• Carregando...
Adolescente recebe em casa o pedido de vodca, sem apresentar qualquer tipo de identificação | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Adolescente recebe em casa o pedido de vodca, sem apresentar qualquer tipo de identificação| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

4 crianças ou adolescentes são atendidos por dia no Centro de Atendimento Psicossocial – especializado em infância e juventude – em razão do consumo de álcool e outras drogas, em Curitiba.

Pesquisa

Jovens bebem cada vez mais cedo

A venda ilegal de bebida para adolescentes é parte de um complexo quadro brasileiro sobre consumo de álcool e drogas e tem contribuído para acentuar o problema crônico no país. Cada vez mais cedo, crianças e adolescentes consomem bebida alcoólica. Os dados de Curitiba sobre o assunto revelam a gravidade do tema. Foram atendidos, por dia, quatro crianças e adolescentes no ano passado no Centro de Atendimento Psicossocial – especializado em infância e juventude – em razão do consumo de álcool e outras drogas. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada entre abril a setembro de 2012 pelo IBGE, mostrou que 78% dos 2.153 alunos do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e particulares entrevistados já consumiram algum tipo de bebida com álcool.

Segundo o psiquiatra Dagoberto Requião, todas as pesquisas de neuroimagem recentes mostram que o cérebro humano amadurece até os 25 anos de idade. "Usar substâncias como o álcool vai interferir nesse processo. Os prontos-socorros brasileiros atendem sempre crianças intoxicadas com álcool e que certamente poderão se tornar doentes alcoólicos", conta Requião.

O psiquiatra explica que o consumo do álcool compromete funções motoras, cerebrais e compromete relacionamentos interpessoais. "Quando o adolescente usa é como se antecipasse um problema que poderia ter com mais idade", disse.

Para o psiquiatra, a necessidade de participar do grupo inicia os adolescentes no álcool. Isso é uma regra, mas atualmente, os jovens estão bebendo cada vez mais em menos tempo, de acordo com o especialista. "O que tem importado é o efeito, não o prazer do sabor".

Adolescentes de Curitiba descobriram mais um jeito para comprar bebidas alcoólicas sem a autorização dos pais: o disque-bebida. Um teste feito pela Gazeta do Povo comprovou a facilidade com que duas das principais empresas de delivery vendem os produtos para menores de 18 anos, mesmo sendo proibido por lei.

VÍDEO: Adolescente pede, por telefone, e recebe bebidas alcoólicas em casa

"Entregam sem pedir identidade, com a maior desfaçatez e não é de hoje que isso ocorre", explicou uma mãe, que pediu para não ter o nome revelado. O filho dela, de 14 anos, ligou para as empresas "Alô Esquenta" e "Disk-Drink", a pedido da reportagem. As duas atenderam o adolescente e em momento algum – na ligação ou no momento da entrega – pediram a identidade dele ou a presença dos pais. "Estou preocupada. Pode não ser o meu filho, mas amigos dele estão bebendo", afirmou a mãe. O teste foi realizado a pedido da própria família que denunciou o caso à reportagem (veja o vídeo do flagrante).

Os flagras

O adolescente pediu, no Disk-Drink, uma garrafa de vodca, energéticos e cervejas. No "Alô Esquenta", outra vodca e mais um energético. Ao chegarem à residência do jovem, os entregadores perceberam que o adolescente estava sozinho e, mesmo assim, entregaram a bebida. Em uma das compras, o pagamento foi feito com um cartão de crédito de terceiro.

A reportagem apurou que vários estudantes de um colégio de alto padrão da cidade têm usado o serviço desses estabelecimentos com fre­quência. Os jovens esperam os pais dormirem ou saírem de casa. Então, telefonam para os disque-bebidas. Bebem quase sempre em grupos, mas também consomem sozinhos, conforme contou uma funcionária ligada à escola. "Eles ainda contam no dia seguinte que encheram a cara", diz.

