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O lado obscuro de Gandhi
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Antes de assinar 15 atos para favorecer a cooperação e comércio com a Índia, o presidente Bolsonaro levou flores ao memorial do líder pacifista Mahatma Gandhi, tido como um dos heróis nacionais do país asiático. É algo esperado em autoridades que visitam o país, um gesto diplomático.

Mas quem foi Gandhi de fato, por trás dessa imagem de grande líder pacifista? Pouca gente conhece melhor a vida dele. Por isso mereceu uma minibiografia em Esquerda Caviar, justamente pelo homem por trás do mito não ser esse exemplo todo para a humanidade. Segue o texto na íntegra:

O maior ícone dos pacifistas não era um típico esquerdista caviar, pois certamente Gandhi não pode ser acusado de hipocrisia. Ao contrário: parece ter acreditado em sua mensagem de forma fanática, intransigente e até violenta. Mas creio que mereça destaque no livro por aquilo que representa para a esquerda caviar, e pelo fato de que muitos querem citá-lo como exemplo moral, mas ninguém gostaria de segui-lo efetivamente.

Entre as boas intenções e os resultados concretos, a vida de Gandhi deixou um abismo, justamente devido à sua incrível ingenuidade e persistente ilusão. Seu grande “feito”, a independência da Índia, jamais seria uma conquista fosse o adversário um regime autoritário, e não a Inglaterra, como já vimos. Os britânicos já haviam concedido o princípio da independência, e a questão era mais sobre quando aconteceria.

Mas isso não é tudo. A vida de Gandhi e muitas de suas ideias jamais seriam vistas como desejáveis por muitos daqueles que idolatram o Bapu, o guia espiritual que só pode despertar pensamentos positivos para essas pessoas. Por trás da fama, havia uma mente bastante perturbada, como fica claro no decorrer da leitura de Gandhi: ambição nua, a biografia escrita por Jad Adams, membro da Royal Historical Society.

Ele idealizava a pobreza. Como conciliar sua obsessão pela vida simples na aldeia com o estilo das senhoras abastadas do Ocidente, que morrem de amores por Gandhi? Não importa: adoram-no, ignorando seu radical apego à miséria e sua mensagem de cunho socialista:

Se eu precisar de uma camisa para me cobrir, mas usar duas, serei culpado de roubar uma de outra pessoa, pois uma camisa que poderia ser usada por outra pessoa não me pertence. Se cinco bananas forem suficientes para satisfazer minha fome, ao comer a sexta, eu estarei cometendo uma espécie de roubo.

Em 1921, ao ajudar no boicote aos tecidos estrangeiros, ele mesmo chegara a atear fogo em pilhas deles. Algumas pessoas questionaram se não era melhor doá-los aos pobres, mas o líder espiritual alegaria que esses tecidos eram “pecaminosos”. Disse:

Devemos olhar para os tecidos estrangeiros como se olhássemos para sujeira. Assim como não queremos sujeira para nós, não devemos passar essa sujeira de tecidos estrangeiros para outros.

Portanto, as "dondocas" não pensem em doar aos pobres seus vestidos do Valentino ou Armani, tampouco seus sapatos da Prada. O correto, segundo Gandhi, é tacar-lhes fogo. Conhecendo essa visão, quantas ainda estariam dispostas a enaltecer as crenças de Gandhi e colocar em prática seus ensinamentos?

Os que tentam separar o homem excêntrico de sua grande mensagem pacifista deveriam lembrar que o próprio Gandhi não aceitava essa distinção. Para ele, sua vida era sua mensagem, e esta era indissociável de seus principais valores, entre os quais a castidade forçada e o vegetarianismo. Seu principal objetivo, segundo Adams, era nada menos do que a perfeição espiritual.

Para atingi-la, era capaz de atos absurdos. Tinha obsessão com o sexo, que teria de ser reprimido a todo custo. Mas, como era um mártir em busca da verdade, e o sofrimento, parte do processo de purificação, a tentação era fundamental para dar valor ao autocontrole. Por isso, dormia com mulheres nuas na cama (duas ao mesmo tempo em certas ocasiões), banhava-se com elas e era massageado. Tudo parte de seu crescimento espiritual, e, quando tinha orgasmos involuntários, isso realmente o aborrecia.

Sua visão do casamento era negativa, e sempre recomendava a castidade aos casais. Sexo, apenas para reprodução. Possivelmente isso se devia ao seu próprio casamento precoce, aos treze anos, que ele mesmo retratara como “um dos eventos mais amargos” que teve de suportar.

Talvez outro efeito colateral dessa experiência resultasse de sua própria visão da família. A humanidade tinha muito mais importância para ele do que seus próprios filhos, algo muito frequente na esquerda caviar. Em sua autobiografia, reconheceu que seus filhos tiveram motivos para se queixar de sua educação. E que queixas!

