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Contra a violência policial, cidadania

Paola Carriel

Quando policiais e jovens negros moradores da periferia são colocados lado a lado, o imaginário popular prevê que ali há tráfico de drogas, violência e tiroteio. Mas a or­­ga­­ni­­­­zação não-governamental (ONG) Afro­­reg­­gae mostra o impensável. Entre uma pa­­lestra para educadores de Lon­­dres e a gravação de um programa televisivo, o coordenador-executivo da ONG, José Junior, dá uma verdadeira lição a quem ainda acredita que segurança pública se resolve com mais armas e violência.

Há três anos um integrante do grupo foi baleado no pé com uma metralhadora disparada por um policial. Ao invés de criticar a corporação, Junior resolveu criar um programa para trabalhar cidadania e direitos humanos com policiais, denominado "Juventude e Polícia".

A ideia não vingou no Rio de Janeiro porque foi considerada ousada demais. Em Minas Gerais, o governo estadual abraçou a causa e hoje exporta os bons resultados.

Atualmente o programa permite que jovens da periferia sejam levados para dentro dos batalhões com o objetivo de dividir suas experiências com os policiais. Eles ensinam percussão, dança de rua, basquete, teatro e grafite. A convivência pacífica fez com que os preconceitos dos dois lados fossem quebrados. Os policiais deixaram de ver os jovens pobres e negros como alvo predileto e os garotos e ga­­rotas entenderam que seu ódio pela polícia não era justificado. "São situações dolorosas, porque no início todos revelam seus preconceitos, mas depois os resultados são surpreendentes", afirma Junior.

Outra pequena revolução é o projeto "Papo de Responsa", que consiste em unir um policial civil e um ex-traficante para conversar com crianças e adolescentes nas escolas. Eles relatam as experiências vividas com o narcotráfico e o cotidiano da vida no crime. Quando a palestra termina, o sonho dos meninos e meninas é um só: tornar-se policial.

Junior diz que o Afroreggae é um mediador de conflitos em uma guerra, porque é assim que ele considera a relação da polícia carioca com os traficantes. Nenhuma outra organização, nacional ou internacional, sobe o morro para fazer o diálogo entre essas duas pontes. "O Afroreggae é uma família. Esses dias convencemos um chefe do tráfico a abandonar o crime. Isso porque botamos o pé na lama. Quando começamos a trabalhar com policiais, muita gente nos criticou e hoje vemos enormes avanços." Para ele, a conquista de mais qualidade nas corporações só acontece com comprometimento dos governos estaduais. "Os estados têm de estar comprometidos. Caso contrário, não adianta."

Ampliação do efetivo; um mapeamento capaz de orientar a atuação da polícia nas regiões onde o policiamento realmente se faz necessário; parceria entre policiais e população; garantia de acesso à Justiça para vítimas e acusados; e desenvolvimento de uma cultura de paz. Essas são medidas fundamentais para que, na opinião de analistas do setor, o Brasil possa ter uma polícia eficiente e a população mais segurança.

Efetivo

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Paraná possui cerca de 16 mil policiais militares, quando a Lei Estadual n.º 9.224, de 1990, determina que fossem 20 mil. Nos cálculos do Sindicato das Classes Policiais do Estado do Paraná (Sinclapol), são cerca de 3 mil policiais civis, o que representa uma defasagem de 50%. "Sem policial, não se tem polícia", resume o presidente do Sinclapol, André Gutierrez. "Sem efetivo, a polícia acaba tendo uma carga muito grande de trabalho. Isso gera estresse e prejudica o atendimento à população", diz o coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê. Sem o contingente necessário, um mesmo delegado fica responsável por várias cidades, acumula-se trabalho para as equipes de investigação e a PM não consegue realizar o policiamento ostensivo da maneira desejada. A condição básica para se falar em segurança passa a não existir.

Acesso à Justiça

"A questão da Justiça costuma ser esquecida quando se fala em segurança pública. É um erro", diz o professor Pedro Bodê. Segundo o sociólogo, por acesso à Justiça entende-se um Judiciário mais efetivo e célere, um Ministério Público mais atuante e uma Defensoria Pública que, na prática, funcione. Nesse sentido, o Paraná é uma exceção no país. 23 estados têm defensorias regulamentadas. Apenas Paraná, Amapá, Santa Ca­­ta­­rina e Goiás não possuem órgão específico de defensoria."Essa é uma das questões que influem na lotação das cadeias. Vemos uma maioria de presos que não têm advogado ou que foram esquecidos por seus advogados", diz a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR, Isabel Kugler.

