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Em qual país vive Delfim Netto?
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Eu já tinha criticado a coluna de Delfim Netto nesta terça-feira, mas não posso deixar passar em branco a de hoje, na Folha. Tem o mesmo sentido, mas com tom ainda mais subserviente ao governo e otimista. Definitivamente, eu e Delfim não devemos habitar o mesmo país! Senão, vejamos:

É preciso estar muito desatento à realidade brasileira para não perceber a profunda mudança de comportamento do governo na política econômica, na tentativa de melhorar as suas relações com o Congresso Nacional e na abertura de um melhor diálogo com os possíveis investidores nos projetos de infraestrutura.

Preciso de óculos novos! Talvez Delfim possa me emprestar os seus. É que realmente não consigo enxergar tanta mudança assim. Ainda não tivemos um único leilão bem-sucedido, sem necessidade de enormes subsídios do BNDES, para que Delfim tenha algo concreto a mostrar.

O governo sinalizou que pode “tolerar” um pouco mais de retorno, mas algum investidor realmente confia no discurso? Sabendo qual a ideologia da turma no poder? Show me the money! Queremos ver a prática da coisa. Só que acho pouco provável: eles não confiam no mercado por lá, e pensam ser desejável e possível decretar o retorno dos investimentos, as tarifas, TUDO!

Quanto ao Congresso, vimos as torneiras do toma-lá-dá-cá se abrirem, mas daí a concluir que ocorreu mudança significativa de relacionamento parece uma distância e tanto. Os obstáculos são enormes ainda, pois a campanha eleitoral foi antecipada, pelo próprio PT, e há entrave de tudo que é lado para as parcerias partidárias. Isso sem falar da imagem de arrogância da presidente, o que demanda muito mais tempo para ser desfeita.

Mas Delfim segue com as elucubrações um tanto alienígenas:

Na política fiscal há explícito repúdio a novas alquimias e um esforço no sentido de manter o deficit nominal abaixo de 2,5% do PIB e a relação dívida bruta/PIB a- baixo de 60%. Ela ainda é desconfortavelmente “expansiva”, contudo não sinaliza qualquer tragédia.

Na política monetária não há (e nunca houve) ameaça de perda de controle da taxa de inflação, que teima em permanecer em torno do limite superior da “meta”. Recentemente, entretanto, o Banco Central vem tentando reduzi-la. Recusou a dominância fiscal que aceitou até há pouco e aumentou a taxa de juro real.

Explícito repúdio aos malabarismos contábeis? Onde? Quando? Pensei ter visto em algum lugar que o BNDES vai receber mais injeção de recursos do Tesouro para seguir com sua alquimia. Que jornais Delfim tem lido? Algum de Marte?

Não há ameaça de perda de controle da taxa de inflação? Com a inflação rodando acima de 8% no setor de serviços, onde o congelamento grosseiro do governo não alcança? O que acontece com a inflação se o governo soltar os preços da gasolina, da energia, dos transportes etc?

Aumentou a taxa de juros o BC? Delfim, dê uma olhada na curva de juros, para ver quanto o mercado precifica lá na frente. O BC está claramente atrás da curva, ou seja, negligente com as expectativas do mercado (o leitor pode não compreender tão bem esse linguajar, mas posso garantir que o ex-ministro sabe do que estou falando).

Tudo isso deve tranquilizar as relações políticas e aumentar a probabilidade de sucesso da política econômica e das concessões de estradas de rodagem, portos e energia, que poderão ser um estímulo ao aumento dos investimentos do setor privado em geral. Será também um fator importante na superação do dramático desânimo que se apropriou da economia nacional.

Quer fazer uma aposta? Infelizmente, o próprio governo, influenciado por conselheiros econômicos como Belluzzo e Delfim, pensa ser possível reverter o “desânimo” no gogó, com discursos para inglês ver. Mas não funciona assim. Não é tão fácil desfazer uma imagem tão negativa perante os investidores, construída lentamente por uma gestão incompetente e, acima de tudo, ideologicamente equivocada.

Sem falar que essa gestão comprometeu os fundamentos da economia. Estamos falando de sérios problemas estruturais, que não desaparecem com “sinalizações” do governo, da mesma equipe ainda por cima! É como se um time da terceira divisão, depois de levar dez goleadas seguidas sem fazer um único gol, quisesse convencer a todos que vai derrotar o Barcelona, sem uma alteração tática ou da equipe, e com o mesmo técnico. Piada, né? Mas Delfim quer que levemos isso muito a sério. Dá para levar Delfim a sério?

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