Seu filho Harilal, em uma carta de 1915, acusara o pai de nunca falar com amor, e sim com raiva: “Em movimento ou parado, dormindo ou sentado, você sempre nos atemorizou. Você tem um coração de pedra”. Quando descoberto o adultério de seu outro filho, Manilal, Gandhi fez jejum de sete dias, que o filho tentou copiar. O pai teria dito que esperava que Manilal suportasse, “mas, se morrer, ele não será motivo de remorso”.

O pacifista também era capaz de ser violento com a própria mulher. Escreveu que certa vez, ao perder a cabeça, pegou-a pelo braço, arrastou-a até o portão de casa e abriu-o pretendendo empurrá-la para fora. Kasturba, sua esposa, teria gritado com ele, e avisara que não tinha de aturar seus socos e chutes só porque era sua mulher. Os motivos das agressões podiam ser os mais banais: por exemplo, se ela se recusasse a limpar as próprias fezes e, pior, se recusasse a fazê-lo com prazer, tal como exigia.

Em 1908, preso, soube que Kasturba estava muito doente, mas se recusou a pagar a multa que lhe permitiria sair da prisão. Em vez disso, mandou-lhe uma carta em que afirmava que a morte dela seria um outro grande sacrifício para a causa de Satyagraha, e pediu-lhe que não ficasse ofendida. Pelo visto, sua consciência pesaria depois, e ele chegou a escrever: “Eu estava tão cansado dela e queria que morresse. Fui uma cobra disfarçada”.

Refletindo sobre esse episódio, Gandhi chegaria a uma conclusão moral: “Não é possível dedicar-se a uma particular mulher e, ao mesmo tempo, dedicar-se à humanidade. Os dois não se harmonizam”. Confesso ter dificuldade em imaginar uma típica esquerdista caviar elogiando seu marido pela luta em prol da abstrata humanidade, enquanto ela vive no frio abandono, como apenas mais uma miserável...

A postura alimentícia de Gandhi poderia aproximá-lo dos vegetarianos fanáticos de hoje. Uma vez, ao presenciar o sacrifício de um animal num templo de Kali, foi levado a refletir: “a vida de um cordeiro não deveria ser menos preciosa do que a de um ser humano”. Seus seguidores deveriam ter em mente que não são bons alunos pacifistas quando fazem, ou simplesmente, comem um churrasco.

Um lado mais obscuro e ignorado diz respeito à visão racial de Gandhi: tão purista quanto a dos racistas. Em setembro de 1903, escreveu: “Nós acreditamos tanto na pureza da raça quanto eles (os bôeres), só que nós acreditamos que eles serviriam melhor seus interesses, o que é tão importante para nós quanto para eles, se advogassem a pureza de todas as raças, e não apenas de uma delas”. E ainda continuou: “Também acreditamos que a raça branca na África do Sul deva ser a raça predominante”.

Contra as castas indianas, tampouco foi um combatente. Em 1916, disse: “Dediquei muito tempo pensando sobre o sistema de castas e cheguei à conclusão de que a sociedade hindu não pode dispensá-lo, pois ela sobrevive devido à disciplina da casta”. Igualdade? Nem tanto...

Justiça seja feita, combateu o sistema de intocabilidade. Mas nem por isso tinha uma opinião elevada a respeito: “Alguns intocáveis são piores do que vacas para compreender. Quero dizer que eles não conseguem ser melhores do que as vacas para distinguir a diferença entre os relativos méritos do islão, do hinduísmo e do cristianismo”.

Gandhi idealizava a vida comunitária pré-industrial, autossuficiente, e com isso era um ferrenho inimigo do progresso de que vários de seus fãs desfrutam. Disse: “Sinto que, se a Índia descartasse a ‘civilização moderna’, ela somente se beneficiaria com isso”. E acrescentou:

Minha intenção não é destruir ferrovias ou hospitais, embora, certamente, eu apreciaria sua destruição natural. Nem as ferrovias, tampouco os hospitais são sinais de alta e pura civilização. Na melhor das hipóteses, eles são um mal necessário.

Suas principais influências, entretanto, eram todas ocidentais, como Tolstoi, Thoreau ou Ruskin. O livro Civilization: Its Cause and Cure, do utópico socialista e homossexual Edward Carpenter, foi importante para a formação de seu pensamento. Carpenter era vegetariano e liderava sua própria pequena comunidade, como Gandhi.

Sobre o bolchevismo, o pacifista disse que “um ideal santificado por sacrifícios desses espíritos mestres como Lênin certamente deixaria a sua marca”. De fato, deixou: um rastro enorme de sangue inocente, de muita miséria e de escravidão!

Em seu ashram, Gandhi se cercava de bajuladores e promovia a seu círculo mais próximo pessoas por motivos insignificantes, como o maior comprometimento com suas pequenas regras de higiene e alimentação. A educação tampouco foi uma bandeira que prezou. Sumitra, uma menina inteligente e obstinada, precisou resistir à tentativa de convencê-la a abandonar os estudos. Gandhi perguntou: “Qual é a necessidade de uma educação maior? Fique comigo e seja minha secretária”. Ela respondeu:

Eu não quero ser uma de suas secretárias inferiores que lavam suas roupas e utensílios, organizam suas refeições, cuidam de seus compromissos, recebem e acompanham as pessoas no ashram e são cheias de autoimportância.

