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Por que o governo tentar corrigir “falhas de mercado” é uma péssima política
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Por Sidney Sylvestre, publicado pelo Instituto Liberal

Uma das declarações mais sem sentido em termos econômicos, mas repetida exaustivamente por todo tipo de economista intervencionista, é a ideia de que o governo deve agir para corrigir as chamadas “falhas de mercado”.  Sem querer entrar muito na própria validade do conceito, em geral, essas falhas são definidas como características ou situações que levam o mercado a não produzir um equilíbrio “ótimo” ou eficiente segundo algum parâmetro teórico, que, diga-se de passagem, na maioria das vezes é irrelevante para qualquer ação e política no mundo real.

Aceitando todo o arcabouço teórico que embasa a declaração desses economistas, o grande problema é que qualquer política de governo é ela mesma produto de um “mercado” contendo exatamente essas aludidas falhas de mercado que fazem o equilíbrio ou produto final serem “ineficientes”. Para ver isso, pensemos, em linhas gerais, como são definidas essas políticas em uma democracia.

Primeiro, as pessoas votariam em tais políticas por algum motivo. Qual o incentivo para uma pessoa votar com alguma atenção ou “buscando o correto”? Usando o básico de teoria econômica, eu diria que mínimo. Votar com atenção custa, envolve dispêndio de tempo, procurar informações, analisar políticas, propostas. Esse é um custo inteiramente arcado pelo “eleitor” que quer essas informações. Quais os benefícios que esse eleitor terá por votar corretamente? Sem nem entrar no mérito do controle do governo (que é praticamente um dado externo para qualquer eleitor médio, falaremos um pouco disso mais à frente), se as políticas que o eleitor defende forem aplicadas, em geral, elas terão um beneficio direto, individual sobre ele muito pequeno. Grande parte dos benefícios do que geralmente é chamado de “boas políticas” é, pela própria natureza dessas boas políticas, amplamente dispersa por toda a sociedade. Veja a grande ironia: enquanto o custo de se votar bem é um custo inteiramente “interno” ao eleitor, o benefício desse voto é amplamente disperso ou, em outras palavras, grande parte desse beneficio é “externo” a esse eleitor, que é o típico exemplo de “externalidades” (uma das principais, senão a principal falha de mercado). Para desespero dos nossos intervencionistas, não há nada que o governo possa fazer aqui porque, pelo menos em uma democracia, essa é a “gênese” das próprias políticas que o governo seguirá.

Logo, embora na cabeça dos nossos intervencionistas exista uma entidade ad hoc chamada “governo” que simplesmente fará o que ele, teórico, acha que deve ser feito, no mundo real, com pessoas auto interessadas formando “de fora” e “de dentro” o governo, essa primeira etapa básica já é, sendo condescendente com eles, uma grande incógnita. A própria formulação básica dessas políticas “fora” do governo enfrenta uma “falha de mercado” e, dentro do arcabouço desses mesmos intervencionistas, não tenderá a produzir o “resultado desejado” ou ótimo.

Na verdade, essa característica de “falha de mercado” permeará toda a cadeia de produção de políticas estatais, produzindo resultados bem diferentes do esperado. Deixemos de lado um pouco a questão da votação para a política e vamos para dentro do governo. O governo não é uma entidade à parte do que costumamos chamar de “sociedade”. O que ele produzirá, de certa forma, segue mais ou menos a lógica do que ocorre em mercados: ele produzirá aquilo que traz mais “lucro” para quem o controla e as pessoas que o controlam querem algum lucro assim como qualquer agente econômico existente. Como nós dissemos anteriormente, boas políticas, em geral, tendem a produzir bons resultados para a sociedade em geral, ou seja, seus benefícios, além de serem maiores, são dispersos por toda a sociedade. O oposto dessas “boas políticas” é o que vamos chamar de “privilégios”. Os privilégios normalmente geram custos maiores que os benefícios, no entanto esses benefícios são “concentrados” em poucos grupos ou pessoas (por isso o nome de “privilégio”). Em geral, qual política governos tendem a produzir: as boas ou os privilégios?

