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Capacete: se lei for aprovada, falta de placa pode causar multa de R$ 500. | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Capacete: se lei for aprovada, falta de placa pode causar multa de R$ 500.| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Depoimento

Uma medida que está dando certo

Aline Peres, repórter

Para quem desrespeita a lei de trânsito, conseguir 20 pontos na carteira é fácil, fácil. Basta ignorar todas as normas aprendidas na auto escola. Via de regra, jamais dá para dizer que uma carteira foi suspensa por falta de conhecimento do condutor.

Recentemente, fui obrigada a passar pelo curso de reciclagem. Não por minha culpa, mas do meu marido. Como o carro da família está em meu nome, herdei os pontos dele (deveria tê-lo apresentado como o condutor infrator, como manda a lei, mas não o fiz). Uma realidade que percebi não ser só minha. Dos 25 participantes reunidos no fim de semana que participei da reciclagem, dez alegaram estar assistindo às aulas por causa de terceiros. Do restante do grupo, quatro motociclistas respondiam por rodar com a viseira do capacete aberta.

Entre teorias e dinâmicas – que passaram por temas como sinais de trânsito, regras de tráfego, primeiros socorros, relacionamento interpessoal –, no último dia, em plena tarde ensolarada de domingo, o grupo enfrenta o desafio de sugerir mudanças na legislação. E se alguém imagina que as sugestões seriam para diminuir o rigor das punições está redondamente enganado. Entre quatro artigos apontados, todos disseram que a pena poderia ser mais severa. Dirigir falando ao celular, por exemplo, na opinião do grupo, deveria deixar de ser infração média, para se tornar grave. É por isso que hoje defendo: curso de reciclagem para todos os motoristas que precisam renovar a carteira de habilitação.

  • Veja o número total de multas aplicadas nos primeiros semestres de 2009 e 2010

TrânsitoTarde de uma segunda-feira, cruzamento das avenidas Marechal Deodoro e Marechal Floriano Peixoto, no Centro de Curitiba. Em 15 minutos, 161 motociclistas passam pelo local e, se fosse aplicado o rigor do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), 124 deles, ou 77% do total, teriam a habilitação suspensa. Esse foi o total de condutores de motos flagrados pela reportagem da Gazeta do Povo, neste curto espaço de tempo, trafegando pelo local com a viseira do capacete levantada – uma das 17 infrações que resultam na suspensão automática da carteira, segundo o CTB.A infração é a campeã no ranking do Detran do Paraná entre as ações que provocam suspensão automática da CNH. Somente no primeiro semestre deste ano, foram 3.463 carteiras de habilitação suspensas por esse motivo. Na sequência, aparecem o uso de veículo para demonstrar manobra perigosa, com 2.174 motoristas multados; e dirigir sob influência de álcool ou entorpecentes, com 2.032. Entre as 10.957 carteiras suspensas no estado, no período, 69,7% do total foram por esses três motivos.

Os números não incluem as suspensões decorrentes do acúmulo de pontos. Elas ocorrem quando os motoristas cometem infrações de menor gravidade e têm a habilitação suspensa ao completarem 20 pontos.

Gravidade

O ato de suspensão é o mesmo para os 17 artigos do CTB que preveem a perda automática do direito de dirigir. O que varia é o valor da multa e o tempo que o condutor fica proibido de conduzir o veículo. No caso da direção sob influência do álcool, infração considerada mais grave, o valor da multa é de R$ 957,70. Além disso, o carro só é liberado para um condutor habilitado e o período de retenção da CNH é de 12 meses. Já as infrações que dizem respeito à demonstração de manobra perigosa e à condução de motocicleta sem capacete e sem o uso da viseira determinam a cobrança de multa de R$ 191,54, com o prazo de retenção da carteira variando entre um e três meses.

Segundo a coordenadora de Habilitação do Detran do Paraná, Maria Aparecida Farias, a partir do recebimento da notificação, o condutor pode entrar com a defesa. Em caso de negativa, é preciso entregar a CNH e agendar o curso de reciclagem. Até o mês de agosto, 12.920 pessoas passaram pela reciclagem no estado.

A severidade da punição provoca controvérsias e não só entre os multados. Para o advogado e consultor de trânsito Marcelo Araújo, a dificuldade maior é a definição de critérios. Ele diz que em muitas situações há subjetividade na avaliação do agente e cita como exemplo os casos de pessoas multadas próximo ao Hospital Evangélico. No local há uma rotatória e é comum que os carros entrem derrapando, mas sem causar danos a terceiros. "Neste caso, o agente tem que ver o que é ou não razoável", comenta. Quanto à falta do uso da viseira, Araújo defende que a responsabilidade de não usá-la é do condutor, já que o ônus de receber um detrito no olho é dele.

