Santiago aparece como o primeiro destino nacional que os brasileiros querem visitar no fim do ano, e nem a onda de protestos e a questão política e econômica do país nas últimas semanas mudou essa realidade. Depois do "caos", a situação começa a se normalizar na capital do Chile.
A Subsecretaria de Turismo do Chile e o Serviço Nacional de Turismo (Sernatur), informaram na última sexta-feira (23) que a atividade turística segue operando em grande parte do país. Segundo comunicado, os destinos mais visitados estão recebendo turistas normalmente, incluindo San Pedro de Atacama, Vale do Elqui, Rapa Nui (Ilha de Páscoa), Ilha Juan Fernández, Patagônia Chilena e Parque Nacional Torres del Paine.
O transporte público está gradualmente retomando sua operação normal, com a abertura da maioria das estações de metrô, enquanto o comércio segue funcionando parcialmente. O Aeroporto Internacional Arturo Merino Benítez, em Santiago, segue com operação regular, e as companhias aéreas que tiveram alterações e cancelamentos durante a semana já estão retomando a programação de seus voos.
De qualquer forma, quem está com viagem marcada, é recomendável entrar em contato com os Escritórios de Informação Turística em caso de dúvidas, usar táxis oficiais nos aeroportos e contratar serviços turísticos legais e registrados no Sernatur, como sugere o comunicado oficial do órgão.
Por que visitar?
Mesmo com a situação do país, passagens mais baratas, rotas diretas e uma cidade que brilha aos olhos dos brasileiros pela proximidade e beleza fazem de Santiago do Chile um destino incrível e indispensável. A jornalista Mariana Ceccon foi passar uns dias por lá - antes dos protestos - e dá dicas valiosas para aproveitar a cidade sem carro. Acompanhe:
Com cinco linhas de metrô – somente a central tem 27 paradas diferentes – parecia um ultraje alugar um carro para passear por Santiago, a seca capital chilena. Hospedada a 500 metros de um dos principais pontos turísticos da cidade, o Cerro Santa Lucía, o convite para as caminhadas pareciam ainda mais tentadores.
O orçamento apertado, os diversos avisos para tomar cuidado com golpes financeiros dentro de táxis e a falta de internet móvel para chamar motoristas por aplicativo, completaram os ingredientes que resultaram em um roteiro de 53 quilômetros percorridos a pé, durante sete dias, visitando não só a capital do Chile, como também as litorâneas Viña del Mar e Valparaíso, além da região montanhosa Cajon del Maipo.
O número assusta, mas garanto que é possível sobreviver. Não sou nenhuma atleta e detesto correr. É que a cidade convida você a passear com calma. Caminhar me proporcionou conhecer cada cantinho de Santiago, no meu tempo, além de me deixar mergulhar de fato, (com o perdão do clichê), na cultura local.
Não imagine, no entanto, que por estar sem um transporte fixo, perdi algum atrativo. Pelo contrário. Munida de um bom tênis e protetor solar, visitei no começo de outubro, além dos destinos já citados, oito bairros, dois vales, duas vinícolas e dois morros urbanos. Tudo isso com um orçamento de R$ 2 mil por pessoa, levando em consideração a hospedagem, alimentação, passeios e é claro, o transporte. O detalhe de cada dia eu conto aqui embaixo:
1º dia – Reconhecimento
Como cheguei em um voo madrugueiro, aproveitei a manhã para trocar dinheiro na popular Rua Agostinas e abastecer a geladeira do apartamento, que aluguei para passar a semana. Na sacolinha, itens para café da manhã, alguns lanches noturnos, além, é claro, do vinho-- bebida marca registrada do país.
Para não dizer que não falei das flores, fui também a pé até o Mercado Central provar frutos do mar do Pacífico. O espaço fica distante dois quilômetros de minha base. Mesmo sabendo que a atração pode ser uma grande armadilha turística, não me arrependi. A degustação foi um bom cartão de visitas e ajudou a garantir, já no meio da tarde, quase cinco quilômetros percorridos nas primeiras horas de reconhecimento.
