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Gilberto Gil cita Caetano Veloso para uma plateia curitibana: "Existirmos, a que será que se destina". Maliciosa provocação que podíamos repetir todo dia ao acordar, como um mantra para lembrar que não basta cumprir a agenda. Em outras palavras: viver para que mesmo? Não tem resposta certa. Cada um que descubra a sua.

O que seria do mundo sem provocação? Um marasmo em que os atos e pensamentos se repetem automaticamente. E viver automaticamente não é viver. É jogar fora a vida. Sem susto, sem surpresa, sem alegria e sofrimento verdadeiros, os dias se tornam mornos e a vida, estagnada. "Pedras que rolam não criam limo", continuam frescas, polidas, bonitas.

O próprio Gil cantou: "Se eu quiser falar com Deus/Tenho que ficar a sós/Tenho que apagar a luz/Tenho que calar a voz". Propor silêncio e introspecção no nosso mundo barulhento e superficial é também uma provocação.

O americano Robert Frost escreveu no seu poema mais conhecido que fala sobre uma estrada que se bifurca e obriga o viajante a escolher qual caminho seguir. Ele escolhe a estrada menos trilhada e, anos depois, olhando em retrospecto, diz que "isso fez toda a diferença". O que é a estrada menos trilhada? Entenda você como quiser, leitor. A qualidade básica da poesia é ser subjetiva, aberta e permitir que cada um projete a si mesmo nela.

A nossa maior fonte de provocação são os artistas, por isso cito os dois compositores brasileiros e os poetas Dylan Thomas (o das pedras que rolam) e Robert Frost.

Os poetas injustamente aparecem no imaginário popular como figuras adocicadas ou aéreas. Vistos como loucos ou bobos, não podem ser levados a sério. Mas são grandes instigadores de pensamentos novos. Se são tão pouco lidos atualmente é porque nossos tempos são duros e a poesia não combina com o consumismo como estilo de vida: ela exige raciocínio abstrato, não entrega uma fórmula pronta, oferece uma leitura lenta.

Parece que poemas não são mais populares. Há quanto tempo não se vê um livro de poemas em destaque em uma vitrine? É uma pena, os poemas são os mantras do homem ocidental, a oração dos ateus. Nem mantra nem oração estão salvando os poemas do esquecimento.

Vou atrás de Manoel de Barros. Porque não há poeta mais simples e difícil ao mesmo tempo no Brasil. Aceite que o mundo pode ser visto de uma forma nova ou então você não apreciará um único versinho do poeta pantaneiro. Recentemente, ele registrou no livro Escritos em Verbal de Ave:

"Vi na solidão um silêncio de concha."

Depois de ler o poema, ouço aquele som que vem de dentro da concha e que faz a gente se sentir lá no fundo do mar, só e feliz por um segundo.

Provocados, reagimos.

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