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Trump pode até ter um viés protecionista, mas romper com o TPP não é prova disso: ele sim era protecionista!
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Muitos analistas estão preocupados com o lado nacional-protecionista de Donald Trump, e com razão! Esse é seu ponto fraco mesmo, como venho dizendo. Como liberal, não gosto do tom nacionalista exacerbado de seus discursos, e li em seu livro muitas passagens claramente mercantilistas.

Dito isso, reconheço que pode haver mais do que economia por trás dessas ideias, como por exemplo uma estratégia geopolítica de forçar a China a se tornar mais livre, já que o país manipula bastante seu mercado e sua taxa de câmbio. Trata-se de uma estratégia arriscada, que pode levar a uma “guerra comercial”. Mas também pode levar a uma maior abertura global.

Deveria no mínimo soar muito estranho ver os ícones da esquerda atacando Trump e saindo em defesa da “globalização”. George Soros, Obama e o “presidente” chinês viraram agora os maiores advogados do livre comércio global? Piada! Logo, o simples fato de identificar quem está por trás dos ataques já acende a luz amarela.

Trump e o Brexit são fenômenos contra o “globalismo”, não a globalização. Quem não entender isso perderá o bonde da História. Expliquei a diferença básica entre ambos nesse vídeo:

Recomendo, também, esse discurso de Anthony Scaramucci em Davos (infelizmente sem legenda), ele que se tornou membro importante da equipe de Trump e explica o motivo disso:

Como alguém que veio de baixo, Scaramucci reconhece que havia perdido o contato com o homem comum, a classe média, aqueles com quem ele cresceu. E diz que Trump teve a sensibilidade de entender o que está em jogo para essa turma toda, vítima em parte da globalização, em parte do que temos chamado de “globalismo”.

A globalização liberal vai produzir vítimas também. É inevitável quando as vantagens comparativas entram em cena. Se três bilhões de indianos e chineses mergulham no mercado global de trabalho, parece evidente que certos trabalhos sofrerão na Europa e nos Estados Unidos, principalmente no setor industrial, no que for intensivo em mão de obra barata. É o que faz um Michael Morre da vida se voltar contra a globalização, pela esquerda.

Mas outra parte do problema não deriva disso, e sim da falta de um livre comércio de fato. Em vez de “free trade”, temos um controle cada vez maior por parte dos “burocratas sem rosto”, das instituições globais que se assemelham a um “governo mundial”, um conceito tenebroso para qualquer liberal e conservador. Trump estaria contra isso, a favor, portanto, de um “fair trade”.

E entre suas primeiras medidas esteve acabar com o TPP (Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica). Isso levou muita gente a concluir que ele é um protecionista irrecuperável mesmo, mas recomendo mais cautela. Pode ser justamente o caso de um primeiro e importante ataque ao “globalismo”, não à globalização em si.

É o que dois excelentes artigos sugerem. No primeiro, publicado no Mises Brasil e escrito ainda em 2015, quando o acordo foi fechado, já fica claro que não há motivos para liberais festejarem a coisa:

Economistas canadenses fizeram seus cálculos e concluíram que, ao contrário do que diz o governo canadense, o TPP não trará reduções nem nos preços dos supermercados e nem nos preços dos automóveis.  Se um acordo comercial não faz nada para realmente baratear preços e aumentar a oferta de bens e serviços para o público, então ele realmente não tem nada a ver com livre comércio.

Embora estes tratados de “livre comércio” possam até se inspirar em princípios corretos, e embora alguns países signatários possam realmente obter ganhos líquidos, sua implantação é mais do que criticável: eles não deveriam servir nem para instituir novas barreiras não-tarifárias e nem para criar fortalezas protecionistas frente a terceiros.

Donde se conclui que o verdadeiro mecanismo para se gerar o tão benéfico livre comércio não são estes tratados governamentais, mas sim o caminho muito mais simples que seguiu a Inglaterra durante a segunda metade do século XIX: a desregulamentação e abolição unilateral das tarifas de cada país perante todo o resto do mundo.

Um genuíno acordo de livre comércio deve, por definição, ser curto e até mesmo unilateral.  Todas as barreiras ao livre trânsito de mercadorias e capitais deveriam ser extintas.  E ponto.  Apenas isso é livre comércio.  Não são necessários tratados e nem acordos.  Apenas a abolição irrestrita de barreiras, tarifas e imposições governamentais.

