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John Locke, o Estado Moderno e o parlamentarismo no Brasil
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Por Ianker Zimmer, publicado pelo Instituto Liberal

Terminei de ler o ensaio do professor e ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez-Rodríguez, sobre as ideias de John Locke (1632 – 1704). O texto foi publicado no site do Instituto Liberal. Vale muito a leitura se você pretende conhecer mais sobre o pensamento de Locke, sobre os Dois Tratados sobre o governo, escritos entre 1679 e 1689, e sobre a Revolução Gloriosa de 1688, ocorrida na Inglaterra.

A obra de Locke – impactante a ponto de causar sua expulsão da Universidade de Oxford – “[…] culminou na deposição do Ancien Regime e sua substituição por um novo modelo. A Convenção do Parlamento, que traçava o futuro constitucional da Inglaterra, fez a Declaração de Direitos que estabeleceu a Monarquia Constitucional, em 12 de fevereiro de 1688”, cita Vélez-Rodríguez.

A partir disso, portanto, ocorre a primeira separação dos poderes. A figura do rei – agora não mais Jaime II e sim Guilherme III de Orange e Maria II – perde o poder absoluto. Cria-se o Parlamento Inglês. Dá-se, assim, início à formação do Estado Moderno com a divisão de dois poderes. Aliás, eram seis os poderes que tinha o Estado, mas cinco ainda ficariam concentrados no rei e apenas um, o Legislativo, no parlamento. O rei passa, no entanto, século a século, a perder mais poderes, que hoje são seis nas democracias modernas parlamentaristas. Isso está sintetizado em alguns capítulos de meu livro, A Filosofia do Fracasso: ensaios antirrevolucionários (2020). Nesses capítulos desdobrei, com ajuda do Dr. Vinícius Marques Boeira – presidente do Movimento Parlamentarista Brasileiro – o que pode levar anos para ser compreendido, a despeito da hexapartição de poderes e da formação da sociedade moderna no contexto de política parlamentarista, se buscarmos como fontes escritos de Max Weber (1864 – 1920), do liberal e estudioso das democracias, Alexis de Tocqueville (1805 – 1859), e de outros tantos pensadores. Os capítulos do livro são apenas um norte àqueles que quiserem aprofundar o tema.

Levanto a questão para refletir sobre nosso sistema de governo presidencialista. A Constituição de 1988 foi moldada ao sistema parlamentarista, porém opera no presidencialismo. Logo, nosso sistema é manco.

Entre tantas vantagens de um sistema de governo calcado no parlamentarismo, está a facilidade de um impeachment do chefe de Governo – e lembremos aqui o demorado parto que foi o impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff. O voto distrital puro é outro fator interessante, pois aproxima o eleitor de seu eleito, visto que divide-se cada estado do país em pequenos distritos. Logo, cada distrito elege um parlamentar.

Muitos creditam a falta de credibilidade do Parlamento brasileiro como empecilho para um possível sistema parlamentarista no país. Uma pesquisa nacional realizada pela XP/Ipespe, por exemplo, aponta que o desempenho do Congresso Nacional foi classificado como ótimo/bom por apenas 11% dos brasileiros, sendo que 44% dos entrevistados classificaram o trabalho do Legislativo como ruim/péssimo. Li tais dados em recente artigo publicado pelo deputado federal Marcel van Hattem. Se, por um lado, os cidadãos brasileiros não confiam em seu parlamento – o que depõe contra um eventual sistema parlamentarista no Brasil -, por outro, temos de considerar que é, justamente, nesse sentido que o sistema parlamentarista pode melhorar a imagem do parlamento com o voto distrital – que, como citado acima, gera uma proximidade do eleitor com seu eleito.

Se observarmos o sistema parlamentarista inglês (monárquico), considerado parlamentarismo-mãe, nos deparamos com outro aspecto essencial para a governabilidade: o chefe de governo – que equivale ao presidente, pois é ele quem governa – surge de uma maioria do parlamento. Assim sendo, esse chefe de governo já inicia sua gestão com muito mais chances de propor e colocar em prática os projetos e programas de seu governo para o bem de sua nação – nesse caso específico, dos britânicos. Sem dúvidas, o sistema parlamentarista de governo proporciona a maior representatividade e a maior pluralidade possíveis em uma democracia. Os Estados Unidos, por exemplo, embora de jure sejam um país presidencialista, na prática operam como parlamentarista – a começar pelo voto distrital.

Está na hora de colocar em pauta essa discussão no país. É preciso reconhecer que não há solução mágica, é bem verdade. Porém, nos países com sistema parlamentarista, encontram-se os melhores índices de desenvolvimento – o que também é uma verdade a ser reconhecida.

A história nos ensina que esperar por salvadores da Pátria, via de regra, termina em problema. Os piores déspotas surgiram da esperança de povos. Nesse conto, portanto, não caio mais. Não por isso, é bem verdade, devemos deixar de reconhecer os heróis que, de fato, se levantaram em meio a grandes crises, guerras e lideraram suas nações. Quem seria o John Locke brasileiro para dar início a esse importante e – sim! – possível avanço em nossa democracia?

É evidente que uma mudança no sistema de um governo demanda muita discussão e maturidade nas relações dos Poderes e também da sociedade, mas alguém no Brasil precisa levantar a bandeira de mudança no sistema de governo, como fez John Locke. Que os contextos – entre a Inglaterra do século XVII e o Brasil atual – são diferentes, é preciso reconhecer, até para não cair em qualquer anacronismo. Outrossim, é necessário compreender que também há algo em comum entre a Inglaterra de Locke e nosso tão surrado – e sugado! – Brasil do século XXI: os ingleses precisaram avançar e mudar seu sistema de governo; o Brasil também precisa dar esse passo, corrigir o pé manco e sair do atraso.

Em uma célebre frase, Locke desenha nossa política atual no Brasil: “Os pais se perguntam por que as águas do rio são amargas quando eles mesmos envenenam a fonte”. Ou seja, nós, cidadãos, criticamos os políticos que nós mesmos elegemos e colocamos em Brasília, justamente para governar nesse sistema de governo que, como já disse, é manco, atrasado e, preciso parafrasear Locke, amargo e envenenado.

Referências: https://www.ricardovelez.com.br/blog/topicos-especiais-de-filosofia-moderna-capitulo-11-as-ideias-politicas-de-john-locke-1632-1704?fbclid=IwAR0554uOcHGjafz_ehx-blwacgNTUIJKVuqXI5ORqCwUyndi0w4ooK5Y9ZY

Zimmer, Ianker – A filosofia do fracasso: ensaios antirrevolucionários / Ianker Zimmer – 1° ed. – Maringá: Viseu, 2020.

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