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O Brasil na armadilha do atraso
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Por Vinícius Montgomery de Miranda, publicado pelo Instituto Liberal

Talvez não exista um único brasileiro que não tenha ouvido que o Brasil é um país rico, o país do futuro; o eldorado que os europeus cobiçam há pelo menos cinco séculos. As riquezas naturais de fato são diversas: há fartas reservas minerais, biodiversidade sem-par, abundância de água e de diferentes formas de energia, imensas áreas agricultáveis e mercados consumidores expressivos. Por que então essa profecia nunca se realiza? O que impede esse futuro de chegar? Por que a média anual de crescimento da economia é de apenas 2% desde a redemocratização? Por outro lado, por que países destroçados por regimes totalitários, como o nazismo e o comunismo, caso da Estônia, ou sem recursos naturais como Singapura e Israel puderam alcançar um elevado padrão de vida em tão pouco tempo?  Qual o segredo de Austrália, Nova Zelândia, Chile, Suíça e Hong Kong? Qual atalho poderia levar o gigante sul-americano para um oásis de prosperidade? Apesar de respostas conhecidas para todas essas indagações, a mídia, as entidades de classe e até o meio universitário parecem fazer questão de não abordar o tema de maneira franca. Preferem manipular a opinião pública, criar cortinas de fumaça para desviar o foco, dispersar a coesão de ideias e minar os esforços de quem trabalha na direção de um país mais próspero. Infelizmente, o debate das questões que têm prendido o Brasil na armadilha do baixo crescimento ainda está disperso e restrito a poucos. Falta massa crítica para que as ideias liberais sejam amplamente aceitas e se transformem em ações concretas que coloquem a economia no caminho da riqueza. Entretanto, por mais que as forças progressistas se empenhem em adiar o encontro com a realidade, o fato é que tanto no caso de economias bem-sucedidas, quanto nas de resultados decepcionantes, há padrões bem conhecidos. Sem livre comércio, tributação limitada, moeda forte, facilidade de empreender e Instituições que preservem a propriedade privada e garantam a segurança jurídica, a aspiração de viver em um país mais justo e de oportunidades abrangentes vai se desfazendo no ar.

Na trajetória do desenvolvimento, fatores culturais e históricos, como a imigração de diferentes povos e a colonização, certamente contam muito. Diferentemente dos Estados Unidos, onde ocorreu uma colonização de povoamento, na qual, logo de início, foram realizados investimentos em estrutura produtiva e estabelecidas instituições para harmonizar os esforços da sociedade, no Brasil e em muitos países da América e da África, a colonização exploratória não se preocupou em criar condições legais ou físicas para a evolução do comércio e o desenvolvimento da sociedade local. Só a pilhagem de ouro, metais preciosos e produtos primários interessava. Contudo, culpar o passado para eximir as responsabilidades presentes não merece crédito. É no mínimo desrespeitoso com visionários, como Joaquim Nabuco, que, ainda no Brasil imperial, já pressentia que a onipresença estatal seria o maior obstáculo ao desenvolvimento do país. Ademais, como seria possível explicar o fato de que países como a Austrália e a Nova Zelândia, também com história de exploração colonial, conseguiram escapar das correntes que os aprisionavam no subdesenvolvimento? Na realidade é bastante relevante a quantidade de países, subjugados ou não, que despontaram, a partir da adoção de medidas como a construção de um arcabouço institucional que estabeleça igualdade de oportunidades aos seus cidadãos, a remoção dos obstáculos ao empreendedorismo e à inovação, a limitação da intromissão estatal na vida privada e a valorização da liberdade individual.

O problema é que para alcançar todas essas condições é preciso antes de tudo que a sociedade tenha consciência de que o caminho do progresso é árduo. Exige esforço próprio, ousadia e autonomia. Nada disso combina com o coletivismo imposto pela ideologia socialista. Esta aniquila a individualidade, dilui responsabilidades, nivela as diferenças naturais do ser e diviniza o Estado protetor. Parte da falsa premissa de que os burocratas têm mais conhecimento e competência para decidir as questões do cotidiano das pessoas que elas próprias. Isso posto, não é nenhuma surpresa o nível de degradação econômico-social alcançado por países que insistem no receituário keynesiano, de mais poder estatal e menor liberdade de ação do setor produtivo. Infelizmente, no Brasil, a intromissão estatal foi crescentemente institucionalizada nas sucessivas Constituições que o país teve até aqui. O patrimonialismo, a cultura do privilégio das elites políticas e econômicas e o desprezo pelos resultados econômicos, cada vez mais pífios, a despeito do enorme potencial, estão incrustrados na letra da lei e na alma do brasileiro.

A Constituição cidadã, de 1988, solidificou o protagonismo estatal nas esferas econômica e social e feriu de morte a produtividade do setor privado. Fez isso ao abraçar a ideologia social democrata de legislação trabalhista inflexível, de regime previdenciário inconsequente e de um sistema tributário complexo e oneroso, como se os planejadores centrais fossem divindades, acima do bem e do mal, capazes de criar riqueza e espalhar prosperidade como em um filme de ficção. Tudo sem empenho, sem esforço, sem sofrimento. Para que estudar, trabalhar, empreender, se o Estado Papai-Noel presenteia a todos com saúde, educação, segurança e previdência, tudo “de graça”? Incrível como essa farsa, depois de 30 anos, continua sendo amparada e defendida por partidos políticos, sindicatos, pseudointelectuais e acadêmicos. Nem o espantoso fracasso dos que seguiram por esse caminho serve de lição a essa turba. Parecem enfeitiçados pelo encanto mefistofélico, que bloqueia a razão e os transforma em zumbis a digladiar pelo inverossímil. Claro que um dia a ficha cai. Porém, enquanto o choque de realidade não vem, sonhos e projetos de gerações são despedaçados em nome do devaneio socialista, que sempre produziu um rastro de destruição e morte por onde quer que tenha ocorrido.