Teoricamente, dentro do arcabouço usado por esses intervencionistas, a resposta seria privilégios (e só teoricamente mesmo, porque basta olhar para o mundo e ver como isso é refutado diariamente). Essa tendência ocorrerá justamente pela “externalidade dos benefícios” de boas políticas. Vejamos como: no “mercado político”, assim como no mercado comum, leva quem “paga mais” pela oferta. Esse “pagar mais” no mercado politico significa basicamente gastar recursos na geração de lobbies: convencer congressistas a votar na política X e não na Y, convencer o Executivo a bancar o projeto X e não o Y, angariar apoio da opinião pública, de organizações com visibilidade pública, etc.. Essas coisas custam e muito. Quem arca com esses custos? Inicialmente, basicamente o grupo que resolve tentar aprovar sua proposta. Esses grupos, em geral, não podem ser muito grandes ou precisam ter mecanismos de controle muito eficientes para evitar o que é chamado de “problema do carona”. O problema do carona, basicamente é o sujeito que não arca com o custo porque outros o fizeram em volume suficiente, mas recebe o benefício. Esse tipo de “situação” leva individualmente todo mundo a querer pegar carona, o que no fim leva ninguém a arcar com o custo, o que implica o produto final e, portanto, o beneficio final não sendo produzido. Esse é um problema básico da votação mencionada no começo do texto também. O sujeito “não faz nada”, porque individualmente ele é irrelevante e não vai atrapalhar, mas outros farão e ele receberá o benefício mesmo não tendo feito “nada”. O resultado final é que ninguém “faz nada”, ninguém se importa e vota pegando o primeiro papelzinho que encontra no chão a caminho da zona eleitoral porque outros farão “o correto”.

Voltando então para a questão do tamanho do grupo, este precisa ter um tamanho não muito grande ou um meio muito eficiente de fiscalizar seus membros. Como a “sociedade”, por definição, como grupo é um grupo imenso e (ainda bem!) não existe um meio de fiscalizar completamente a ação dos seus membros, por sofrer com o problema do carona, como grupo, ela será um dos atores menos relevantes no mercado político. Os grandes grupos atuantes serão grupos menores, setoriais, que demandarão políticas, como reza a boa teoria econômica, visando a seus próprios interesses.

E quanto esses grupos estarão dispostos a gastar por essas políticas em um primeiro momento? Ora, no limite, o quanto eles conseguirem receber. Logo, quanto maior a possibilidade de se obter um privilégio e um privilégio “bem concentrado”, que rende benefícios altos e concentrados, maior o incentivo para esses grupos organizados, com problema de carona baixo (o que não é o caso da sociedade), custearem a aprovação dessa política; mas como tudo que é ruim pode piorar, obviamente, como eles acabam “controlando” o mercado politico, não há necessidade de, no final, esses grupos organizados arcarem com os custos das suas “compras políticas”. Como o governo, ao contrário do mercado verdadeiro, tem o poder de invadir propriedades (e chamar isso de “lei”), basta mandar o cheque, a conta final, para os grupos mais desorganizados, que não tem relevância nesse mercado politico e não conseguem “se defender”, ou seja, o grupo mais desorganizado desse ambiente que é justamente a “sociedade em geral”, pelas questões já explicadas, paga a conta de privilégios de grupos concentrados/organizados.

Veja que, exatamente tentando corrigir o problema que os intervencionistas alegam querer resolver (de “falhas de mercado” como externalidades, bens públicos), a solução amplifica esses problemas em um nível muito maior, por toda a economia. Ao ampliar o uso do “mercado politico”, contaminado pela sua própria natureza, com todas essas falhas que eles, intervencionistas, alegam produzir resultados ruins, a sociedade passa a caminhar para um equilíbrio desastroso onde é melhor gastar recursos no mercado político para obter benefícios do que produzir no mercado normal. Nós caímos no caminho do rent-seeking: o poder politico passa a ser o destino da maior parte dos recursos da sociedade visando à redistribuição dos recursos já existentes de acordo com a disputa de grupos organizados dentro do “mercado político”, enquanto a destinação de recursos para produção de novos bens passa a ser relegada ou desincentivada exatamente pelo fato de esses novos recursos produzidos serem redistribuídos de acordo com esse poder no “mercado politico” e não baseados nas escolhas do próprio produtor. O problema da externalidade se torna assim generalizado: a maior parte do que é produzido não fica com quem produz. Quem não arca com custo algum (jogando o custo do lobbie para a sociedade em geral), fica com a maior parte do que foi produzido.

