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| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

Entrevista com Sandra Terena, jornalista e vice-presidente da ONG Aldeia Brasil.

Filha de pai índio e descendente da tribo Terena (interior de São Paulo), a jornalista Sandra Terena nasceu em Curitiba e é uma das poucas indígenas do Sul do país a concluir uma pós-graduação. A especialização em Comunicação Audiovisual foi concluída na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em 2008.

No Dia do Índio, a vice-presidente da ONG Aldeia Brasil, que também é autora do documentário Quebrando o Silêncio, sobre a prática do infanticídio, dá o seu ponto de vista sobre as questões indígenas no estado e no país. Ela espera que neste ano, quando o movimento indigenista lançado pelo marechal Rondon completa cem anos, represente o marco para uma nova relação entre as etnias no país.

Para Sandra, durante esses cem anos a sociedade e o governo lutaram pela integração indígena, mas é importante romper com essa ideia que até agora significou imposição. A jornalista defende que os povos indígenas tenham autonomia para decidir. Leia os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo:

O Brasil chegou ao centenário do indigenismo sem conseguir reformular o Estatuto do Índio, instituído na década de 1970. Quais são as mudanças mais necessárias?

Acho que 2010 poderia ser um marco. Deveríamos substituir a palavra "integração", que está no primeiro parágrafo do Estatuto do Índio, pela palavra "interação", que é mais democrática, no sentido de que a interação não impõe nada. Você tem a possibilidade de conhecer e ver como é a sociedade. E, se tiver interesse, você pode aceitar alguns dos fundamentos dela. Acho que não podemos impor nada, nem para a sociedade, nem para as comunidades indígenas. Espero que a comemoração do centenário neste ano faça com que as pessoas envolvidas com as questões do índio deem voz e escutem o que queremos falar. O Estatuto está passando por uma reformulação, já foram feitas várias consultas em diversas regiões do Brasil.

Neste ano ainda os índios paranaenses se mobilizaram em diversas regiões do estado para que o presidente da Funai, Már­cio Meira, revisasse o Decreto 7.056, assinado no fim de 2009, que retiraria o poder das unidades da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Paraná e as deixava subordinadas a uma coordenação em Santa Catarina. Como você vê a situação do índio no Paraná atualmente?

As aldeias indígenas aqui do Paraná estão bem articuladas. Nós temos grandes lideranças como o cacique Valdir, de Mangueirinha, que é muito respeitado. São todos de uma geração nova, que tem força política boa e estão servindo como referência para os mais jovens.

Você falou sobre a mudança do conceito de integração pelo conceito de interação. Como você acha que o índio pode contribuir com a sociedade através dessa interação?

O contato tem que ser natural. O que nós, povos indígenas, temos a acrescentar é em relação ao meio ambiente, ao consumo consciente dos recursos naturais. Uma coisa que é fácil de perceber numa aldeia: se você precisa pescar ou caçar, não vai fazer isso visando ao lucro, vai tirar só o necessário para sua sobrevivência. E desde pequenas as crianças aprendem sobre as plantas e frutas, aprendem a plantar e a cultivar, aprendem o cultivo da semente que é utilizada em artesanato.

E em relação ao poder público, o que você espera que seja feito neste ano de centenário do indigenismo? Quais são os incentivos de que o povo indígena precisa?

O índio ainda precisa ter mais acesso à educação, que hoje é bastante precário. Ainda são poucos os que conseguem chegar a uma universidade. Temos o vestibular indígena, que é uma boa oportunidade para que os jovens consigam ter um bom estudo. Nós recebemos uma bolsa para conseguirmos manter o estudo e isso é muito válido. As cotas devem existir por uma questão emergencial, mas a partir do momento que isso for caminhando e o trabalho a longo prazo for feito, o indígena deve competir de igual pra igual. É preciso incentivar a educação fundamental. Se fizermos um balanço geral dos cem anos do indigenismo no Brasil, desde o trabalho do Serviço de Proteção ao Índio até a Funai, vamos ver que a população indígena au­­mentou no mínimo seis vezes. E o que contribuiu para que isso ocorresse foram o saneamento, a vacinação e a demarcação de terra, que contribuíram para que os índios tivessem seu espaço para conviver em harmonia com o meio ambiente.

Quais seriam as medidas práticas para realizar a interação com a sociedade?

Passa tudo pela educação. Muitas políticas públicas que dizem respeito ao índio caminham sempre com morosidade, e isso acaba atrapalhando. É preciso ter ensino de qualidade para as crianças. Elas precisam aprender a língua, e a qualidade desse ensino precisa melhorar bastante. Tem casos de crianças que passam dois ou três anos no ensino fundamental e acabam reprovando porque não conseguem acompanhar. Tem professores que fazem curso de capacitação para atuar nas escolas dentro das aldeias, mas esse trabalho precisa ser sempre avaliado para ver se o ensino está cumprindo com a necessidade. A partir do momento em que você conhece a sociedade e passa a entendê-la da mesma forma que ela, você consegue discutir de igual para igual.

Em relação à preservação da cultura indígena, o que precisa ser feito para que ela não se perca e para que chegue até a sociedade?

Acho que antes de falar em cultura indígena é preciso preparar o branco para entender a cultura indígena. Porque ainda hoje, infelizmente, a gente percebe o preconceito em relação ao índio e à sua cultura. Nas escolas as crianças ainda aprendem que índio é aquela pessoa pelada, vestida de pena e a realidade não é essa. Temos aldeias, como no Alto Xingu, onde o pessoal vive em oca; mas aqui no Paraná, por exemplo, cada família tem sua casa de alvenaria nas aldeias. Nós vivemos num país de dimensões continentais. Aqui nós temos mais de 200 povos, línguas, hábitos alimentares e culturas diferentes. Embora haja o preconceito, a gente percebe que o povo brasileiro tem carinho pelo índio. Mas é preciso preparar a sociedade para entender nossa cultura e assim estar melhor preparada para nos ajudar. Assim vão entender que não precisam forçar nada. Basta entender que o índio é diferente e que é preciso respeitar a diferença para que a interação aconteça naturalmente.

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