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Precisamos encontrar um meio-termo
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Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal

Muitas medidas, tidas como excessivas, adotadas por alguns governadores têm gerado controvérsias e acaloradas discussões nas redes. Um dos principais argumentos é o de que as quarentenas que estão sendo impostas, em especial no que concerne ao fechamento de negócios “não essenciais”, gerarão consequências econômicas que não estão sendo postas na balança. Devo dizer que entendo essas medidas restritivas serem adotadas no primeiro momento, por um curto prazo de tempo, e como forma de se frear a velocidade de contaminação ao mesmo tempo em que decidem o que fazer daqui para a frente. Só que esse “o que fazer” não pode ser, como tentarei demonstrar, manter tudo fechado por meses a fio.

Como eu disse, entendo a tática de se ganhar tempo, ainda que seja com a adoção de medidas consideras draconianas. A coisa poderia ser diferente se tivesse havido uma coordenação prévia entre governo federal e os governadores, antevendo o que poderia estar por vir e buscando uma estratégia de ação comum, antes mesmo de termos tido o primeiro caso confirmado. Como não houve essa coordenação – o presidente não só menosprezou reiteradamente o impacto do vírus como chegou a romper o isolamento e se juntar a uma manifestação – e a coisa começou a gerar maior preocupação de uns dias para cá, especialmente após a OMS declarar que o coronavírus é uma pandemia, é compreensível por que cada estado seguiu cada qual sua linha de ação, ainda que adotando medidas que podem se provar equivocadas no futuro. Não é uma posição fácil para os governadores, seja porque esta é uma crise sem precedentes – ao menos recentes –, seja porque o crescimento exponencial do contágio, que pode ser observado em outros países, desenha um cenário aterrador em que lutamos contra o tempo. Nenhum governador quer um grande número de vítimas em seus territórios, e pouco importam aqui considerações sobre se suas motivações são políticas ou humanas. A acusação de que estão  respondendo à histeria e sucumbindo a um certo “populismo” não parece ser justa, e posso assegurar que pelo menos no caso do meu estado, Santa Catarina, não condiz com a realidade, pois o governo passou a adotar tais medidas antes mesmo que a população entrasse em “pânico” e não o contrário.

Ocorre que há uma face oculta nessas medidas, algo que impede que elas possam ser prolongadas por meses, como querem alguns. Muitas pessoas estão reagindo às preocupações com os impactos econômicos de um lockdown como se esta fosse uma preocupação trivial e mesquinha de ricos que estariam preocupados com o preço de suas ações na bolsa. Nada mais desconectado da realidade. As bolsas de valores se recuperarão no longo prazo, como sempre aconteceu, mas não se trata disso. Pensemos, antes de tudo, nas consequências e impedimentos imediatos da campanha para que as pessoas fiquem em casa. Importante dizer que quem pode ficar em casa deve ficar mesmo, mas essa não é a realidade para muitos. Segundo dados da Pnad Contínua para 2019, atualmente 41,1% da força de trabalho no país é constituída por trabalhadores informais. São 38,4 milhões de pessoas, incluindo trabalhadores autônomos, que trabalham sem carteira assinada. Tenham ainda em mente que a maior parte dos brasileiros não possui nenhum tipo de reserva financeira. O dado mais recente que encontrei a respeito foi uma pesquisa do Banco Mundial baseada em 2017, ano no qual apenas 14,5% dos brasileiros pouparam dinheiro em alguma instituição financeira. Considerem ainda que o desemprego médio foi de 11,9% no ano passado, representando 12,6 milhões de desempregados. Se somarmos os dois grupos (informais + desempregados), temos 51 milhões de pessoas. Portanto, há milhões de brasileiros que não serão atingidos por nenhum programa que vise a manter a empregabilidade dos formais e que não podem se dar ao luxo de parar nem por algumas semanas, que dirá por meses.

