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Avião brasileiro sobrevoa navio da Marinha francesa no litoral nordestino em 1963 | Wikicommons/Marinha Brasileira
Avião brasileiro sobrevoa navio da Marinha francesa no litoral nordestino em 1963| Foto: Wikicommons/Marinha Brasileira

Tensão

Navios chegaram a ficar frente a frente

Ao revogar a autorização para que os seis navios franceses capturassem lagosta no litoral brasileiro, em 1963, o presidente João Goulart provocou a ira dos franceses. Navios de guerra da França vinham prontos para um conflito. O Brasil, por sua vez, também se preparou. Em certa ocasião, um acidente entre um navio francês e um jangadeiro nordestino, que quase matou o pescador.

Um dos momentos mais tensos foi quando aviões brasileiros sobrevoaram, em fevereiro de 1963, embarcações francesas. "Eles sobrevoaram o navio com as luzes dos aviões apagadas. Isso deixou os franceses em pânico", diz Tiago Zanella.

Na sequência, notícias veiculadas pelos jornais, como "Frota naval da França ronda costa do Brasil", publicada pelo Última Hora, navios brasileiros foram ao encontro das tropas francesas. "Ficaram frente a frente. Se alguém disparasse um tiro, a guerra ia começar. Por sorte, ninguém atirou", afirma o pesquisador.

Mesmo não tendo armamentos para uma guerra contra a França, o Brasil não recuou. A França imaginava que a postura firme do governo brasileiro estaria sendo respaldada pelos Estados Unidos. Afinal, havia o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca que determina que se algum país da América for agredido por outra nação de outro continente, os países americanos devem se ajudar. "O medo de os EUA entrarem na guerra fez com que a França retirasse as embarcações da costa brasileira."

Disputa antecedeu o Golpe de 64

O historiador Túlio Muniz suspeita de que a Guerra da Lagosta também foi uma espécie de "laboratório" para o Golpe Militar de 1964, um ano depois do término do imbróglio entre Brasil e França. Ao mesmo tempo em que o presidente João Goulart recebeu apoio de parte da população, os militares também receberam apoio popular, segundo o pesquisador.

"Se a Guerra da Lagosta foi uma espécie de laboratório pró-reformas para Jango, foi igualmente um laboratório pré-golpe para os militares", escreve, em artigo, Muniz, que é doutor em História pela Universidade de Coimbra.

Simpatia

Segundo ele, com a reação imediata para um eventual conflito, as Forças Armadas acabaram obtendo simpatia perante a opinião pública. No artigo, Muniz ainda salienta que a população comprou a briga contra a exploração da lagosta na costa brasileira e parte da imprensa da época defendia um discurso que valorizasse o governo nacional e também os militares brasileiros.

A pesca de um mísero crustáceo provocou uma das maiores crises diplomáticas da história entre Brasil e França. As duas nações, por pouco, não iniciaram um confronto militar. Navios franceses foram perseguidos pela frota brasileira e embarcações da nação europeia chegaram a ser apreendidas no litoral do Nordeste brasileiro. O imbróglio conhecido como Guerra da Lagosta começou nos primeiros anos da década de 1960. No decorrer da confusão, até o cantor Moreira da Silva comprou a briga e chegou a compor "A Lagosta é Nossa", ecoando que o "litoral não é casa de mãe Joana".

Nessa época, o Brasil começava a se interessar pela pesca do crustáceo, mas ainda de uma maneira mais artesanal. "A exploração da lagosta começou a crescer, mas apenas com alguns jangadeiros", explica o pesquisador Tiago Zanella, especialista em questões marinhas. Os primeiros barcos franceses chegaram ao litoral de Pernambuco em março de 1961, com autorização para realizar "pesquisas". Porém, o governo constatou que, na verdade, eles estavam pescando lagostas em grande escala. A licença foi cancelada.

Em novembro, a França solicitou autorização para atuar fora das águas territoriais brasileiras, na região da plataforma continental. No entanto, o país não cumpriu a palavra, fazendo com que os problemas aumentassem. Zanella relata que a primeira apreensão de um pesqueiro francês aconteceu em 1962. "A Marinha intensificou as operações e começou a apreender mais navios com lagostas brasileiras."

Peixes e cangurus

As apreensões elevaram o tom de debate entre as nações. Por lei, qualquer animal da plataforma continental pertencia ao país costeiro. Assim, o Brasil alegou que a lagosta era um recurso pertencente à plataforma devido à sua natureza sedentária. Para se deslocar, o animal não anda. No máximo, executa saltos. Em resposta, o governo francês, presidido por Charles de Gaulle, argumentou que a lagosta pode ser considerada um peixe. Afinal, movia-se constantemente e, portanto, não era um recurso da plataforma. O objetivo era deslocar o assunto para o campo da pesca em alto-mar, permitida por lei.

Foi nesse contexto que o comandante Paulo de Castro Moreira da Silva, renomado oceanógrafo, defendeu o Brasil com a pérola: "Por analogia, se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave". Em 1963, o circo pegou fogo.

O presidente João Goulart, quebrando as negociações para evitar a exploração do crustáceo, concedeu autorização para que seis pesqueiros voltassem a capturar lagostas na região. "A população se revoltou. Tanto que a autorização foi suspensa", diz Zanella.

Foi a vez do presidente de Gaulle se revoltar e soltar a máxima "o Brasil não é um país sério". Navios franceses foram enviados ao litoral brasileiro prontos para a guerra. Tropas brasileiras se armaram para o confronto. Porém, apesar de diversas ameaças de um conflito bélico, a França recuou e o Brasil conseguiu impedir a captura de lagostas em março de 1963.

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