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As eleições municipais de 2020 e a vitória do “centrismo”
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

As eleições municipais deste 15 de novembro de 2020 eram compreensivelmente vistas como um importante teste para a atmosfera política na metade do mandato presidencial. Isso não é definitivo para 2022; há muita “água para rolar”. Podemos e devemos, entretanto, avaliar o resultado desse pleito atípico, afetado pela realidade da pandemia do coronavírus, para as perspectivas reformistas do liberalismo.

Em primeiro lugar, avaliemos os vencedores. O Democratas (DEM) é um partido teoricamente (teoricamente mesmo!) criado para representar a plataforma liberal modernizante/liberal conservadora e que até teve bons nomes, mas cujas principais lideranças hoje admitem Ciro Gomes e o PDT como forças de centro com que valeria a pena se associar. É quase como se fosse cogitada uma aliança pornográfica entre a UDN e o PTB, aos tempos do interregno democrático entre o Estado Novo e o regime militar. É um partido que simplesmente se recusa a cumprir o papel que deveria cumprir, que seria o de representar a nossa corrente de opinião no cenário político, sem aceitar ligações com escórias como o brizolismo – distorção facilitada, é verdade, pela dinâmica capenga do presidencialismo de coalizão.

A ascensão do DEM hoje acaba sendo muito mais uma ascensão “centrista” com afagos prostitutos à esquerda do que uma ascensão da direita. Mesmo assim, é divertido vê-lo ir à desforra com o PT de Lula, que se regozijou pelo anunciado extermínio do DEM da política brasileira. O DEM é, independentemente das eleições de segundo turno, um dos principais vencedores destas eleições municipais. Aumentou sua presença nas Câmaras de vereadores e conquistou prefeituras.

O PSC e o Patriota, dois partidos que já flertaram com a possibilidade de abrigar a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência, igualmente aumentaram sua presença nas prefeituras e câmaras municipais. Também conquistaram crescimento nacionalmente siglas como Avante, Podemos, Republicanos, PP, PSD e PL. Em comum, essas siglas têm o fato de adotarem nossa típica plasticidade ideológica – o que, por outro lado, significa que não são presas naturais do radicalismo socializante.

O crescimento desse “centrismo” fluido, maleável, marcado pelo patrimonialismo tupiniquim e o clientelismo local, é evidente a partir dos números. Isso não significa, apressemo-nos em buscar um alento, uma vedação completa à possibilidade de reformas liberais, apesar de opor-lhes obstáculos e modulações indesejáveis; recordemos que uma pauta reformista ganhou relevância precisamente no breve governo de Michel Temer, que conseguiu alcançar uma recuperação significativa do desastre em que havia ajudado, como vice-presidente, os governos petistas a nos mergulharem. O governo Temer era um governo dominado por essa grande tendência política brasileira.

Por outro lado, o PSL, que foi o partido que abrigou o presidente Jair Bolsonaro em sua campanha, cresceu ridiculamente para uma sigla com acesso polpudo ao fundo partidário. Apesar do crescimento do “centrismo” e do “Centrão”, a social democracia tucana e o histórico MDB de Temer, responsável por chancelar boa parte dos governos da Nova República, não performaram bem. O PSDB pode conquistar a cidade de São Paulo, mas os números não mentem: tucanos e emedebistas perderam espaço e prefeituras. Não necessariamente o fortalecimento do “Centrão” significa a volta ao protagonismo da “polarização” insípida entre PSDB e PT. Isso não aconteceu.

Não aconteceu principalmente porque, por falar em PT, as declarações de que a esquerda está sorrindo de orelha a orelha e se prepara novamente para transformar o Brasil na Venezuela são, é claro, exageradas. O PT está na lona. Pode-se dizer que o lulopetismo, ao que parece, sem que haja muito risco de estar subestimando o adversário, está esmagado; quatro anos depois de derrubarmos Dilma Rousseff, essa vitória que obtivemos exibe alguma dose de solidez. Outros partidos de esquerda também perderam espaço – inclusive o PDT de Ciro Gomes, que não “decolou” na briga por prefeituras. O que infelizmente aconteceu neste fim de semana foi que o PSOL obteve um robusto crescimento nas câmaras municipais e dobrou suas prefeituras. Os radicais do PSOL, em especial a liderança de Guilherme Boulos em São Paulo, estão capitaneando a extrema esquerda. Ocuparam um espaço que existe na sociedade brasileira e seria fatalmente ocupado por alguém; não há nada que convença de que estejam cacifados para uma eventual vitória, digamos, em âmbito federal. Trata-se, mesmo assim, de mal terrível a que devemos estar atentos. Forças potencialmente piores estão colhendo os espólios da estrela vermelha.

