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Pessoas vão, ideias ficam
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Por Sergio Renato de Mello, publicado pelo Instituto Liberal

Parece que as mídias sociais se combinaram em render tributo a Eddie Van Halen, falecido aos 65 anos de idade de câncer de garganta. Não poderia dar outra. Suas músicas ainda enfeitiçam os seus ouvintes do auge da carreira e de hoje, vivência estética do que é realmente bom para os ouvidos, para a alma. Suas músicas reúnem, num só tom que convence a alma, harmonia e técnica, além de uma performance em palco única e própria para o estilo musical por ele proposto. A notícia faz qualquer um que aprecia mexer de vez em quando lá dentro da alma se ver dividido entre dois sentimentos contraditórios entre si: de alegria, por ter vivido a época de ouro da virtuose técnica e da música verdadeira, e de tristeza, pelo passamento de tão vocacionados e talentosos músicos.

Não é nada fácil, hoje, ouvir novamente um dos clássicos da banda, Jump, não tanto pela tristeza da ida definitiva de seu titular, mais pela comparação dela com o que se convencionou chamar de uns tempos para cá de música e concluir que o coração humano está bem mal representado.

Tirando a homenagem, inicio dizendo que o gosto estético não se confunde com ideias. A música pode até passar um viés proselitista (não as do Van Halen, me refiro a qualquer música), mas é nos sentidos que elas transmitem o que pretendem transmitir. A pessoa simplesmente gosta ou não gosta, e ponto. O gosto pelas drogas, das festas, da vida desregrada, via de regra, com o descarte desta pretensão como um fim nele em si mesmo, não vem do rock como ideal político ou cultural mais ou menos consciente, assim como a bandidagem não vem como um ideal também mais ou menos consciente por ter escutado Vida Bandida, ou Vida Louca Vida, de Lobão, nos anos oitenta. O embalo de uma dança pode não vir, e geralmente não vem, acompanhado ou agarrado com a ciência do que aquele som e sua letra produzem ou podem produzir, de imediato ou a longo prazo, no intelecto humano. De antemão, uma coisa é escutar e se deixar levar, outra é escutar e refletir, coisa rara hoje em dia. Essa argumentação, por óbvio, não afasta músicas notadamente políticas e com intenção para além do sonoro.

Não pretendo trazer esgotamento de ideias boas e ruins. Apenas dizer que entendo e vejo que a dualidade entre elas é de ideias para um fim do mundo e outras que buscam evitar esse fim. Digo que não apenas para evitá-lo, e sim para abreviar a sua chegada. Eu sou destas últimas. Gosto do cético, não do pirrônico, que nada crê, e sim do que não acredita que exista felicidade terrena como algo abstrato e infantilizado a ser buscado. A história está indo para algum lugar sim, como disse Hegel, não sendo ela totalmente aleatória, sendo que este lugar é bem diferente do esperado por construtores sociais que, sob pretexto de serem felizes mediante pensamento, abandonaram o uso da razão.

Com os esforços de uma política conservadora ou tentativa dela, ou de ideias ou atitudes conservadoras, tem-se visto, mas não muito, um resultado positivo prático no enfrentamento de más ideias e suas influências na cultura universal. A ideia de que o bem sempre vence o mal ainda prevalece, graças a Deus e ao esforço incontrolável de um imperativo espírito de prudência, ou seja, uma consciência inata de falhas inerentes ao estado natural hobbesiano.

A vontade humana quis maioridade a partir do momento em que fez de tudo para se separar de um governo divino, até matar gente, muita gente; agora quer se desvencilhar de seu poderio racionalista que fatalmente culminará com a destruição de si mesma. Só que esse espaço de tensão tem seu prazo de validade. O bem-estar da humanidade está longe de se afigurar como razão suficiente para a emissão de um atestado de bondade, sobretudo quando apenas virtualizado por meras ideias sem prática. Aristóteles já dizia que a virtude é prática.

Não é de se admirar que entre a hybris racionalista de um pensador-mentor de instintos humanos, de índole totalitária, e a prudência de Edmund Burke, sempre vencerá a primeira. Para este sentido, o racionalismo foi um cheque em branco ao diabo, aliás, coisa que ele sempre quis. Provas empíricasdisso são o hedonismo, o niilismo e o relativismo moral.

Quanto ao desejo absoluto de pensar que separou a humanidade de seu criador, Kant, respeitoso, veio com as sandálias da humildade e disse que jamais iríamos alcançar resposta para todos os questionamentos que até então se pretendia ou pretendemos. Será que não foi por nada, então, que ele foi e é considerado um dos maiores pensadores modernos? Mas creio que se deve reservas à humildade de Kant, já que uma certa escassez com um tom meio metafísico numa caminhada em busca de um princípio-primeiro (Deus) é reservada para quadrados tóxicos. Podemos dizer que a metafísica está meio vencida, deixada em um baú de um porão escuro por asseclas iluminados, e por conta das ideias más ou utilitárias como a de Mill, relativizando o imperativo categórico de Kant e reservando-o para chamadas virtuosas práticas em cada caso concreto. O humano desafiado na prática terá que mentir, então, quando lhe convém.

Antigamente, as ideias eram boas, seja para questionar, seja para avaliar nossa convivência com os outros e buscar felicidade, que hoje é encarada como um dogma moral particular. Eu quero felicidade para mim mesmo, um desfrute prazeroso imediato, mesmo que custe a felicidade dos outros em um certo longo prazo, já passam a dizer os relativistas morais e os hedonistas. Talvez interpretando maliciosamente posturas antigas como de Sócrates, Platão e Aristóteles. Cada um interpreta o que quiser e do seu próprio jeito. Isso é inteligente e moderno, diz o pensamento do senso comum, que entende que a moralidade está na cabecinha de cada um.

Ideias más tem suas consequências, ainda mais quando elas vêm para questionar tudo, como querem os pirrônicos hoje. Tudo é supérfluo, tudo tem prazo de validade. Aliás, a validade humana tem tudo a ver com a dúvida cartesiana de achar que somente somos seres existentes quando duvidamos, ainda que seja para se chegar a alguma certeza na vida.

Comecei com Jump de Van Halen e vou terminar com ela.

As leis que governam os homens são as leis morais e positivas, mas os verdadeiros legisladores são práticos e não apenas teóricos, até mesmo pela periculosidade que lhes é inerente, já que invisíveis e sutis. Só ver como se comportam jornalistas e artistas, etc. Van Halen, dizendo pular, pular, pular, não!

*Sergio Renato de Mello atua na Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

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