O governo, definitivamente, não é a solução de falhas de mercado. Ele, por si só, tem essas mesmas falhas na sua gênese. Seu funcionamento é regido por essas falhas. Para piorar, o seu controle é praticamente inoperante, exatamente porque o controle é uma espécie de “bem público” que será produzido “sub-otimamente” (veja a explicação da lógica das votações, do incentivo interno para produção de mais privilégios e mais privilégios, dos grupos atuantes, etc..). A analogia com usar o governo e usar drogas pesadas cabe perfeitamente aqui. Alguma hora vai dar problema, a “droga” vencerá e o problema será muito maior do que aquilo que você, na melhor das boas intenções, tentou corrigir.

Por fim gostaria de comentar sobre as soluções de mercado para essas supostas falhas. Apesar do nome, as tais “falhas de mercado” não tem necessariamente ligação com mercados. Elas ocorrem no governo também, em processos de tomada de decisão nas mais variáveis situações (principalmente em decisões envolvendo grupos). Chamar as falhas que ocorrem no governo de “falhas de governo” em contraposição a “falhas de mercado” não muda a natureza idêntica dos dois fenômenos. A questão principal aqui é que, dado que as falhas de mercado apresentam uma ineficiência (pelo menos teórica), há espaço para ganhos, inclusive as chamadas “melhorias de Pareto” (mudanças onde ninguém piora e, pelo menos, um ganha). Boa parte dessas falhas ocorre justamente por definições erradas e equivocadas do próprio governo sobre direitos de propriedade. Caso essas indefinições de direitos de propriedade não existissem, é mais do que sabido que chegaríamos a uma “solução eficiente”. Para o caso de uma indefinição mais complexa e profunda de direitos de propriedade, se existe a possibilidade de se obterem ganhos, como existe por definição em uma falha de mercado, é natural que agentes econômicos passem a tentar arrumar uma maneira de aproveitar essa possibilidade de ganho inexplorada, inclusive delimitando eles mesmo regras privadas apropriadas a uma boa solução (exemplos disso são comuns como garantias, test-drive para o caso de “assimetria de informação”). O ponto é que a única coisa que o governo poderia fazer (na verdade, nem isso, dada a sua natureza) para melhorar uma falha de mercado é estipular corretamente e claramente direitos de propriedade. Para qualquer coisa além disso, não há nada que possa ser feito. Todas as demais soluções envolveriam, desconsiderando aqui o próprio funcionamento do governo, informações transmitidas via preços que o governo e nem ninguém possui. Essas informações só poderiam ser geradas em soluções privadas e espontâneas que “gerassem” mercados para o bem/problema em questão. A própria existência de uma ineficiência gerada por uma falha de mercado é uma oportunidade que agentes no mercado tentarão explorar para captar os ganhos “ocultos” aí existentes. Situação totalmente diferente ocorre no mercado político, onde não há absolutamente nenhum incentivo para isso, dado que nesse mercado existe um negócio muito mais “lucrativo individualmente”, o chamado rent-seeking, a produção cada vez maior de privilégios através de leis e políticas, pagos dispersamente pelo grupo mais fraco nesse mercado: a “sociedade”.  Pedir a um governo que consistentemente produza algo diferente disso é como querer o contraditório, o impossível e, portanto, além de ingênuo, é um desejo destrutivo.

*Sobre o autor: Sidney Sylvestre, economista, editor do blog depositode.blogspot.com.

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