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Pré-candidatos a presidente apresentam suas armas no Fórum da Liberdade em Porto Alegre
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Casa lotada. Milhares de pessoas espalhadas pela PUC de Porto Alegre para ver os pré-candidatos a presidente fazerem seus discursos com suas propostas e visão de país em 15 minutos cada, com duas perguntas feitas pelo presidente do IEE em seguida. A cada ano que passa o evento organizado pela garotada e futuros líderes empresariais cresce mais.

Infelizmente, o modelo não era de debate, mas sim de palestra isolada, e no único momento em que era possível “apertar” um pouco mais aqueles que pretendem presidir a nação, o presidente do IEE, Júlio Lamb, por uma tradição do instituto, acabou sendo educado e cordial demais, o que permitiu um ambiente propício a quem simplesmente “joga para a plateia”.

João Amoedo, do Partido Novo, foi o primeiro a falar, e fez uma apresentação impecável em termos de conteúdo. Seus dois únicos erros foram ter lido boa parte dela, o que sempre tira o fator espontaneidade, e ter colocado pouca energia no discurso. É o perfil de João essa calma e serenidade, e elas têm seu valor, passam confiança e seriedade. Mas sabemos como a plateia gosta de um espetáculo mais empolgante, e isso ficou faltando. Amoedo não é político, o que pode ser uma vantagem, para um eleitor ávido por um “outsider”, mas pesa na experiência retórica.

Ainda assim, João foi aplaudido em vários momentos, justamente pela coerência de sua mensagem e seu alinhamento à causa liberal, que encontra no Fórum da Liberdade seu ambiente mais amigável. Menos estado, mais cidadão, privatizar todas as estatais, dar o exemplo cortando na carne os privilégios, como os vereadores eleitos pelo partido estão fazendo, abrir mão do fundo partidário, permitir ao cidadão o direito de legítima-defesa revogando o Estatuto do Desarmamento, tudo isso compôs um discurso bem firme em prol do liberalismo, e Amoedo foi ovacionado de pé por uma multidão no término de sua fala, que poderia ter mais pitadas de sal.

Henrique Meirelles foi o próximo, e repetiu umas cem vezes a palavra “resultado”. Foi sua grande mensagem: outros podem prometer muitas coisas, mas ele já fez muitas coisas, como presidente do Banco Central no governo Lula e agora como ministro da Fazenda de Michel Temer. De fato, foram momentos em que a economia viveu maior estabilidade e a inflação ficou mais contida. Seu discurso foi todo voltado para a gestão da economia. Um nome que agrada o mercado financeiro, sem dúvida.

Flávio Rocha, da Lojas Riachuelo e do movimento Brasil 200, que se lançou pré-candidato pelo PRB, fez um discurso bastante liberal na economia também, mas puxou no final um pouco mais para o lado conservador nos costumes, frisando que o Brasil tem que resgatar valores morais e que isso não é uma agenda de evangélicos, mas de todas as pessoas de bem, que podem compreender a importância de instituições como a família, que a revolução gramsciana tem tentado destroçar.

Rocha falou sobre seu projeto Pró-Sertão, que levou capitalismo para regiões muito pobres do nordeste, lembrando que o governo costuma atrapalhar quem quer criar empregos e riqueza. Não é preciso ter um estado grande para ajudar os mais pobres e combater as desigualdades. O grande conflito existente hoje não é aquele imaginado pelos marxistas, entre capital e trabalho, mas sim entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado nela, desfrutando como parasita do esforço alheio. Os carrapatos ficaram grandes demais e o boi corre o risco de ser engolido. Estado é uma máquina de “não fazer”, e precisamos abandonar essa socialização das riquezas e da culpa, ao tratar bandidos como vítimas.

Foi uma boa mensagem, totalmente dentro do liberalismo com viés mais conservador. Faltou apenas mais energia também, e algumas tiradas que pudessem acordar a plateia. Rocha já demonstrou a capacidade de “incendiar” o público, tem carisma, e estava jogando em casa ontem. Poderia ter marcado mais gol.

Veio então Ciro Gomes, o homem do bilhão. Cobra criada, político há quase 40 anos, tendo passado por inúmeros partidos, domina o dom da fala e conhecia bem o perfil do público. Como é capaz de adaptar a mensagem de acordo com seu receptor, fez um discurso menos radical, totalmente diferente do que faria para seus colegas sindicalistas ou socialistas.

No fundo, foi um grande Rolando Lero da Escolinha do Professor Raimundo, mas não posso negar que sua verborragia seduziu boa parte da plateia. Com algumas brincadeiras feitas ao ser interrompido pelo alarme do tempo, quebrou o gelo e ainda conseguiu posar de leve e brincalhão, sendo que tinha desferido um tapa na cara de Arthur do Val, do canal Mamãefalei, poucos minutos antes. Ciro apresenta sempre um produto “fake”, mas não vou mentir: o falso ainda é sedutor em nosso país.

Se espremer todos os números avulsos que ele jogou no ar, filtrar toda a mensagem mais técnica que ele tentou passar, e resumir o conteúdo do que foi dito, fica uma só coisa: o homem quer implementar o modelo chinês no Brasil, acredita numa mistura entre capitalismo americano e planejamento soviético, e adora a ideia de um grande Planejamento Central, de um projeto nacional de desenvolvimento, com ele no comando da coisa toda, da economia política de cima para baixo, controlando cada detalhe e decidindo que setores devem prosperar.