Queda

Entre as três infrações que mais produziram suspensão automática da CNH no primeiro semestre deste ano, somente dirigir sob efeito de álcool ou entorpecentes teve um aumento expressivo – 23% –, em relação ao mesmo período de 2009. A multa por manobra perigosa teve crescimento de 3,3% e o total de motoristas punidos por uso do capacete com a viseira levantada sofreu queda de 17,5%.

Para o advogado Marcelo Araújo, os números podem ser um sinal de que haja uma atenção maior dos agentes de trânsito para alguns tipos de infração consideradas mais graves, como dirigir sob efeito de álcool. A coordenadora de Educação para o Trânsito do Detran do Paraná, Maria Helena Gusso Mattos, afirma que, com relação ao álcool, o número de participantes dos cursos de reciclagem realmente foi maior no ano passado, com 28.505 aprovados. Isso seria reflexo do acidente envolvendo o deputado Carli Filho, em 2009, em que dois jovens morreram.

Na época do acidente, o deputado não deveria estar dirigindo, pois somava 130 pontos na CNH. Ele não era o único nessa situação, porém. Milhares de motoristas que estavam com a carteira suspensa, mas que não a haviam entregue ao Detran, começaram a procurar o órgão na época, diante da pressão do governo, que ameaçava até prender quem não entregasse o documento.

Para o tenente Silvio Cor­deiro, do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), há outro fator que explica o aumento no volume de notificações. "É uma consequência direta das fiscalizações frequentes que são feitas nas ruas da cidade. Desde 2009, são realizadas duas miniblitzes diariamente em Curitiba, além das operações padrões", informa.

Multados dizem que "estresse" causa deslizes

Um passeio pelo litoral do estado rendeu ao auxiliar de expedição Alessandro Gonçalves Ribeiro, 27 anos, um ano sem carteira de habilitação. No carnaval de 2009, Ribeiro foi pego em uma blitz na saída da balsa em Guaratuba. Pouco tempo antes, tinha ingerido algumas latinhas de cerveja com amigos. O teste do bafômetro acusou 0,5 de álcool e a suspensão imediata do direito de dirigir.

Ribeiro recebeu a notificação em casa. Recorreu, mas resolveu entregar a CNH no Detran. O curso de reciclagem foi marcado para o início do mês de agosto. "Achei que ia ser uma punição, mas foi muito bom porque relembrei coisas que já tinha esquecido."

Mas nem todos concordam com a punição. Para os motociclistas João e Marcelo (que não quiseram ter o nome completo publicado), a rotina estressante favorece infrações, que, na opinião deles, nem são tão graves assim. Os dois são motoboys e trabalham em uma empresa de entregas, no centro da cidade. Os deslocamentos têm de ser feitos em, no máximo, 20 minutos para fechar a meta de 15 entregas diárias. Pela pressa e pelo incômodo, eles confessam que nunca usam a viseira abaixada do capacete. "Quando está calor, fica fervendo lá dentro. Se está frio e chove, embaça e, por isso, não dá para enxergar", diz Marcelo.

A dupla tem consciência de que o uso do equipamento é obrigatório. Mas eles ficam surpresos ao saber que poderia também gerar suspensão imediata da carteira de habilitação. "Nossa! Já passei tantas vezes pelos guardinhas e nem sabia." Agora, mesmo sabendo do perigo de ficar no mínimo 30 dias sem poder trabalhar, eles admitem que vão manter a rotina. "Vamos contar com a sorte!", fala João, enquanto se prepara para uma nova entrega, e com a viseira do capacete levantada.

As duas formas de ver as punições só confirmam a visão da psicóloga Maria Cristina Ribeiro sobre o assunto. Para a educadora de trânsito, a personalidade do condutor é um fator importante. O ato de transgredir muitas vezes vem de casa, quando o pai ou o responsável permite que o filho menor vá até a esquina de carro, como exemplo. "O pai sabe que está errado, que o filho pode causar um acidente, mas imagina que nada vai acontecer."

O trânsito estressa, ela admite. Porém, o que não concorda é que isso seja motivo para a falta de cidadania. Em horas limites é que o temperamento do condutor vem à tona. Ameaçar pedestres na via pública é um exemplo disso. "O motorista está estressado, tem um horário a cumprir, mas isso não é argumento para cometer delitos."

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Interatividade

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