Parece exagero? O corolário dessa longa imersão no caldeirão de ideias marxistas está por toda parte. Da justiça que não se envergonha em colaborar com a impunidade à desvalorização da autoridade do professor em sala de aula. Do excesso regulatório que compraz a banca às relações promíscuas da burocracia estatal com o empresariado. Dos movimentos sociais inebriados por verbas públicas ao aparelhamento estatal. Tudo infectado pelo vírus do progressismo. Em função disso, apesar de muitos ainda serem ludibriados pelo canto da sereia, não é preciso muito esforço para perceber o incentivo à luta de classes, ao vitimismo e ao totalitarismo, conforme retratado nas obras de George Orwell.  Ao invés da mão invisível da economia de mercado, paira incólume a sombra da crescente subordinação ao planejamento central. O objetivo velado, claro, é sempre o mesmo: pavimentar o caminho para uma revolução cultural gramsciana. Assim sendo, faz todo sentido centrar fogo nas instituições e nos valores ocidentais, que até aqui sustentaram a supremacia do capitalismo. Logo, o fracasso econômico de nações potencialmente ricas como o Brasil, Argentina e Venezuela é apenas um sintoma das escolhas políticas equivocadas, decorrentes dessa submissão ideológica.

O crescimento econômico médio pífio das últimas décadas, portanto, não é acidental, absolutamente. De forma deliberada muito se fez para alimentar a voracidade do Estado por poder e pelos recursos do setor produtivo. Poucos países no mundo foram tão longe na sanha estatizante quanto o Brasil. Afora o enorme custo em manter um sistema político confuso e pouco funcional e um judiciário oneroso e ineficiente, o país é um dos campeões mundiais em empresas estatais. O último levantamento do Ministério da Economia contabiliza nada menos que 637 empresas nas quais o governo tem pelo menos participação acionária. Por mais incrível que possa parecer, faltam medicamentos nos hospitais públicos e merenda nas escolas brasileiras, mas raramente decrescem os subsídios a empresas privadas e o aporte de dinheiro público nas estatais deficitárias. No país em que a qualidade do saneamento básico estacionou no nível do século XIX, a estabilidade dos servidores públicos e as aposentadorias especiais soam como uma afronta à razoabilidade. Um torpedo na cantilena do Estado como promotor de justiça social.

Outorgar ao Estado tão extenso inventário de responsabilidades tem seu preço, obviamente. Por definição a esfera pública não gera riqueza. Resta então tributar a produção corrente e hipotecar a riqueza futura. Isso explica a asfixiante carga tributária e o elevado endividamento público brasileiro, em torno de 80% do PIB. São fatos que, aliados a um dos ambientes de negócio mais tóxicos do mundo, levaram a taxa de investimento da economia brasileira ao menor nível dos últimos 50 anos. Nem mesmo a menor taxa de juros da história recente do Brasil está sendo capaz de animar a inversão na atividade produtiva. O mercado ainda aguarda o compromisso inequívoco dos poderes com a sensatez fiscal. Portanto, é imprescindível executar reformas que desidratem a trajetória de crescimento dos gastos públicos e removam a montanha de entraves burocráticos que atrapalham a produção. Não faz sentido continuar gastando quase 2 mil horas, em média, e R$ 60 bilhões por ano para cumprir as obrigações fiscais relativas a 63 diferentes tipos de tributos e 97 obrigações acessórias. Qual a lógica em manter mais de 15 mil sindicatos, que defendem privilégios e dificultam a modernização das leis trabalhistas, em detrimento da geração de empregos? Qual a utilidade de sustentar mais de 11 milhões de servidores com salários significativamente acima da média do setor privado? A apreciação desse cenário kafkiano torna surpreendente imaginar como até aqui, foi possível resistir ao colapso econômico, embora ele continue iminente. Evidentemente que a atual equipe de governo, de competência muito acima da média dos times dos últimos 30 anos, contribui para destravar alguns dos nós que prendem a economia brasileira na armadilha do baixo crescimento. Há, porém, ainda, um oceano de problemas a ser atravessado, se o país deseja encurtar a diferença para o nível de desenvolvimento alcançado pelas nações ricas. O primeiro passo certamente está relacionado ao capital humano. Nenhuma barreira pode ser superada se antes não for reconhecida como tal. Logo, a luz do conhecimento dos padrões que transformam a realidade das nações precisa permear os diferentes estratos sociais em prol do espírito empreendedor, do estado democrático de direito e do respeito e valorização das garantias individuais. Notoriamente não se trata de um projeto de curto prazo, mas é reconfortante saber que as fileiras liberais não esmorecem e certamente se encorpam a cada oportunidade de revelar os princípios edificados por nomes como Adam Smith, Ludwig von Mises, Frédéric Bastiat e tantos outros.

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