Que isso já foi tentado várias vezes, que ele aplaudiu e apoiou velhas tentativas, e que todas deram totalmente errado são detalhes que passaram despercebidos do público em geral. Ah sim, e não podemos esquecer de sua obsessão pelo controle cambial, já que não tem a menor fé no preço sendo definido pelo próprio mercado, e seu anseio quase patológico por reduzir a taxa de juros na marra, algo que também foi tentado recentemente com resultados desastrosos. Ciro é um falastrão, mas se saiu bem do ponto de vista de enganar trouxas – e eles existem aos montes, mesmo num lugar supostamente liberal. O que pode ser seu calcanhar de Aquiles, como de praxe, é seu temperamento irascível incontrolável.

Marina Silva foi bem também, o que me leva a concluir que a esquerda deitou e rolou num evento com viés liberal, o que não deixa de ser assustador. Marina se apresentou como uma “sonhadora”, rejeitando a ideia do pragmatismo, e disse que foi graças a essa característica que avançou em sua vida, sempre de forma improvável. A vitimização com base em sua origem muito pobre, suas doenças de infância, seus pais que não podiam comer um ovo e mentiam não sentir fome para não deixar os vários filhos culpados, tudo isso é bem típico da esquerda, mas surte seu efeito em pessoas mais emotivas e menos interessadas em propostas concretas.

A ex-petista é mestre, aliás, em não fazer muitas propostas concretas, mas ocupar “um outro lugar de fala”, como ela diz, colocando-se acima das disputas partidárias, como alguém neutra capaz de unir o que há de melhor em cada partido. E ela vê gente boa em todos os partidos. Quer dizer, todos de esquerda, inclusive o PT. Não acho que ela tenha a pretensão de chamar ninguém do Novo, por exemplo, para um eventual governo.

A Revolução Francesa foi enaltecida como um dos exemplos de que os sonhadores podem mudar o mundo. Ela só esqueceu de falar de Robespierre, do Terror, da guilhotina e de todo o sangue que escorreu com base nesses ideias de “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, com pedaços do corpo da rainha sendo expostos em locais públicos pelos jacobinos ensandecidos. Quando esse é o resultado do “sonho utópico” de alguns, os novos sonhadores de esquerda ignoram a realidade e ficam com as belas mensagens retóricas. Que veio Napoleão logo depois é outra coisa sem muita relevância para quem tem lindos sonhos no papel. Marina terminou falando que vai rebater ataques oferecendo a outra face. É candidata a Jesus ou a presidente?

Geraldo Alckmin fechou a noite com uma fala sóbria, burocrática, voltada para o que já conquistou como governador de São Paulo. Conhecendo o público, atacou o estado grande e ineficiente, inclusive os privilégios do setor público, ignorando que é político tradicional de um partido que esteve no poder há anos e tem uma das maiores bancadas no Congresso. Criticou as desigualdades no regime de Previdência, sendo que está entre os privilegiados. Condenou o excesso de estatais, esquecendo que já recuou no passado quando foi acusado de “privatista”. Alckmin não arranca muitos suspiros do público. Afinal, é o famoso “picolé de chuchu”.

A lamentável ausência da noite foi Jair Bolsonaro, que foi convidado, mas não quis comparecer. Grande erro, em minha opinião. Perdeu ótima oportunidade de mostrar o quão a sério leva sua recente guinada liberal. Deixou o espaço vazio para figuras como Ciro “Rolando Lero” Gomes, mais tarimbado na arte de enganar, que fez um show sem direito ao contraditório. Não se sabe bem o motivo da ausência, mas se foi estratégia por ser líder em pesquisas, isso demonstra não só uma visão limitada da campanha eleitoral, que nem começou, como certa covardia. Se Bolsonaro quer vencer, precisa entender que seu nicho ele já tem, mas agora deve conquistar outros milhões de eleitores, mais moderados. Aquele que no passado já defendeu um modelo estatizante nacionalista e agora tenta se vender como liberal tinha obrigação de ir no maior evento liberal do continente!

O alerta que fica é que não se pode subestimar a esquerda nessas eleições: ela ainda não está morta, apesar de a bola liberal estar quicando e esperando alguém para chuta-la a gol. E isso sem falar de outro ausente, pois se lançou pré-candidato só essa semana, e que é um perigo, um cavalo de Tróia esquerdista: Joaquim Barbosa, o ex-ministro do STF que abandonou o posto no momento crucial de punir os petistas, que já declarou ter votado em Lula e Dilma, que demonstrou não ter muito equilíbrio para respeitar a liturgia do cargo. Mas como representa, no imaginário popular, o combate à corrupção, e ainda tem a “cor certa” e um discurso sensacionalista, pode seduzir muita gente.

Não foi, enfim, um momento muito bom para os liberais, que tiveram que engolir Ciro Gomes como o “destaque” da noite. Para compensar isso, tive o prazer de comer um excelente churrasco na NB depois, com direito a um descontraído bate-papo com Theodore Dalrymple, que falará hoje no Fórum. Para quem saiu de Ciro para Dalrymple em tão pouco tempo é como se cruzasse uma linha que separa o atraso populista da civilização refinada.

Rodrigo Constantino

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