cultural do Banco Brasil, em Brasília, a principal assessora de Guedes, Daniella Marques, mostrou à Casa Civil que a Apex estava incluída na Secretaria de Comércio Exterior e, portanto, dentro da estrutura do futuro Ministério da Economia. O objetivo do encontro da equipe de transição – do qual participaram quase todos os futuros ministros de Bolsonaro –, era mostrar as configurações das pastas. A subordinação da Apex a Guedes foi defendida como uma estratégia para reduzir a burocracia, concentrando todo o comércio exterior em uma só pasta. O futuro ministro da Economia foi o único a não comparecer ao encontro, porque se recupera de uma infecção respiratória, no Rio de Janeiro.

Por ter chegado atrasado à reunião, o chanceler Araújo não se deu conta de que Guedes havia incluído a Apex à sua pasta. Ao apresentar o organograma das Relações Exteriores, incluiu a agência na estrutura do Itamaraty. Foi Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, quem alertou Araújo de que havia algo errado, e avisou que um dos dois teria que abrir mão da agência. A decisão ainda não foi tomada, e os dois ministros terão que se entender sobre o assunto.

Para a turma de Ernesto Araújo e Filipe Martins, o Brasil deve mergulhar de cabeça, como apêndice da América, nesse combate pela “regeneração da civilização ocidental”, todos sob o comando de Bannon. Já a turma liberal prefere valorizar o comércio exterior com abordagem mais pragmática, de olho nos interesses empresariais, lembrando que o agronegócio, locomotiva do nosso crescimento, é bastante dependente das exportações para a China, tida como inimiga mortal nessa guerra cultural pela ala mais ideológica.

Embates são naturais num governo em formação, e não descarto sequer que os mais conservadores estejam parcialmente certos nos fins. A civilização ocidental está mesmo sob ataque de globalistas e “progressistas”, e às vezes os liberais focam demais apenas na área econômica. Mas isso não quer dizer que devemos aplaudir os métodos recomendados pelos “guerreiros cruzados”, nessa batalha de vida ou morte com inimigos terríveis do Ocidente.

Volto a lembrar que Bannon não faz mais parte do governo Trump, a grande inspiração de Bolsonaro. Até Trump foi mais pragmático. No fim do dia é preciso governar com certo pragmatismo. Quem quer apenas “mitar” nas redes sociais ou “estar sempre certo” dificilmente entenderá a relevância disso…

Rodrigo Constantino

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