O último e mais importante efeito do TPP é que, quando ele fracassar em criar os seus supostos benefícios — e o TPP, com efeito, não fará nada para promover uma maior e mais ampla divisão do trabalho —, o mercado será o bode expiatório, como sempre.  E o governo será novamente chamado para corrigir essa “falha de mercado”. 

Parafraseando Elinor Dashwood (do livro Razão e Sensibilidade, de Jane Austen), o mercado sofrerá a punição de um acordo comercial mal feito sem nem jamais ter usufruído qualquer vantagem dele.

O segundo texto é de Filipe Martins e foi publicado ontem no Senso Incomum. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Martins mostra que não é Trump o protecionista, mas sim o próprio TPP, e aproveita para fazer uma dura crítica a esses analistas de redes sociais, que não mergulham nos temas e saem dando pitaco apressado, com base em preconceitos ideológicos. O autor leu o material vasto do TPP, e conclui:

Em primeiro lugar, o TPP inclui apenas doze países, o que faz dele um acordo de “comércio gerenciado” e não um acordo de “livre comércio” — já se perguntaram por que a Europa não faria parte do TPP, mas sim do TTIP, um acordo à parte?

Em segundo lugar, o TPP não irá reduzir as barreiras tarifárias ou eliminar de modo significativo os obstáculos para o livre comércio entre esses doze países. Na verdade, o comércio entre eles já é bastante livre e o foco do acordo é a harmonização regulatória, criando e estabelecendo regras que determinam até como um copo ou um garfo devem ser produzidos. Notem que não se trata da eliminação de regulações, mas da ampliação do poder regulatório dos governos — por certo, uma medida muito liberal.

Em terceiro lugar, o acordo criaria um aparato de governança supra-estatal sem nenhuma transparência e que feriria de todos os modos possíveis a soberania nacional dos países membros, alienaria os representantes eleitos para legislar, e subjugaria as constituições e as legislações locais a leis e regulações estabelecidas pelo acordo — que, vale lembrar, foi negociado em segredo e possui uma documentação tão ampla e complexa (5 mil páginas) que o torna impenetrável e indecifrável aos agentes econômicos comuns que não disponham de uma assessoria jurídica paga a peso de ouro.

Esses três pontos bastam para mostrar o tamanho da encrenca de que os EUA se livraram hoje e a complexidade do assunto, que jamais poderá ser resolvido com uma dupla de rótulos metonímicos como “protecionista” e “liberal”.

Na prática, o aprofundamento das relações comerciais trazido pelo TPP seria marginal e desprezível, enquanto seu trade-off seria massivo: o acordo criaria e estabeleceria, à margem dos poderes legislativos de seus Estados-partes, uma série de regras ambientais, trabalhistas, fito-sanitárias e de outras ordens regulatórias que diminuiriam a liberdade econômica, multiplicariam os custos de produção, e uniformizariam as economias, eliminando as diferenças e as as vantagens comparativas.

Pois é. Sabemos que Soros e Obama definitivamente não defendem a globalização liberal, mas sim um aparato cada vez maior de controle estatal e burocrático dos mercados. Em nome da proteção do clima, dos mais pobres, do mundo todo, esses esquerdistas apresentam sempre a mesma solução: mais governo! Nunca menos. Jamais mais mercado. Como, então, achar que esses “acordos comerciais” têm mesmo apontado na direção liberal?

Concluindo: o governo Trump pode resultar em mais barreiras comerciais e nos Estados Unidos mais isolados. Mas não é esse seu objetivo. E sua estratégia, ainda que ousada, pode surtir efeito. É preciso resgatar a globalização de seus “defensores” de hoje, que não passam de “globalistas” em busca de um “governo mundial”, de preferência representado pela ONU.

Se Trump conseguir isso, deixará um legado tão importante quanto o de Ronald Reagan, outro que foi tratado como um imbecil pela intelligentzia, um caubói idiota que levaria a uma Terceira Guerra Mundial, mas que na prática derrubou o Muro de Berlim e a União Soviética, tornou o mundo mais livre e seguro, e também mais próspero. Vamos aguardar, e dar ao magnata o benefício da dúvida.

Rodrigo Constantino

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