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O papa e a economia
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Por Paulo Roberto Tellechea Sanchotene, publicado pelo Instituto Liberal

O papa discursou no dia 5/2 no Simpósio “Novas Formas de Fraternidade Solidária, de Inclusão, Integração e Inovação”, realizado no Vaticano, com a participação de economistas, ministros da economia, banqueiros, etc. Como todos os discursos do papa Francisco, esse também gera polêmica.

Eu posso fazer um esforço para interpretar o discurso do papa de modo que nós dois estejamos em acordo. Creio ser meu dever como católico fazer isso, inclusive. No entanto, eu posso discordar do papa se as soluções práticas apontadas por ele me parecerem equivocadas.

Apontar as faltas de caridade e moderação, como fez o papa, é corretíssimo. Tampouco há o que se contestar sobre a finalidade última da política e da economia: “buscar o bem comum, a justiça social, a paz, bem como o desenvolvimento integral de todo indivíduo, de toda comunidade humana e de todas as pessoas.” Em princípio, portanto, não tenho qualquer objeção ao papa. O discurso, todavia, tem problemas – ainda que o papa tenha falado diversas verdades.

O papa está certo ao expor que “um mundo rico e uma economia vibrante podem e devem acabar com a pobreza.” Afinal de constas, isso está acontecendo. A miséria vem diminuindo e a velocidade em que isso ocorre é enorme. Entretanto, o papa enxerga a realidade de outra forma. O problema me parece ser de percepção. Por exemplo, a afirmação “o mundo é rico e, todavia, os pobres aumentam ao nosso redor” é verdadeira, mas somente ao diferenciar-se miséria e pobreza.

Ao propor soluções práticas em seu discurso, o papa aparenta estar misturando as questões. Apenas a miséria é absoluta, pois a pobreza é relativa. Os pobres aumentam, apesar de estarem mais ricos, porque há um aumento na desigualdade. Contudo, o papa apresenta o problema de forma absoluta: “no entanto, centenas de milhões de pessoas ainda se encontram imersas na pobreza extrema e não dispõem de alimento, habitação, assistência médica, escolas, eletricidade, água potável e estruturas higiênicas adequadas e indispensáveis.” É fato. Porém, é igualmente verdadeiro nunca ter havido tão poucos nessas condições miseráveis.

A economia atual necessita, mesmo, de renovação, de “bases sólidas” para “uma nova arquitetura financeira internacional”. O papa está certo. O sistema atual é, realmente, insustentável. As bolhas existem, e, quando estouram, quem sofre são os mais pobres. Porém, apesar de ele estar apontando para um dos alvos corretos, ele não o enfrenta de forma adequada.

A “arquitetura financeira internacional” é formada por “arquiteturas financeiras nacionais” (ou supranacionais, no caso europeu), e essas têm problemas. Hoje, elas geram IMERECIDA concentração de renda e prejudicam o crescimento econômico. O papa acrescenta: “não existe um determinismo que nos condene à iniquidade universal. Permitam-me repetir: não somos condenados à iniquidade universal.” Novamente, a frase é verdadeira, mas ao considerarmos seu sentido ESPIRITUAL. Materialmente, a questão da desigualdade é diferente.

Geração de riqueza é o que elimina a miséria. Onde a geração de riqueza é estagnada, a miséria persiste. Hoje, os países ricos europeus pouco crescem e seus gastos aumentam. Essa conta não fecha. Essa bolha irá estourar e prejudicará os mais pobres. Como, no entanto, essa situação é mantida sob um discurso [hipócrita] de caridade, o papa a condena apenas discretamente, ao dizer que “instituições benéficas, tanto públicas quanto privadas, podem decair em estruturas de pecado.”

O papa demonstra dificuldades com a contradição inerente ao fato de a geração de riqueza eliminar a miséria, mas causar desigualdade. Apesar de desigualdade ser um mal, é o preço da eliminação da miséria. Um combate à desigualdade não pode ser feito às custas da geração de riqueza. Só o que se pode fazer com um mal menor é REDUZIR seus efeitos.

Não se pode ser contra a MERECIDA concentração de renda – aquela resultante da geração sólida de riqueza; de riqueza real. É preciso cuidar para que essas pessoas, nos termos do papa, não caiam em pecado. Porém, a geração de riqueza, em si, não é um mal. Apesar disso, o papa ataca explicitamente medidas voltadas ao crescimento: “repetidos cortes dos impostos para as pessoas mais ricas”; e “paraísos fiscais para os lucros privados e corporativos”.

Ademais, colocar a conta da desigualdade atual apenas nos países ricos é ignorar a responsabilidade dos países pobres. O papa coloca: “as pessoas pobres em países muito endividados suportam imposições tributárias opressoras e cortes nos serviços sociais, na medida em que seus governantes pagam as dívidas contraídas de modo insensível e insustentável.” Aqueles que hoje estão endividados são países CORRUPTOS e DESIGUAIS. Essas dívidas foram contraídas para financiar essa situação condenável. Falta a essas sociedades caridade e moderação tanto quanto lhes falta a capacidade de gerar riqueza.

O papa afirma: “com certeza que é justo o princípio de que as dívidas devem ser pagas; não é lícito, porém, pedir ou pretender um pagamento, quando esse levaria de fato a impor opções políticas tais que condenariam à fome e ao desespero populações inteiras. Não se pode pretender que as dívidas contraídas sejam pagas com sacrifícios insuportáveis.” Por mais dolorosa que seja a situação, um perdão da dívida apenas alimentaria mais a condição atual, pois permitiria às lideranças continuarem a fazer o que fazem sem pagar o preço pelo mal que criaram e/ou que preservam.

Em suma, o papa acerta ao pedir auxílio aos especialistas: “vocês conhecem por primeiro quais são as injustiças da nossa economia global atual. Trabalhemos juntos para acabar com essas injustiças”. Ao tratar de economia, ele entra em seara a qual não domina. Não estou dizendo que eu entenda, pois não entendo. Nesse ponto, estamos papa e eu em igualdade de condições.

Apenas aponto que o papa Francisco deveria estar mais aberto à possibilidade da economia liberal ser compatível com os princípios que defende. Afinal, ainda que não seja perfeita, É a mais compatível com os princípios que ele defende.

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