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Legislativo mostra sua força diante do Executivo: o maior equilíbrio de poderes
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A “traição” ou a “vingança” de Renan Calheiros ao governo Dilma é o tema do dia. O presidente do Senado, ao devolver a MP que votaria as medidas fiscais de Joaquim Levy, que mostra mais uma sanha arrecadatória do que suas “mãos de tesoura”, escancarou a rebelião parlamentar e o racha na base “aliada” do governo. A governabilidade estaria ameaçada. Renan ainda faltou a um jantar oferecido pela presidente. O mal-estar é evidente. Mas, por trás das intrigas e disputas pelo poder, há uma mensagem que pode ser extraída dessa confusão toda: o Legislativo não deve mesmo ser subserviente ao Planalto, uma tradição longa demais no Brasil, cuja concentração de poder no governo central é notória.

Nesse aspecto, a inabilidade de Dilma fez um favor à nação e contribuiu para um maior equilíbrio de poderes. É a conclusão do cientista político Murillo de Aragão. Ele vai longe no otimismo: o propalado fracasso na relação da presidente Dilma Rousseff com o Congresso mudará de vez a política do país. “Dilma fez uma grande favor ao equilíbrio dos poderes, porque o mau uso da hegemonia do Executivo gerou a rebelião dentro do Congresso. Hoje temos um poder mais independente, mais forte”, diz Aragão, criador da consultoria Arko Advice.

O “presidencialismo de coalizão” está desgastado, e o diálogo entre Executivo e Legislativo terá de aumentar a partir de agora. Claro que há um fator mais conjuntural por trás disso tudo. O PT e o PMDB estão em meio a uma discussão de relacionamento, que pode acabar até mesmo em divórcio. Os deputados e senadores estão incomodados com a forma da presidente de “fazer política”, ou melhor, de não saber como fazer política. Suas truculência e arrogância podem ter sido ignoradas antes, mas agora fica mais difícil, com a péssima situação econômica e o enfraquecimento político devido ao escândalo do petrolão.

Falta verba, os ministérios estão tendo de apertar um pouco os cintos, e algumas torneiras estão sendo fechadas. A insatisfação tende a aumentar, claro. E isso exige uma habilidade de articulação política que Dilma simplesmente não possui e nunca alimentou. Sua base está cansada, irritada, rebelde. Segundo Murillo de Aragão: “Não houve a adequada participação dos partidos nos ministérios, na distribuição de cargos e de verbas relacionadas a esse suporte dentro do Congresso. Com isso se criou um passivo de insatisfações, de raivas e de recalques muito grandes que vêm desembocar agora no segundo mandato. Ela não consegue eleger seu candidato, está sendo emparedada pelo Congresso que impõe sua agenda”.

O PMDB, por conta desse contexto, descobre agora seu real poder dentro do governo. “O fato central é que o PT nunca teve a noção exata do seu tamanho dentro da coalização e criou uma ideia de que o fato de ter a presidente daria uma supremacia muita maior do que deveria ter dentro do contexto de uma coalização. Quem deveria mandar é uma coalização dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma e Michel Temer”, diz Aragão. 

Resta saber o que o PMDB fará com esse poder. Quanto ao impasse gerado para as reformas fiscais de Levy, creio que foi algo positivo. Afinal, o brasileiro não aguenta mais pagar pelos erros dos governantes. Já temos uma das maiores cargas tributárias do mundo, sem nenhum retorno efetivo. Fazer ajuste fiscal com base em aumento de impostos é algo indecente. Foi o que argumentou Paulo Rabello de Castro em artigo publicado hoje no GLOBO:

Ao devolver a MP da “contradesoneração” da folha salarial ao Planalto, recusando-se a colocar em discussão uma atropelada no Congresso — já que a tal MP “desinventava” uma lei (de nº 13.043) que mal acabara de entrar em vigor no país, em novembro passado — o presidente do Senado, Renan Calheiros, mostrou que o Parlamento ainda existe (andava bem empoeirado…) como também que a sociedade brasileira, que vive pagando a conta da má gestão pública, merece mais respeito. O principal desse episódio, no entanto, foi o Parlamento brasileiro ter acordado de um longo sono.

Desde quando o Congresso votou e promulgou o Plano Real, em 1994, nunca mais se aprovou algo de grande relevância para aperfeiçoar as instituições econômicas do país. Pelo contrário, o Congresso tem se limitado, talvez com injustiça de avaliação, a dizer “amém” para a maior escalada tributária e a mais louca gastança estatal da história deste país, razão principal do impasse que vivemos no momento. O que Renan poderia fazer para resgatar de vez a seriedade da política é tratar de ir em frente, liderando seu partido e com o PT, quem sabe até num grande pacto com as oposições, para votar uma verdadeira reforma fiscal (da receita e da despesa), dando ensejo a um novo ciclo de progresso social, muito mais amplo do que o da vintena do Plano Real. 

Sei que muitos terão calafrios ao depositarem a esperança no Congresso brasileiro atual, no PMDB, em Renan Calheiros! É justo. Também durmo mal e perco o sono ao pensar nisso. Mas a alternativa é o PT avançar rumo ao seu projeto de poder que atropela o Congresso, que ignora a democracia representativa, as negociações necessárias para mudanças estruturais. O Brasil já tinha um modelo que concentrava muito poder no governo central, transformando o Congresso numa marionete do Executivo, refém de suas verbas. É hora de caminhar rumo ao parlamentarismo e esvaziar um pouco o nosso hiper-presidencialismo. Ainda mais quando sabemos que a presidente é Dilma!

Rodrigo Constantino

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