Em novembro, o Conselho Nacional de Justiça passou pelo Paraná e detectou diversos problemas na estrutura do Poder Judiciário, entre eles a falta de varas especializadas, a falta de transparência em contratações de servidores e os problemas relacionados aos cartórios do estado.

Envolvimento

Os indicadores de violência e criminalidade mostram que o crime perde força onde há uma interação entre sociedade e polícia. É o caso de Maringá, que no ano passado chegou a ficar 42 dias sem homicídios. Enquanto Foz do Iguaçu foi considerada a terceira cidade do Brasil que mais expõe os jovens à violência, no ranking do Ministério da Justiça, Maringá apareceu na mesma lista entre as 30 que oferecem menos riscos. Entre 16 municípios paranaenses com mais de 100 mil habitantes, Maringá destacou-se como o mais seguro para jovens entre 12 e 29 anos.

Grande parte desse êxito deve-se ao Conselho de Segurança Comunitário de Maringá (Conseg), criado há 27 anos. A iniciativa da sociedade civil maringanese foi pioneira e deu tão certo que organismos do gênero estão hoje disseminados em todo o país. Para o presidente da entidade, Antônio Tadeu Rodrigues, ao longo do tempo a sociedade aprendeu a importância de discutir a questão da segurança pública na cidade e esse foi o segredo para que os índices de criminalidade em Maringá se tornassem tão baixos. "A população entendeu que não basta ficar cobrando soluções. Também é preciso sugerir", disse Rodrigues.

O Conseg de Maringá é mentor de vários projetos que estão em prática e apoiador de outros mais. Um deles é a Oficina de Prevenção ao Uso de Drogas (Opud) que dá palestras educativas para jovens pegos portando entorpecentes. "Desde 2006, o usuário de drogas não fica mais preso. Ele passa por processo educativo para que o usuário não fique na mesma cela que o traficante", conta Rogério Ferreira Alves, assistente social do projeto. Desde julho de 2008, quando a proposta foi adotada, os juízes já enviaram 246 pessoas para o Opud, como forma de pena alternativa.

O saldo é motivador. Do total, apenas 4% tiveram reincidência criminal.

Mapeamento

"A polícia tem de estar onde o crime está", diz o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Dênis Mizne. Segundo ele, um mapeamento inteligente da violência é fundamental para combatê-la. "Os casos clássicos de cidades que derrubaram o crime mostram isso. Pode pegar Nova Iorque, Bogotá. É preciso saber onde se rouba, onde se mata, a que horas, em que parte, de qual modo", diz.

A Secretaria de Segurança Pública divulga parte das informações relacionadas aos crimes cometidos no estado trimestralmente, com base no serviço de geoprocessamento. No entanto, os dados são divulgados com atraso e limitam-se a informar a procedência do crime por cidade. O caso da região de Guaíra é um exemplo clássico. A região transformou-se em um novo ponto de entrada de drogas, armas e contrabando no Brasil. O aumento da fiscalização e do policiamento na área fez com que a cidade batesse recorde na apreensão de maconha, segundo levantamento da Polícia Federal.

Cultura de Paz

"Parece uma coisa utópica, mas não é. É preciso mostrar aos jovens das comunidades carentes que há como resolver conflitos sem o uso da violência", diz Dênis Mizne, do Sou da Paz. Segundo ele, em comunidades onde essa valorização de uma cultura de paz foi implementada houve redução efetiva da violência. "Várias comunidades violentas de São Paulo, e isso começa a acontecer no Rio também, estão muito tranquilas." Para ele, é necessário que esse tipo de ação envolva os órgãos de estado.

Em Curitiba, existem exemplos semelhantes. Na Vila Osternack, que já foi considerada a região mais violenta da cidade, houve uma redução significativa no número de homicídios. A vila chegava a ter 14 homicídios por fim da semana. Atualmente há, em média, um por mês. A melhora veio depois que a Polícia Militar iniciou na localidade o projeto de Segurança Social, em parceria com a própria comunidade, a sociedade civil e outras esferas governamentais.

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