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Ciências Humanas: o bode expiatório de Abraham Weintraub
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Por Jocinei Godoy, publicado pelo Instituto Liberal

Lamento dizer, mas o Ministro da Educação, aparentemente tomado de certa emoção, errou feio em seu Twitter. Refiro-me às suas asserções sobre a área de Humanas, tão parcas intelectualmente que assusta quem o vê como responsável por uma pasta tão importante como a pasta da educação. O Ministro se apoia em uma base com certo teor de verdade, porém frágil, para emitir seus juízos de valor contra os cursos de filosofia, antropologia e afins. Que base seria essa? Bem, não é novidade para ninguém que atua na academia o quanto os cursos citados são enviesados, a bibliografia mutilada e selecionada à Esquerda, de forma que boa parte dos professores e alunos vive em um círculo vicioso para fins progressistas ou revolucionários. Contudo, a pergunta que deve ser feita neste contexto é: isso seria suficiente para o Ministro relembrar e sustentar a ideia de descentralização ou realocação de investimentos das faculdades de Humanas para as áreas como Veterinária, Engenharia e Medicina?

Muitos pontos merecem ser destacados e explicitados para demonstrar o quão equivocado encontra-se Weintraub acerca da visão que possui desta importante área, retratada aqui neste artigo como as ciências do espírito. Contudo, o texto se limitará em demonstrar três pontos suficientemente plausíveis que evidenciam a confusão teórico-conceitual do Ministro.

O primeiro refere-se à pobreza de repertório filosófico para emissão de juízos de valor e construção lógica das suas asserções. Ele comete um erro crasso ao se valer em seu Twitter da falácia de colocar a existência de antropólogos e filósofos em um mesmo conjunto de erros cometidos pelo PT, como a construção de estádios, “Viva Lula e Paulo Freire”, afirmando ser todo este conjunto a causa de não termos hospitais e médicos suficientes para tratar os doentes, assim como ocorre no Japão. É evidente aos olhos de todos que a falta de infraestrutura hospitalar em nosso país é fruto da má gestão e da corrupção, cujos desvios bilionários têm sido expostos pela justiça, vide o montante recuperado pela Lava-Jato até hoje. Colocar a conta da falta de hospitais nos investimentos feitos nas áreas de Humanas é, no mínimo, algo descabido, para não dizer coisa pior. Some-se a isso a absurda comparação do Ministro em dizer que os cursos de Humanas são mais caros do que os cursos de Medicina e Enfermagem por conta da alta taxa de evasão dos primeiros em relação aos últimos. A infraestrutura dos cursos de Medicina é muito maior e mais complexa do que a dos cursos de Humanas, que, no máximo, necessitam de algum laboratório de informática. Não é sem razão que a mensalidade do curso de Medicina costuma ser, em média, dez vezes mais cara do que a do curso de Filosofia.

O segundo ponto pode ser tomado como paralelo ao primeiro. A visão que o Ministro possui das Humanas se deve em muito a balbúrdia, por ele já mencionada, existente nos campi de universidades públicas e privadas, em especial na área supracitada. Como já dito, concordo que há balbúrdia, preguiça e desleixo nesta área, pois falo como alguém pertencente a ela, primeiro como estudante de Teologia e Filosofia e, atualmente, como Mestrando em Ciências da Religião. Porém, a coisa para por aí. Nem eu, nem o Ministro, nem ninguém pode cometer a falácia de, neste caso, tomar o todo pela parte. Há pessoas sérias nesta área que se esforçam para que a educação ocorra da melhor maneira possível. De professores a alunos, há aqueles que por vocação atuam com responsabilidade e zelo tentando dar o melhor de si na compreensão do homem e da sociedade, com vistas a contribuir para o progresso seguro e estável da humanidade, baseado na experiência acumulada dos gigantes que nos legaram tudo o que temos em termos de conhecimento.

Por fim, o terceiro ponto pode ser considerado a razão e motivação precípua do primeiro e segundo pontos, isto é, o ministro não sabe ao certo do que se tratam as ciências do espírito. Estas, em seu sentido amplo do saber pensar e de tomar as decisões certas, constituem-se como algo a ser aprendido e, portanto, corretamente ensinado. Quando o Ministro diz que em respeito ao dinheiro do contribuinte o governo deve focar em ofícios que gerem renda para o estudante, ele se esquece de que o estudante é um ser de alta complexidade, carente de reflexão para tomada de decisão em relação à escolha e consecução do seu ofício, além do que fazer com os ganhos decorrentes deste. Esquece-se de que as pessoas de determinada comunidade são formadas a partir dos pressupostos filosóficos presentes e fomentados por ela. A ideia de ser humano presente em cada grupo determina a educação que o mesmo se propõe a dar aos seus integrantes. Qualquer nação que não leve a sério o ensino das ciências do espírito, seja pela omissão, seja pelo modo inadequado de fazê-lo, incorre em grande prejuízo decorrente da incapacidade de seus governantes, legisladores e educadores de exercer adequadamente as suas funções.

Os recorrentes maus resultados do Brasil nos testes internacionais, a exemplo do Pisa, em Matemática, Ciências e em Português, devem-se em muito não a aplicação destas disciplinas em si, mas à filosofia da educação que está por trás do binômio ensino-aprendizagem no Brasil. Não é necessariamente a exclusão do ensino de filosofia e de sociologia ou a sua privatização – só estuda quem pagar por isso – que ajudará o país a melhorar seus indicadores educacionais e econômicos, mas a própria mudança de paradigma do ensino de filosofia e das demais ciências humanas.

Portanto, colocar o investimento em cursos de Humanas no mesmo balaio de ações descabidas – fruto da má gestão dos governos anteriores – como a construção de elefantes brancos ao invés de hospitais ou, até mesmo, comparar a importância de uns e outros cursos, neste momento delicado que atravessa o mundo, é um apelo maldoso de ordem emocional para fazer valer sua parca visão filosófica do que seja a educação. Apesar de o Ministro demonstrar ser um personagem turrão, espera-se que o mesmo repense o seu posicionamento em tomar as ciências humanas como bode expiatório e não as culpe por uma conta que não é delas.

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