Do Mercado Central, entrei no ponto de metrô ao lado e segui para a primeira vinícola, a Undurraga. A locomoção foi feita inteiramente por transporte público e custou cerca de R$ 10 por pessoa. De metrô, segui até a Estação Central e de lá, com um ônibus metropolitano em direção a Talagante.
O motorista nos deixou na frente de uma das vinícolas mais antigas do Chile, inaugurada em 1885. O tour com explicações técnicas sobre a produção e a degustação dos vinhos, no entanto é um pouco mais salgado. Provar quatro rótulos, conhecer uma sala de distinção de aromas e passear pelas instalações do local sai pouco mais de R$ 90 por pessoa.
2° dia – Litoral
Vinã del Mar
Como o primeiro dia havia sido relativamente leve resolvi me aventurar até o litoral. De metrô até a estação Pajaritos, comprei uma passagem de ônibus (R$ 40) até Viña del Mar, conhecida por ser a cidade litorânea preferida dos santiaguinos. No trajeto, não durma. Você poderá ver pela janela boa parte do Vale Casablanca, onde estão vinícolas reconhecidas como Emiliana e Indómita.
Como não havia contratado nenhum guia previamente, pesquisei os principais pontos turísticos de Viña del Mar e montei nosso próprio roteiro de visitas. Descendo na rodoviária da cidade, a caminhada é de cerca de um quilômetro até o Museu Fonck. É necessário andar outro quilômetro até a beira mar, até o excelente Tierra de Fuego, para almoçar.
Depois da parada, é necessário coragem para caminhar pelo calçadão até o cassino da cidade e esticar até o relógio de flores, ponto paisagístico mais famoso de Viña. São mais dois quilômetros para alcançar esses dois marcos. Esgotando os principais atrativos da pequena cidade, foi necessário caminhar outros 800 metros até a estação de metrô mais próxima com a intenção de pegar o transporte até a cidade portuária vizinha, Valparaíso, conhecida por seus morros coloridos e por ter sido declarada Patrimônio da Humanidade da Unesco, em 2003.
Valparaíso
Dada a importância histórica da cidade aderi a uma das minhas modalidades preferidas de exploração de centros urbanos, os free walking tours (caminhadas gratuitas). Funciona mais ou menos assim: com guias locais voluntários-- geralmente estudantes de turismo-- os interessados partem em caminhadas por todos os pontos históricos, degustam iguarias locais, são apresentados a artesanato, bares e outras referências culturais. Ao final, os guias pedem que sejam feitas contribuições ao projeto, de acordo com a qualidade do passeio. É muito democrático e nada invasivo.
Em Valparaíso, os tours são diários e saem às 9h e às 16h, da Praça Aníbal Pinto. O passeio dura pouco mais de 3 horas e percorre os icônicos murais, os elevadores, escadarias coloridas, palácios governamentais, monumentos, praças, restaurantes, cafés e até padarias. É imperdível e até mesmo desaconselhável visitar Valparaíso sem ter um chileno ao seu lado. No final do tour, pegamos um micro-ônibus público que nos deixou na rodoviária de Valparaíso. A passagem de volta custou menos do R$ 20. O saldo da caminhada deste dia ultrapassou os 13 quilômetros, mas valeu cada passo dado.
3º dia – Museus
Aproveitando que a entrada nos museus chilenos, no primeiro domingo do mês, é gratuita, reservei o terceiro dia para as atividades culturais. De metrô até o bairro Yungay tirei a manhã para visitar o Museu da Memória e Direitos Humanos, o Parque Quinta Normal e o Museu de História Natural, um do lado do outro.
Ainda curtindo o ritmo de domingo a dica é caminhar pouco mais de 1,3 quilômetros pelo bairro, para ver a feira local no Parque Portales, no início da Rua Agostinas. A experiência é única e serve como uma prova de como funciona o comércio de final de semana e a venda de usados. Não espere encontrar artesanato. A feira funciona como um verdadeiro brechó a céu aberto onde é possível comprar desde um secador de cabelo até colchões. A parada para o almoço foi no restaurante Los Vikingos, de inspiração nórdica.
