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Decisão da Havan é antiliberal e reforça tribalismo
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Por que você, caro leitor, decide comprar o carro X em vez do carro Y? Por que você frequenta determinada loja, e não outra? O que te leva a consumir certo produto em vez do concorrente?

Imagino que você não entre numa loja perguntando qual a visão política ou ideológica do proprietário, certo? Tenho quase certeza de que você não pergunta, antes de sentar à mesa do restaurante, em qual candidato o dono votou nas últimas eleições, não é mesmo?

E ainda bem que é assim! A beleza do liberalismo está nesse processo impessoal que foca na eficiência, não na política. Eu não compro na Amazon porque Jeff Bezos é um cara legal ou "liberal", mas sim porque ela é bastante eficiente.

Quando politizamos o mercado, o risco é evidente: criamos guetos ideológicos, reforçamos o tribalismo que dificulta ou impede o convívio em sociedade dos que pensam diferente. É a tática que a esquerda americana tem utilizado: pressionar anunciantes a parar de fazer campanha em emissoras, sites ou rádios conservadores, que não seguem a visão politicamente correta de mundo, que não são "conscientes". Tática essa denunciada por Ben Shapiro, um conservador e proprietário do The Daily Wire, justamente por considerar essa postura tóxica para a sociedade.

Esse boicote, essa perseguição aos anunciantes que ousam alocar parcela do seu marketing mais à direita, é a antítese do liberalismo e demonstra um pensamento totalitário, que permite a invasão da política em todas as esferas da vida social. Infelizmente, não é só a esquerda que apela para essa tática tribal.

Depois de uma das maiores redes de supermercados do Sul do país anunciar que iria suspender anúncios comerciais em jornais da TV Globo, nesta quinta-feira foi a vez do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, avisar que vai fazer o mesmo.

Em comunicado divulgado pelo Instagram (veja abaixo), Hang afirma que a rede "não compactua com o jornalismo ideológico e algumas programações" da emissora e que está sendo cobrada pela sociedade e pelos clientes. O empresário sugere, ainda, que "enquanto esses programas prestarem um desserviço à nação e irem contra os valores da família brasileira", eles não voltarão a anunciar.

Acho legítimo o empresário rejeitar a linha editorial do veículo de comunicação, e expressar seu descontentamento com ela. Não acho saudável, porém, que ele decida onde investir em propaganda com base apenas no critério político ou ideológico. Isso é simplesmente perigoso, abre um precedente terrível para a nação, fortalece bolhas em vez de tolerância com o diferente.

Imagina se só comprar na Havan bolsonarista fanático. Imagina se só anunciar na TV Record empresário evangélico. Que país é esse que teremos? Um país em que cada um pergunta antes qual a visão política do empresário por trás do negócio, para só então decidir se vai consumir ou não o produto? E isso é desejável, por acaso?

Eu condeno o viés "progressista" da imensa maioria das programações da Globo, eu escrevo sobre o assunto, mas se eu fosse empresário, eu jamais deixaria essa minha visão particular falar mais alto do que meu foco nos negócios em si. Levando ao extremo, Luciano Hang pretende contratar apenas eleitores de Bolsonaro agora? E se um tucano for mais eficiente para determinada função, que nada tem a ver com política?

O livre mercado é o melhor remédio contra o preconceito, o racismo, como Walter Williams e Thomas Sowell já demonstraram. Se o empresário racista só contratar brancos, por exemplo, ele sai perdendo. Se só aceitar heterossexuais em sua loja, perde o grande público gay, e poderá ser superado pelo concorrente mais tolerante. O mercado pune o preconceito.

É lamentável, portanto, que o empresário bolsonarista deixe seu viés político falar mais alto. Sua decisão, ainda que um direito seu, atenta contra a essência do liberalismo, e reforça o tribalismo no país. Se a Globo for percebida pela maioria como nefasta, o próprio público vai mudar de canal, e o anúncio não faria mais sentido econômico. Enquanto houver audiência, porém, enquanto o público decidir voluntariamente colocar no canal, então é porque ela atende parcela da demanda, e falar com esse público é do interesse do negócio.

Espero que o empresário reveja sua decisão. Não porque a Globo mereça apoio, mas sim porque esse caminho tomado representa a morte da tolerância liberal e do livre mercado. A politização do marketing não interessa a quase ninguém, à exceção dos fanáticos que desejam impor sua visão de mundo a todos os outros.

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