O problema não para por aí. Ainda que todos os estados que fecharam comércios, mantendo apenas os serviços essenciais, decretassem a reabertura de tudo hoje, nós com certeza teríamos, no mínimo, alguns milhares acrescidos às fileiras do desemprego. Porém, se adotarmos no país ou na maior parte dos estados a estratégia do lockdown, condenaremos milhões de empresas à falência e milhões de pessoas ao desemprego. Novamente, se você está pensando em grandes conglomerados econômicos, reconsidere. De acordo com o Sebrae, com base em dados atualizados no dia 11 deste mês, há 19.209.508 empresas ativas no Brasil. Dentro desse número, apenas o MEI (Microempreendedor Individual) representa 9.795.497, ou 51% do total. Se somarmos as microempresas (ME) ao MEI, temos um total de 16.379.660, ou 85% do total. Se formos além e acrescentarmos a isso as empresas de pequeno porte (EPP), temos 17.275.432, ou 90% do total. Podemos constatar, portanto, que o maior número de empresas e as que mais geram empregos são justamente as de menor porte e, portanto, as mais frágeis e as primeiras a sucumbir num cenário em que fossem em sua maioria impedidas de funcionar.

Sim, é verdade que essas empresas e esses trabalhadores serão inevitavelmente afetados pela pandemia, afinal, ainda que a economia continue funcionando normalmente, as pessoas estarão comprando menos no intuito de evitar aglomerações. Um fechamento completo, ou quase completo, da atividade econômica, no entanto, geraria efeitos muito mais brutais e incomparáveis. Diante disso, o governo federal e vários governos estaduais já anunciaram medidas de estímulo à economia e de auxílios financeiros aos mais vulneráveis. As medidas são positivas, mas insuficientes se tivermos que manter tudo fechado por meses. Se elas seriam insuficientes hoje, seriam cada vez mais na medida em que o fechamento se prolongasse, e aqui está o outro efeito nefasto e oculto dessa estratégia. Com a redução da atividade econômica temos também uma redução da arrecadação. Manter tudo que não for “essencial” fechado por meses faria a arrecadação despencar a níveis inéditos, limitando a própria capacidade do governo de auxiliar as empresas e famílias. Não só isso, ficaria limitada a capacidade do governo em fazer qualquer gasto ou investimento após a pandemia, o que inclui gastos em saúde – as pessoas continuariam morrendo por outras razões, além do coronavírus, e precisariam de atendimento. A solução seria o caminho do endividamento, mas considerem que, como já estamos falando de um cenário de crise econômica, o governo encontraria dificuldades para captar recursos, tendo que aumentar vertiginosamente a taxa de juros para tal, com efeitos ainda mais recessivos em uma economia que já estaria recessiva. A outra opção seria a impressão de dinheiro, com consequências tão desastrosas quanto.

Voltando à questão inicial, manter as coisas fechadas por alguns dias vai gerar consequências adversas, mas mais fáceis de os governos estaduais e federal tentarem remediar. Prolongar esse fechamento traria consequências que fugiriam à capacidade dos governos de remediar, em especial nos estados que já se encontram em grande fragilidade fiscal. Nesse sentido, muitas promessas podem ser feitas, mas há que se duvidar que serão cumpridas.

Pensar que temos de optar entre saúde e economia é uma ilusão, porque essa opção não existe. Se países de primeiro mundo já têm capacidade duvidosa de lidar com um fechamento geral que dure meses, a capacidade do Brasil é zero. Diante disso já surgem frases de efeito nas redes como “Falido se recupera, falecido não”. Com a devida vênia, é algo fácil de ser dito por quem tem sua renda garantida (por enquanto) ou por quem tem reservas suficientes para passar meses sem trabalhar. Como vimos, essa não é a situação de milhões de brasileiros, e para estes morrer de fome também não é uma opção. Dito de outra forma, se tiverem que escolher entre a certeza da fome e o risco do vírus, optarão pelo risco do vírus, e aí seria necessário mobilizar um estado de polícia para coagir os “desobedientes”. Tanto isso é verdade que o país que mais está sendo citado como um caso de “sucesso” por causa da supressão que praticou é a China, país que possui um aparato ditatorial a seu dispor e que praticou um lockdown um tanto quanto draconiano. Felizmente, vivemos numa democracia. Considerem ainda que, sendo essa a opção, os saques e conflitos violentos seriam questão de tempo.