Alerta

O psiquiatra Dagoberto Requião aconselha os pais a começar a prestar mais atenção nos filhos. De acordo com ele, é preciso um conjunto de ações. A receita engloba monitoramento, orientação e melhorar a comunicação com os filhos. "É preciso saber aonde os adolescentes vão, conhecer seus amigos, melhorar a orientação e os pais adquirirem mais informação. Além disso, eles precisam restabelecer uma comunicação melhor com os filhos. Hoje, com Facebook e WhatsApp, as pessoas se distanciaram, não conversam mais pessoalmente", explica.

Empresários culpam entregadores

Os proprietários dos dois disque-bebidas, "Alô Esquenta" e "Disk-Drink", negaram que vendam bebida alcoólica para adolescentes e afirmaram que punirão os entregadores por não terem cobrado identidade durante o teste feito pela Gazeta do Povo. Henrique Massaro, dono do "Alô Esquenta", recebeu a reportagem e explicou que, depois de ser informado da venda ilegal, reforçou os procedimentos do comércio para evitar que outros menores de 18 anos consigam comprar álcool.

Ele informou que agora os entregadores são obrigados a voltar para o estabelecimento com uma nota em mãos assinada pelo comprador com número de identidade, data de nascimento e assinatura. De acordo com Massaro, já havia uma determinação para que o atendente do telefone alertasse o comprador sobre a restrição para menores e para que os motoboys pedissem a identidade na entrega.

Lei Seca

"Os funcionários que fizeram isso vão ser demitidos. Eu repudio a venda de bebida alcoólica para menores. Não é o meu público-alvo e não estou aqui para incentivar que eles consumam", disse Massaro. Segundo ele, a empresa foi criada para "salvar vidas" em razão da Lei Seca no trânsito, e o público-alvo do estabelecimento é formado por pessoas mais velhas, estabelecidas, e universitários maiores de 18 anos. "Abri a empresa para que as pessoas bebam em casa, sem sair e correr risco. Nunca fiz ação de propaganda em porta de escola. Estou há quatro anos no mercado", enfatiza Massaro.

Disk-Drink

Alberto Neto, que se apresentou como proprietário do Disk-Drink ao telefone, também disse que não comercializa bebida alcoólica para adolescentes. Ele ressaltou que muitos tentam com frequência comprar, mas os entregadores voltam para o estabelecimento sem concluir a venda. "[Quando é menor], a gente nem entrega a sacola", explica. Neto também disse que assim que souber quem foi o funcionário que fez a venda, ele será punido. "Foi erro de funcionário e ele vai ser penalizado", disse.

Por crime, empresa pode ser fechada

A venda de bebida alcoólica para jovens com menos de 18 anos fere pelo menos três artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Federal 9.294/1996. Vender, fornecer gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, à criança ou adolescente produto que possa causar dependência física ou psíquica gera uma pena de detenção de dois a quatro anos e multa.

Para o coordenador do Cen­­tro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, promotor Murillo Digiácomo, as empresas precisam saber para quem estão vendendo. "Tem que ter um controle. É um dever de todos impedir que esse tipo de coisa aconteça. A lei estabelece que é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente", afirmou o promotor.

Segundo ele, é preciso que os estabelecimentos tomem precauções, como exigir documentos e fazer cadastro rigoroso dos clientes. "Não está tendo uma repressão adequada como deveria. Não adianta estar na lei, se ninguém dá bola. As autoridades policiais tem que atentar para isso. É caso de polícia, tem que haver repressão, fiscalização", comenta o promotor.

Na avaliação dele, o Minis­­tério Público poderia fazer um termo de ajuste de conduta com as empresas, mas as consequências podem ser ainda mais pesadas. "A empresa que pratica esse tipo de conduta, em última instância, pode até ser fechada. A venda para adolescentes caracteriza um crime. No mínimo, há um dolo eventual", disse Digiácomo.

O Ministério da Justiça lançou na semana passada uma campanha para pais e comerciantes que é um alerta sobre a venda de bebida alcoólica para adolescentes. A série de vídeos questiona: "E se fosse sua filha?". A pergunta está acompanhada de uma imagem de adolescentes escorados em um vaso sanitário.

Adolescentes usam disque-bebidas para burlar a lei

Enquanto pais dormem ou não estão em casa, adolescentes, de 14 e 15 anos, ligam para estabelecimentos que não pedem identificação e entregam as bebidas em casa.

+ VÍDEOS

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]