• Carregando...
Liderança em tempos de crise
| Foto:

O mundo está dividido basicamente entre aqueles (poucos) que efetivamente fazem as coisas para mudá-lo para melhor, e aqueles (muitos) que só reclamam, apontam o dedo, criticam e ficam no conforto imóvel de sua Torre de Marfim, pregando soluções mágicas, messias salvadores da Pátria ou utopias. É melhor ficar no primeiro grupo, pois há bem menos competição.

Os estadistas, sempre raros, fazem parte desse seleto time. Tomam decisões difíceis, impopulares, acabam muitas vezes condenados pelos críticos de seu tempo, mas conquistam vitórias importantes e entram para a História depois. Churchill que o diga. Reagan e Thatcher que o digam. E mesmo que, por injustiça, não cheguem a ter o reconhecimento merecido, não importa: eles fizeram aquilo que era certo, porque era certo, não de olho apenas em aplausos.

Henry Truman disse certa vez: “Você pode realizar qualquer coisa na vida, desde que não se importe com quem fique o crédito”. É um conselho sábio. Não dá para agradar a todos, e coragem, a virtude essencial segundo Aristoteles, é fundamental para se remar contra a maré. Com humildade sim, de quem pode estar errado, claro; com disposição para escutar, dialogar, sem dúvida; mas com a coragem para tomar decisões com base nas convicções após as devidas deliberações.

Thatcher repudiava a ideia de governar com base em consenso, que para ela era a negação da liderança. Ela tinha uma visão para o Reino Unido e aceitou o desafio de perseguir essa visão. “Eu entrei no governo com um objetivo: transformar o país, de uma sociedade dependente em uma sociedade autoconfiante, de uma nação dê-para-mim em uma nação faça-você-mesmo.” Ela alegou não ser uma mulher de “viradas”.

Para dar outro exemplo ainda britânico, Churchill nos ensina que a superação é uma das  características dos líderes. A quantidade de adversidades e obstáculos que surgiram em seu caminho apenas fortalece o mérito de suas conquistas. Churchill não era de desistir, e usava cada tropeço para se reerguer com mais determinação ainda. Para ele, sucesso era a habilidade de sair de um fracasso para outro sem a perda do entusiasmo.

Uma de suas maiores qualidades como estadista era seu realismo. Enquanto muitos preferiam o falso consolo de esperanças ingênuas, Churchill analisava os fatos com maior frieza. Como escreve Paul Johnson em sua biografia, “Churchill era realista o bastante para perceber que as guerras aconteceriam e, por mais terríveis que fossem, ele preferia vencê-las a perdê-las”.

Ele tinha convicções e princípios, mas também era pragmático, soube fazer concessões práticas quando a própria sobrevivência dos valores ocidentais estava em jogo. Até mesmo com Stalin ele costurou um pacto para derrotar Hitler, após este trair o ditador soviético. Para Churchill, se Hitler invadisse o inferno até o diabo mereceria ao menos uma palavra favorável.

Para Paul Johnson, a vida de Churchill passa ao menos cinco lições importantes: pense sempre grande; nada substitui o trabalho árduo; nunca deixe que erros e desastres o abatam; não desperdice energia com coisas pequenas e mesquinhas; e, por fim, não deixe que o ódio o domine, anulando o espaço para a alegria na vida. Belas lições!

Ainda segundo Churchill, a diferença entre um estadista e um populista é que este pensa nas próximas eleições, enquanto aquele pensa nas próximas gerações. Muitas vezes o político é uma “caixa de ressonância”, segue o vento do momento, mas isso é perigoso. Edmund Burke dizia que foi eleito para o Parlamento para julgar, filtrar e tomar decisões mais racionais, mesmo contrariando momentaneamente sua base de eleitores. Claro que o representante não deve ser arrogante e elitista, mas se fosse para simplesmente fazer aquilo que a maioria quer, bastava um plebiscito automático.

Na era das redes sociais esses desafios aumentam. A tentação de “lacrar” ou “mitar” é grande, e todos acabam jogando para suas plateias, alimentando um tribalismo como se política fosse torcida de futebol. Em meio a uma pandemia, o grau de histeria e pânico atingiu patamares assustadores, por meio do efeito contágio. Além disso, há muita patrulha e intimidação, a cultura do cancelamento etc. Diante disso, temos câmeras de eco onde a razão nem sempre se faz presente.

O governante que segue a onda não está sendo um bom líder. Ele precisa manter sua cabeça no lugar em meio a tanto desespero, desinformação e oportunismo. Precisa saber priorizar direito seus fins e adotar meios adequados para atingi-los, mesmo que pareça “irresponsável” ou “insensível” a muitos no começo.

Vide o caso da paralisação radical das atividades produtivas, com base num suposto discurso da ciência. Muitos aderiram sem maiores questionamentos a essa receita, e isso poderá custar muito caro. Repetiam mensagens demagógicas de que a vida e a saúde estão à frente dos lucros, ignorando que economia é vida, que destruição de empregos pode ser letal. Faltou equilíbrio nos debates e em muitas decisões. Faltou coragem!

Fecho com uma piada, apesar de ter dúvidas se ainda é possível contar piadas num mundo dominado pela asfixia do politicamente correto. O general português vê seu adversário pedindo uma camisa vermelha e pergunta ao companheiro o motivo, no que ele responde: “É para esconder o sangue dos golpes e com isso manter a moral dos combatentes em alta”. Imediatamente o portuga, com lógica ímpar, ordena que lhe tragam uma calça marrom.

Brincadeira à parte, o português da piada ao menos sabe que deve ocultar o excesso de medo dos seus subalternos. O que dizer dos “líderes” modernos que acharam de bom tom alimentar o medo alheio, ajudar a disseminar pânico e histeria, produzindo uma paralisação sem precedentes, criando aquilo que meu colega Guilherme Fiuza chamou de Seita da Terra Parada?

Só não corre riscos quem já morreu. O líder calcula bem o tipo de risco que toma, mas não foge dele como o diabo foge da cruz. Afinal, o jeito mais fácil de encerrar uma guerra é perde-la, como sabia George Orwell. O líder prefere o combate quando necessário, inevitável. Fecho com Churchill uma vez mais, que alertou aos companheiros que, medrosos, desejavam se curvar diante de Hitler: “Entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra e terão a guerra”.

* Palestra feita nesta quarta para o Open Mind Brazil

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]