Bem abastecida, de metrô segui até a estação Baquedano, ponto mais próximo da casa do escritor nobel Pablo Neruda. É mais um quilômetro de caminhada até La Chascona, que vale a visita, nem que seja para ficar do lado de fora. Por ser um museu particular, não há gratuidade no ticket, que custa cerca de R$ 40.
Valendo-se da proximidade com o Parque Florestal e com o Museu de Bellas Artes, seguimos o dia de visitas culturais. Também entrou na conta o Museu de Artes Visuais, localizado na região Lastarria. Com a esticada final até o apartamento e uma parada para o sorvete, o saldo do dia fica próximo dos 7,5 quilômetros.
4º dia - Andes
Visitar as montanhas andinas é um programa tipicamente de inverno. Lá os turistas encontram as desejadas estações de esqui. Na baixa temporada, no entanto, também existem destinos que valem o investimento. É o caso das termas na região do Cajon del Maipo. Valendo-se da falta de neve-- que impede o trânsito mais próximo do vulcão San Jose-- as termas podem ser visitadas apenas na primavera e verão.
No outono, dependendo das condições, o caminho fica interditado. É possível ir até os vilarejos mais próximos (San Jose ou San Gabriel) de ônibus e de lá seguir com um ônibus de linha até Baños Morales, primeira área de termas da região. Se não houver previsão alguma de neve, também é possível ir por conta própria, com carro locado. Mas atenção! O trajeto não é asfaltado e também não é muito bem sinalizado.
Decidi não arriscar e contratei uma empresa privada para fazer o passeio, por cerca de R$ 200 por pessoa. O custo envolve a viagem em van compartilhada, de mais de 90 quilômetros até as Termas Valle de Colina, além de um pequeno piquenique aos pés do vulcão e a entrada na área de banho. As termas são sete piscinas aquecidas naturalmente, cujas temperaturas variam entre 20°C e 70°C.
Para quem quiser fugir dos restaurantes tipicamente turísticos, a dica é levar um lanche reforçado. Também não esqueça a máquina fotográfica (ou o celular potente), a paisagem é deslumbrante.
5º dia – Santiago histórica
Este trajeto também poderia ter sido feito no primeiro dia e vale a pena para se ambientar. Como já disse, sou fã dos walking tours e em Santiago as caminhadas gratuitas saem da Plaza de Armas, todos os dias às 10h ou às 15h. O trajeto completo é de cerca de 5,5 quilômetros passando por toda Santiago histórica, bairro Bellavista e encerra no pé do Cerro San Cristóbal.
Caminhar com o guia faz toda a diferença. Além de contar os principais momentos políticos e financeiros do país, o profissional também detalhou os terremotos e onde ele mesmo estava, em cada um dos abalos. Outra vantagem do passeio foi receber indicação de bares e restaurantes locais que se provaram verdadeiras dádivas.
Foi o caso do Chipe Libre, onde provamos drinks típicos preparados com excelência, inclusive o pisco sour.
Outra boa jogada do tour foi descobrir onde os santiaguinos de fato, fazem compras. Graças à indicação do guia, encerramos o tour e caminhamos até o La Veja Central, um espaço de comércio de sucos, frutas e outros produtos frescos, conduzindo em sua maioria por imigrantes. O local fica a poucos metros do Mercado Central, atravessando a ponte do Rio Mapocho.
Como a ideia do dia era fazer uma degustação típica caminhamos outros bons metros até o restaurante La Piojera para provar um drink tradicional, o terremoto. A bebida é doce, leva sorvete de abacaxi, um fermentado de ervas e vinho branco. Para o almoço caminhamos mais sete quadras até a Estación Monjitas, onde são servidas as tradicionais empanadas chilenas.