Se, porém, as feministas não têm muito a admirar em Gandhi, os nacionalistas têm. Na verdade, Mahatma foi um grande nacionalista. Tanto que até Hitler merecera uma ou outra palavra de tolerância, inclusive por ser também vegetariano e obcecado com a saúde:

Eu não desejo que os aliados sejam derrotados, mas não considero que Hitler seja tão ruim quanto dizem. Ele está demonstrando uma habilidade surpreendente e parece estar ganhando suas vitórias sem muito derramamento de sangue.

A benevolência no julgamento do Fuher (que chegaria a chamar de “caro amigo” em uma carta) sem dúvida tinha ligação com os valores com que Gandhi realmente se importava: “Ele não tem vícios. Não se casou. Dizem que seu caráter é limpo”. Essa visão totalmente deturpada impediu que fizesse uma análise mais realista da guerra, e o amarrou a uma típica postura da esquerda caviar, o relativismo:

Eu não vejo diferença entre os poderes fascistas ou nazistas e os poderes dos aliados. Todos são exploradores, todos recorrem à crueldade.

Para Jad Adams: “A sugestão de Gandhi de uma equivalência moral entre as democracias e os poderes do Eixo demonstra a sua ignorância ou falta de interesse por saber em que consistia a verdadeira ditadura”. Ele sempre minimizou as atrocidades coletivas, pois não se encaixavam em sua visão romântica do ser humano, e porque assim era mais fácil demonizar o império britânico.

Seu fracasso em perceber a enormidade do holocausto tinha precedente no fato de que alegara “desconfiar” do caso armênio, após o genocídio de quase 1,25 milhão de armênios pelos turcos na Primeira Guerra.

Se Gandhi não notava tanta diferença assim entre o nazismo e a democracia inglesa, tratava como de extrema importância a proibição de bebida alcoólica, que descrevera como “provavelmente o maior movimento moral do século”. Seria bom se seus fãs pensassem antes de o elogiarem entre uma taça de vinho e outra...

Seu pacifismo se estenderia à Segunda Guerra. Em 1940, por ocasião da da Batalha da Inglaterra, escreveu que os ingleses deveriam utilizar seu conceito de não violência, deixando que Hitler e Mussolini tomassem o que desejassem “de sua linda ilha com seus edifícios maravilhosos”.

Se quisessem ocupar-lhes casas, então que fossem entregues. Assim, os ingleses mostrariam que se recusavam à submissão, ainda que massacrados. Por sorte dos ingleses, o beligerante Churchill, detestado pela esquerda caviar, tinha uma visão bem diferente sobre guerra: achava que era importante vencê-la!

Aliás, Churchill referiu-se a Gandhi como um “maligno fanático subversivo”. Julgamento duro e provavelmente injusto, mas justificável se lembrarmos que o estadista inglês  servira na Índia e “sabia que o país pululava de homens santos autoestilizados, usando vários tipos de trajes (nudez), mendigando às pessoas já pobres e oferecendo falsas panaceias”, como explica Jad Adams.

Esse pacifismo fanático de Gandhi também contribuiu para o agravamento da guerra civil dentro da Índia, entre hindus e muçulmanos. A criação do Paquistão não fora suficiente para arrefecer os ânimos, e Gandhi se mostraria inábil para conter a escalada da violência. Chegou a dizer: “Se a Índia quer um derramamento de sangue, que seja feita a sua vontade”.

O mais importante era manter a tática de não-violência e de unidade nacional, não importando as consequências. Sua ideia de que a violência era culpa do império britânico mostrar-se-ia altamente enganosa quando indianos passaram a massacrar indianos depois da retirada dos ingleses.

Após a independência da Índia, o grande herdeiro intelectual e amigo de Gandhi, Jawaharlal Nehru, assumiu o poder. Nehru era um socialista que acreditava no planejamento central. O resultado, como não poderia deixar de ser, foi catastrófico. O setor público inchou absurdamente, a quantidade de empresas estatais disparou, e a economia entrou em crise.

A ineficiência era a regra, e a corrupção, gigantesca, agravada pelo excesso de burocracia. A Índia olhava apenas para dentro, seguindo a visão de autossuficiência pregada por Gandhi. O preço pago pelos indianos seria muito alto, mas Gandhi não estava mais lá para tomar conhecimento. A  imagem de Gandhi até hoje enfeitiça muita gente no Ocidente. Ele é visto como um santo, acima das paixões humanas, e seu legado pacifista, extremamente infantil e romântico, continua exercendo influência forte na esquerda caviar. Os “filhos” de Gandhi, não os verdadeiros, mas os “espirituais”, precisam fazer o luto dessa imagem idealizada do Bapu.

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