Não estou falando isso para dizer que tudo deve continuar normal e que devemos ignorar e não fazer nada diante da propagação do vírus, pois isso também não é uma opção. Levanto essas questões, pois elas precisam ser consideradas no processo decisório de nossos governantes, bem como precisam ser informadas aos cidadãos, que também devem decidir que tipo de política cobrarão destes governantes. Os médicos, naturalmente, tendem a ver a coisa pelo aspecto sanitário e recomendar o isolamento mais drástico, mas pela própria natureza do seu trabalho não vão conseguir pesar outros fatores. Os economistas, por sua vez, podem pesar os danos econômicos, mas também acabar menosprezando a questão sanitária, que foge de sua seara. Os profissionais do direito podem analisar a coisa pelo aspecto jurídico e questionar a legalidade de alguns decretos municipais e estaduais. O ponto é: há diferentes visões a serem consideradas, e a adesão cega a qualquer uma delas seria extremamente danosa. Cada decisão tomada agora terá consequências e é preciso considerar essas consequências ao invés de aderir um imediatismo absoluto que não consegue responder o que vem depois.

Acredito que teremos que adotar um “meio-termo”. O ideal é conseguir testar o maior número de pessoas possíveis e isolar aqueles que têm o vírus, com suas famílias, de modo que os demais possam continuar levando suas vidas normalmente, ou a nova versão disso. Independente disso, é preciso isolar os que estão em grupo de risco. O Ministério da Saúde anunciou a compra de 10 milhões de testes rápidos, que apresentam o resultado em minutos. É uma ajuda, mas considero um número muito baixo. Se queremos evitar fechamentos prolongados, devemos ter à nossa disposição um número esmagadoramente maior de testes rápidos e testar o maior número possível de pessoas. A maior parte das pessoas pode se recuperar no isolamento, sem necessidade de internação, e um diagnóstico precoce ajudaria a evitar a propagação do vírus, o que daria mais fôlego para nossos hospitais e UTIs. Também é necessária a coordenação imediata entre governo federal e governos estaduais – não há espaço para disputas políticas. O governo federal já demonstrou preocupação com a paralisação da economia, então compete a ele apresentar alternativas e compor com os governadores alternativas menos “draconianas”, que consigam frear a propagação do vírus sem destruir nossa economia e condenar milhões à pobreza.

Um “meio-termo” que permitisse a abertura das empresas, ainda que com horários reduzidos e/ou com capacidade reduzida, apesar de ruim, seria melhor que o fechamento completo. Alguns negócios, pela sua própria natureza, não têm como realmente funcionar agora. O setor de turismo ficará fragilizado, mas permitir viagens turísticas agora não é uma opção. Também será inevitável o fechamento de qualquer coisa que represente aglomerações, logo, eventos como shows, por exemplo, não terão condições de acontecer. O ponto é: nossas soluções devem pesar os danos e trabalhar para reduzi-los ao máximo “possível”. Adotando essa estratégica, de redução de danos, aí os governos podem se concentrar em auxiliar aqueles setores mais fragilizados, ao invés de terem a tarefa, impossível, de salvar a economia como um todo. Ilude-se quem pensa que o Brasil aguenta fechar quase tudo por meses. Ilude-se quem pensa que será possível continuar tudo “normal” pelos próximos meses, sem nenhuma alteração significativa na economia. Busquemos um meio-termo que não mate o paciente para curar a doença.

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