Fechando a tarde e já no caminho de volta, resolvemos encarar a subida do Cerro Santa Lucía, um passeio de estilo europeu, onde se pode ter uma bela vista da cidade. Se tiver pernas, a subida até o topo pode ser feita usando diversas combinações de escadas. É quase um labirinto vertical.
Já a noite, a caminhada noturna foi de dois quilômetros para ir e voltar do jantar, no Bocanariz, um wine bar na região do bairro Bellavista. Assim, totalizando 15 suados quilômetros quase inteiramente dedicados a gastronomia.
Sexto dia - Paisagens
Concorrida, a vinícola Concha y Toro não vê baixa temporada e está sempre lotada de turistas. A boa notícia é que os tours saem de hora em hora e tem até versão em português, graças a popularidade dos vinhos também no exterior. Assim como na Undurraga, é fácil e barato chegar na Concha y Toro com transporte público, menos de R$ 9. Basta ir até a estação Las Mercedes e de lá pegar um micro-ônibus até a porta da vinícola. A viagem dura pouco mais de 1 hora e há muitos fiscais para quem se pode pedir informação.
Dentro da vinícola é necessário também fazer uma leve caminhada, que mal dá para sentir graças à degustação de três rótulos da marca responsável por mais de um terço de toda a exportação de vinhos chilena. O tour tradicional custa pouco mais de R$ 90. A vinícola também tem um bom restaurante que serve alguns rótulos que não são encontrados nas gôndolas dos supermercados. Para quem gosta de vinhos e gastronomia, vale o custo-benefício.
Voltando de metrô fiz uma parada na estação Tobalala para caminhar quase dois quilômetros até o teleférico do Cerro San Cristóbal, uma das vistas mais altas de Santiago. No topo do morro urbano é necessário subir mais algumas escadas até o monumento em homenagem a Virgem Imaculada Conceição. Aqui recomendo que tire alguns minutos para observar a cidade de todos os ângulos e o por do sol.
Para descer, usei o funicular e poupei as pernas. No entanto há aqueles que se aventuram descendo a pé e aproveitando o Parque Metropolitano de Santiago, o maior do Chile. Até o apartamento, a esticada consumiu mais dois quilômetros.
7º dia – Compras
Dia de voltar para casa, arrumar as malas e fazer as últimas compras. Depois de fechar o apartamento seguimos até um hostel, na região El Golf (parte de metrô e parte a pé) para deixarmos as malas. A hospedagem duraria até o início da madrugada quando peguei uma van compartilhada até o aeroporto, mesmo transporte escolhido na chegada. Depois de acomodados, a pernada final foi até o Costanera Center, o shopping mais popular da cidade.
Conhecido por ser um bom ponto para compra de vinhos, cosméticos e outros itens de grife, o Costanera também abriga o mirante Sky Costanera, no 61º andar. O espaço moderno está a uma altura de 300 metros e oferece binóculos e o que promete ser o melhor por do sol de Santiago. Para quem está com o orçamento curto, a vista concorrente e mais barata é a do Cerro San Cristóbal. Para quem é fã de fotos, altura e paisagens o Sky Costanera cobra cerca de R$ 85 por pessoa para apreciar a vista.
Para aqueles que estão carregados com compras, pode ser uma boa ideia aproveitar o wifi do shopping para pedir um motorista por aplicativo. Vi muitos turistas fazendo isso. Como eu já tinha comprado a ideia de não usar carro e não quis estragar a meta, caminhei meu último quilômetro com minhas garrafas de vinho, embaixo do braço.
Não se convenceu a andar a pé? Posso te fisgar pelo bolso. Pelas minhas contas, se tivesse usado o táxi para percorrer todo esse caminho o custo seria de quase R$ 500. Para quem viaja sozinho ou em dupla, a economia é boa. No caso das viagens com transporte público a vantagem fica ainda mais visível. Se fosse levar em consideração o trajeto particular até as vinícolas e o litoral, o acréscimo seria de mais R$ 300 por viajante.
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