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Fachada da Defensoria Geral da União, em Brasília.
Fachada da Defensoria Geral da União, em Brasília.| Foto: Reprodução

O presidente Jair Bolsonaro está prestes a escolher quem estará à frente da Defensoria Pública da União (DPU). Está em suas mãos uma lista tríplice formada pelos nomes dos defensores Daniel Pereira, Gabriel Oliveira (atual defensor público-geral federal) e Leonardo Cardoso.

Interlocutores e especialistas esperam que a linha de atuação/compromisso dos candidatos com relação aos assuntos mais conflitantes dentro do órgão - a defesa do nascituro, da família e do direito religioso - seja o fator de maior peso para a decisão de Bolsonaro.

Um nome alinhado com essas pautas poderia mudar a forma com que o órgão tem sido visto. Acusada de estar "aparelhada ideologicamente", a DPU também é denunciada de, ao arrepio do ordenamento jurídico vigente, fazer ativismo judicial e extrajudicial em benefício exclusivo de agendas consideradas progressistas. Como, por exemplo, em defesa do aborto e da descriminalização das drogas.

Prevista no artigo 234 da Constituição Federal, a função da DPU é assistir indivíduos e grupos vulneráveis e economicamente hipossuficientes. Mas o órgão tem sido denunciado de omissão frente à proteção aos nascituros, à família e ao direito religioso. Esses temas enfrentam resistência e oposição em meio à defensoria, com impedimento para a criação de grupos de trabalho. Apenas individualmente, à medida em que possuem independência funcional, alguns defensores têm atuado em prol dessas causas. Em anonimato, há profissionais que afirmam serem perseguidos internamente por destoarem de pautas progressistas.

Pela Lei Complementar nº 80, de 1994, cabe ao presidente da República nomear o defensor público-geral federal. A lista tríplice é formada por voto direto e obrigatório de seus membros. O nome escolhido também deve receber parecer da maioria absoluta do Senado Federal.

Defesa da vida

Interlocutores afirmam que o fator de maior peso para a escolha do novo defensor geral deve ser a linha de atuação com relação à defesa da vida desde a concepção. Até o momento, o órgão tem sido acusado de omissão institucional na defesa dos nascituros, muito embora o último grupo seja tutelado e dotado de direitos pelo ordenamento jurídico brasileiro e de tratados internacionais, aos quais o país outorgou status supralegal (entenda aqui). Nos bastidores, algumas fontes apontam que Daniel Pereira seria o defensor mais alinhado com a causa.

A mesma Constituição Federal que incumbiu a Defensoria do amparo judicial e extrajudicial dos vulneráveis, por exemplo, é clara, em seu artigo 5.º, quanto à inviolabilidade do direito à vida. O Código Civil brasileiro ainda "põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

A DPU, contudo, tem adotado posições vigorosas em prol da descriminalização do aborto. E mesmo quando provocado a fazê-lo, por parte de atores externos e internos, o atual defensor público-geral federal, Gabriel Oliveira, não teria "tomado partido" nas causas em defesa da vida. Mesmo que seja um tema resguardado pelo ordenamento jurídico brasileiro, a opinião de Oliveira, que é católico, é a de que "pautas morais" são de competência do Poder Legislativo.

"A Anajure vê a atuação do atual defensor como excelente do ponto de vista administrativo, houve avanços significativos na articulação da DPU com outros órgãos e governo. Mas temos críticas fundamentalmente no que diz respeito à legalização do aborto e descriminalização das drogas. Ao nosso entender, a defensoria, nesse sentido, foge da sua missão e se torna instituição apropriada por ideologia. Ela não deve ser braço de partido político e deveria tomar posição mais firme com relação às questões apontadas", afirma Uziel Santana, presidente da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure). "A DPU tem sido promotora de uma agenda, mas essa não é sua função".

A associação manifestou apoio público ao candidato da lista tríplice defensor Daniel Pereira. Ele atua na DPU há 14 anos, é mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra e professor nas universidades Cândido Mendes e IBMEC. Evangélico presbiteriano, Pereira é visto por interlocutores como "mais incisivo" com relação a pautas como defesa da vida, da família e do direito religioso. Ele foi o segundo mais votado da lista. "Entendemos que o dr. Daniel pode dar oxigênio para as mudanças que precisam ser realizadas", disse Santana.

