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Parlamentarismo não é golpe nem panaceia: é apenas um avanço
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Tanto Helio Schwartsman como Bernardo Mello Franco tratam do tema parlamentarismo em suas colunas de hoje na Folha. Schwartsman é simpático ao modelo, mas rejeita a ideia de que se trate de uma panaceia, de um remédio que curaria todos os nossos males. Já Mello Franco usa um historiador para condenar a proposta parlamentarista como um “golpe da direita”, que teria medo de eleição direta.

É claro que tomo o partido de Schwarstman. Parlamentarismo não é golpe coisa alguma, menos ainda de direita. É simplesmente um modelo mais eficaz que pode evitar crises de governo comuns em regimes hiperpresidencialistas como o nosso. Mas óbvio que não é uma panaceia.

Como autor de um livro com esse nome, minha primeira ficção, sou o primeiro a defender a tese de que “soluções mágicas” simplesmente não existem. A mensagem do meu livro Panaceia, que conta a história de Atarax, a pequena nação vizinha de Castrix que foi acometida por um vírus terrível, o cole, e que convoca os líderes políticos para partir em busca da “cura”, é justamente a de que tal cura não há, apenas paliativos.

As frases que destaco como epígrafe deixam o recado bem claro:

“Os maiores e mais importantes problemas na vida são todos de certa forma insolúveis; eles não podem ser solucionados, mas apenas superados.” (Carl Jung) 

“Para cada problema complexo, há uma resposta clara, simples e errada.” (H.L. Mencken)

“Não sou jovem o suficiente para saber tudo.” (Oscar Wilde)

“Todo o problema com o mundo é que os tolos e fanáticos estão sempre tão certos de si mesmos, mas as pessoas mais sábias estão tão cheias de dúvidas.” (Bertrand Russell) 

“Nossa liberdade está ameaçada em muitos campos devido ao fato de que estamos muito dispostos a deixar a decisão para o especialista ou aceitar muito acriticamente sua opinião sobre um problema do qual ele conhece intimamente apenas um pequeno aspecto.” (Hayek)

“Muitos problemas não são resolvidos; eles são substituídos por outras preocupações.” (Thomas Sowell)

“Somos condenados a escolher, e cada escolha traz o risco de uma perda irreparável.” (Isaiah Berlin)

Ou seja, sou um cético e desconfio de todo aquele que, como o herói machadiano, aparece com um emplasto que vai resolver todos os nossos males. Mas daí a adotar o extremo oposto, a passividade de que, como nada resolve tudo, então nada adianta fazer, vai uma longa distância. O imobilismo não é a minha praia.

Devemos, portanto, evitar a “falácia do Nirvana”: comparar realidades imperfeitas com utopias. Apontar o que não funciona sem mostrar o que poderia funcionar melhor, ainda que não de forma perfeita, é muito fácil, mas em nada ajuda no avanço da sociedade e da democracia. É por isso que fecho com Helio nessa:

Sou parlamentarista, mas é preciso cuidado para não tratar o parlamentarismo como uma panaceia. A melhor evidência empírica sugere que as sociedades que conseguiram superar situações de corrupção política crônica e evoluir para arranjos institucionais mais transparentes e eficazes não o fizeram recorrendo a uma bala de prata, mas adotando várias medidas em diferentes campos mais ou menos ao mesmo tempo. É possível e até provável que o parlamentarismo faça parte de um blend de reformas que conviria ao Brasil, mas não dá para achar que basta trocar o regime para resolver tudo.

Se o parlamentarismo facilita a substituição de governantes que perderam as condições de liderar, casos de Dilma e provavelmente de Temer, ele também pode favorecer cenários de ingovernabilidade, como os que se verificaram em países como a Itália e o Japão, que, em vários períodos, não conseguiam formar maiorias minimamente estáveis. Entre 1946 e 1993, a duração média dos governos italianos, por exemplo, foi de apenas 10,8 meses.

Assim, apesar de descrer de milagres, continuo simpático ao parlamentarismo. Penso que esse é um sistema mais moderno e que incentiva os congressistas a agirem de forma um pouco mais responsável. Mas o principal motivo é que estou convencido de que a democracia, a exemplo do que ocorre com a ciência, avança primordialmente pelos resultados negativos, isto é, quando os eleitores reconhecem que um governante ou um partido não presta e o despacha para casa. 

Em Panaceia, a conclusão (com spoiler) vai ao encontro dessa postura. Quando o padre Otávio de Ramalho se recupera do choque ao descobrir que não existe “a cura”, ele entende o recado do companheiro de aventura:

Após alguns segundos de reflexão, o padre disse:

– Você está certo, Edmundo. Entrei em pânico com tudo isso, mas agora vejo que você está certo. Afinal, mitigar os estragos do vírus já é alguma coisa, não? E talvez eu seja mesmo útil em Atarax ainda. Se o povo não poderá mais ter a esperança de um paraíso terrestre, como sonhava nosso colega Pantoja, que ao menos eu possa fornecê-los uma pitada de conforto com a noção de um paraíso celeste após nossa passagem neste mundo frio. Sem este consolo, creio que muitos não seriam capazes de suportar a travessia…

– Isso mesmo, padre. Assim que eu gosto de ver! Mais ânimo, porque enfrentar a revolta popular não será tarefa fácil. Talvez faça o Leviatã parecer brincadeira de criança (sorriu). Quando as expectativas são colocadas muito no alto, a decepção é certa. Por isso me incomoda quem promete coisas demais, quem vende ilusões. A onipotência não nos foi dada pela natureza. Mas, se não estamos muito incomodados com quem fica com os créditos, então é possível fazer muita coisa boa, melhorar bastante nossas vidas, mesmo neste mundo tantas vezes cruel.

Edmundo conseguiu arrancar um sorriso do padre. Em seguida, estendeu a mão para ajudá-lo a se erguer. Atarax os aguardava. Era hora de partir para enfrentar a dura realidade pela frente.

Não há soluções mágicas, mas há como mitigar os problemas. Se não temos uma panaceia para oferecer, temos medidas que podem reduzir o estrago do governo, como o voto distrital, o parlamentarismo, o federalismo que descentraliza o poder, o fim do fundo partidário etc. Sigamos, então, na luta por uma democracia melhor, jamais por um modelo perfeito!

Rodrigo Constantino

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