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 | Gustavo Sguissardi/
| Foto: Gustavo Sguissardi/

Na sala da casa da psicóloga Maria Angela Monteiro Raio, a bolsa estampada com o rosto de Marilyn Monroe sobre uma cadeirinha de madeira e palha é a materialização da saudade. Era naquele lugar que sua melhor amiga, a também psicóloga Cleia Oliveira Cunha – falecida em novembro deste ano, aos 65 anos – sempre se sentava quando ia à sua casa, em geral nos almoços de domingo. Mas não é apenas esse vazio que Cleia deixa. Especialista pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Marginalidade na área da Infância e Adolescência, deixa também uma cadeira na luta pelos direitos humanos.

Conselheira eleita do Conselho Federal de Psicologia na gestão de 2017 a 2019, não conseguiu finalizar seu trabalho no órgão, mas se tornou especialista nas áreas Jurídica e Social pelo Conselho. Em seus quase 40 anos de trajetória na psicologia social e clínica, deixou um legado em prol das pessoas em vulnerabilidade.

Ajudou a escrever e disseminar o Estatuto da Criança e do Adolescente, elaborou o projeto e coordenou a parte técnica do Núcleo de Orientação e Atendimento a Dependentes Químicos (Noad). Além de presidente do Conselho Regional de Psicologia do Paraná entre 2013 e 2016, foi coordenadora da Comissão de Direitos Humanos na instituição por dez anos. Teve formação em Terapia Familiar e de Casal e foi assessora técnica e palestrante em políticas públicas, nas áreas da criança e adolescente, família e assistência social.

Essas são apenas algumas das marcas profundas que a profissional deixa para as futuras gerações. Apesar da personalidade contestadora e da concretude de sua luta pela justiça social, era calma, conciliadora, perspicaz e generosa no trato dos desafios, tanto profissionais quanto pessoais. Maria Angela lembra que as duas trocavam cuidados, ela com a saúde física da amiga, e Cleia com conselhos, em que ela frequentemente pedia serenidade. Pela similaridade no trabalho – as duas se formaram juntas na Universidade Tuiuti do Paraná e clinicavam – as trocas profissionais eram constantes, porém não isoladas. “Era uma troca de vida. Ela me ajudava a entender situações de vida, era inabalável esse vínculo que a gente tinha”, relembra Maria Angela.

Mesmo nas divergências, as duas se entendiam e se protegiam. Cleia não gostava de cozinhar, mas sempre que estava na companhia de Maria Angela, uma apaixonada pela culinária, quando esta colocava a mão na massa, dava pitacos que, estranhamente, sempre funcionavam. A estima entre as duas era tanta que nem os temperos escapavam do cuidado. Cleia não gostava nada de alho, e por isso sempre ganhava refeições sem o ingrediente, feitas especialmente para ela.

A mulher miúda que era fisicamente não representava em nada seu interior forte e guerreiro. A paixão pela defesa das pessoas se manifestou desde cedo, quando assumiu, logo depois de formada, a coordenação de um educandário para crianças em situação de vulnerabilidade. Com diálogo, articulação e envolvimento, operou milagres com o baixo orçamento de que dispunha. Realizou campanhas com a comunidade para arrecadar alimentos para as crianças e mudou a realidade das casas-lares, permitindo que os pais sociais dessem atenção individualizada aos menores.

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