O que mais se tem discutido é o impacto dos resultados para Jair Bolsonaro. Há que se fazer aqui uma diferença entre o “bolsonarismo” em si e o governo Bolsonaro. Bem ou mal, o DEM e o “Centrão”, hoje, são ingredientes essenciais do governo federal – apesar dos atritos públicos do presidente da República com os presidentes da Câmara e do Senado, ambos daquele partido. Infelizmente, isso tem representado reveses em matéria de pautas anticorrupção e combate a privilégios, bem como tem levado a retrocessos em reduções de secretarias e ministérios ou práticas de austeridade fiscal, em virtude da necessidade de acomodar os interesses dos aliados recém-amealhados.

Já o “bolsonarismo” ou, por outra, o fenômeno popular de identificação com a figura do presidente, que explodiu em 2018 na esteira do que alguns de nós chamamos, apropriadamente ou não, de “revolução conservadora pelo voto”, este não mostrou sinais de sua presença em 2020. Discute-se se o apoio do presidente a determinados candidatos a prefeituras teve o efeito oposto e atrapalhou seus desempenhos; para nossa conclusão de que o episódio bolsonarista de 2018 não se repetiu, isso não importa tanto quanto o fato de que simplesmente esse apoio não foi suficiente para levá-los à vitória – em muitos casos, sequer perto dela.

Em 2018, dizer que defendia o presidenciável Jair Bolsonaro foi o bastante para completos desconhecidos governarem grandes estados. Em 2020, nada parecido se materializou. A verdade é que a ausência de resultados mais concretos do governo em dois anos de vigência e a postura de muitos parlamentares “de direita” de apenas “lacrar” em redes sociais – bem como atacar uns aos outros, acusar truculenta e gratuitamente outros segmentos da base de apoio do governo de semear o golpismo, não aceitar a menor crítica e vociferar por submissão – já exauriu muitos liberais e brasileiros em geral, que não estão preocupados com essas questões pueris na hora de decidir seus votos. Atacar os eleitores pelos candidatos que escolheram ou por se absterem, ou ainda bradar que tudo se deu em função de uma suposta fraude (apesar de continuar sendo correto e legítimo defender o voto impresso), como alguns deputados governistas fizeram, não é o caminho para corrigir esse rumo. Só os tornará mais repulsivos ao eleitorado.

O NOVO, jovem sigla que se compromete de forma mais explícita com a agenda reformista liberal, cresceu em número de vereadores, mas extremamente aquém do que poderia. Se podemos concordar em que leva tempo para conquistar seu espaço, parece claro que o partido precisa rever a forma por que seus líderes estão se comunicando com a sociedade e os critérios e metas autolimitantes que tem estabelecido para determinar o volume de candidaturas nas diversas cidades.

O saldo das eleições, em um sentido imediato, é que o PSOL será um reforço significativo na oposição a agendas de teor liberal nas câmaras municipais. A corrente de opinião liberal e conservadora existe no Brasil e tem representantes na política, mas uma sequência de erros e “tiros no pé”, que parecem difíceis de admitir, levou a um enfraquecimento nas perspectivas para estas eleições. O grande fortalecimento do “Centrão” torna inescapável uma reflexão de liberais e conservadores quanto à forma por que se vêm portando.

A chave para obtermos sucesso é evitar contendas infantis, atingir maturidade (diria, até, se me permitirem a ousadia, maturidade emocional), trabalhar pela construção de massa crítica e a multiplicação de lideranças em vez da submissão a personalismos ineficazes e mais frágeis do ponto de vista programático do que seus entusiastas admitem. É saber divergir sem que destruamos uns aos outros, o que apenas fortalece os inimigos de nosso campo e nossas pautas – que são mais importantes, ao fim e ao cabo, que nossos nomes. Temos tempo para trabalhar com esse propósito. Se não admitirmos que estamos errados e acharmos que sempre o “sistema” e as esquerdas são responsáveis pelos nossos problemas, isto é, se não conseguirmos aprender nada com o que nos acontece, esse tempo será inútil.

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