Com a proximidade da escolha do novo defensor, atores da sociedade civil também se mobilizam e pressionam o órgão para a necessidade de que o direito à vida desde a concepção seja amparado formalmente no âmbito da DPU. "O nascituro, por suas condições, é o mais vulnerável dos vulneráveis e a criação de um Grupo de Trabalho destinado a defender as crianças por nascer não pode ser uma opção. É um dever da Defensoria Pública", afirma Danilo de Almeida Martins, defensor público-federal lotado em Brasília que solicitou ao defensor geral, em 2019, a criação de um grupo de defesa à vida desde a concepção.

"Interessante verificarmos que, neste caso [se o defensor geral chancelar o pedido] este será o primeiro Grupo de Trabalho criado na Defensoria Pública de 'fora para dentro', pois há uma pressão social nesse sentido", diz.

A iniciativo de Martins tem sido apoiada por importantes atores da sociedade, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) e Ives Gandra Martins, jurista e professor emérito da Universidade Mackenzie. "Estamos convencidos de que, dentre as grandes conquistas da civilização moderna, definitivamente, não está a permissão para transformar o ser humano em lixo hospitalar, e está nas mãos da defensoria pública evitar que essa lógica de direito natural continue sendo afrontada", afirmou Martins.

"Indubitavelmente, o nascituro é juridicamente tutelado e dotado de direitos em nosso ordenamento, sendo imprescindível que medidas sejam tomadas para o fortalecimento e a efetivação dessa proteção [no âmbito da DPU]", se posicionou a Anajure, em nota.

Família e direito Religioso

Em que pese a própria constituição estabeleça que a DPU deve assistir direitos individuais e coletivos em todos os graus, judicial e extrajudicialmente, o órgão se recusou, na figura do defensor Oliveira, a formalizar, através de grupo de trabalho, a defesa à família. E seu artigo 226, a CF ampara a proteção especial do Estado à família.

Quando solicitada ao defensor, a quem cabe a chancela, a criação de um GT voltado à família, Oliveira não se posicionou oficialmente e adotou medida raramente vista dentro da instituição: abriu referendo para que outros defensores se manifestassem sobre a proposta. Como previsto, a consulta aos defensores terminou em nota de repúdio assinada por 83 profissionais, que se manifestaram pelo indeferimento. A ação também foi vista por alguns juristas como estratégica, à medida em que o aval ou não do pedido poderia gerar indisposição entre o defensor geral e determinados grupos dentro do órgão.

Boa parcela da sociedade civil também espera, por parte do novo defensor-geral, um aceno à defesa do direito religioso. Nos bastidores, a informação é a de que os três candidatos estariam dispostos a defender a causa e propor ações nesse sentido, no âmbito da DPU.

Atuação da DPU

No âmbito da DPU, sem contar as defensorias estaduais, atuam 642 defensores federais. O orçamento do órgão é de R$ 588 milhões. "Não adianta construirmos instituições de nobres encastelados, preocupados com o pronome de tratamento que será colocado na peça. Ter um orçamento mais baixo nos possibilita ter criatividade, conseguimos fazer mais com menos e ter uma estrutura dinâmica e mais moderna", afirma João Pandolfo Panitz, defensor público-federal lotado em Santa Catarina.

"É claro que temos dificuldade. Somos em menor quantidade e, portanto, é limitada a capacidade de estarmos em vários lugares do país, justamente pelo menor orçamento. Mas, horizontalmente, conseguimos fazer com que o processo do cidadão simples, que ganha pouco e precisa, por exemplo, de um medicamento, de um benefício previdenciário, chegue até o STF, com nossa estrutura de carreira. Nós conseguimos fazer muito com o pouco e entregar o serviço", afirma Panitz. "Na DPU, não existe ninguém acima do teto, isso é muito respeitado. Não existem supersalários. A instituição tem se destacado nesse sentido".

Levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em 2019, em análise de 16 mil recursos especiais no STJ e outros 1,3 mil recursos extraordinários no STF, no campo do direito penal, revelou que a Defensoria Pública "tem maior taxa de sucesso nos tribunais superiores do que os advogados particulares".

"Entendemos que a DPU precisa de maior apoio financeiro, e o governo atual pode fazer isso, desde que a defensoria deixe de ser uma barricada da esquerda e se torne um órgão plural e constitucional", defende, por outro lado, a Anajure.

Uma das ações de destaque dos defensores públicos-federais durante a pandemia, por exemplo, foi a revisão de ao menos 41 milhões de pedidos de auxílio emergencial que haviam sido indeferidos pela Caixa.

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