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O advogado-geral da União, José Levi Mello.| Foto: Nelson Jr./STF

A Advocacia Geral da União (AGU) pediu nesta quarta-feira (14) que o Supremo Tribunal Federal (STF) inclua a garantia da liberdade de expressão na decisão do STF de junho do ano passado que equipara a homofobia ao racismo. Por meio de um embargo de declaração – que permite apontar uma omissão no texto –, a AGU quer que o acórdão desse julgamento, que foi publicado no último dia 6, apresente ressalva não só sobre a liberdade religiosa, como já se definiu, mas também sobre a liberdade de expressão em geral.

“Assim como a reflexão relativa a hábitos da sexualidade predominante deve ser garantida, também é necessário assegurar liberdade para a consideração de morais sexuais alternativas, sem receio de que tais manifestações sejam entendidas como incitação à discriminação”, afirmou a AGU no embargo.

O Supremo havia apresentado no acórdão da ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 26 a ressalva de que a repressão à homofobia não deverá restringir “o direito de pregar e de divulgar livremente” ideias relacionadas ao homossexualismo entre religiosos, quando essas manifestações não configurarem “discurso de ódio”. Não se falou, no entanto, em liberdade de expressão, o que preocupou alguns juristas, já que a livre exposição de ideias sobre o homossexualismo em âmbitos como o jornalismo e o setor acadêmico poderia ficar ameaçada.

No ano passado, o então advogado-geral da União, André Mendonça, tinha preparado uma minuta com um embargo de declaração para o caso de o acórdão ser publicado, com o apoio de juristas cristãos. No entanto, a chegada do novo AGU, José Levi Mello, em abril de 2020, tornou mais incerta a perspectiva sobre o embargo.

Além da AGU, a Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida também pediu via embargo que a liberdade de expressão seja incluída no acórdão. Como essa frente parlamentar foi amicus curiae no julgamento, há chances de que o embargo apresentado por ela não seja levado em conta.

No texto atual do acórdão, o STF enquadra a homofobia e a transfobia nos tipos penais definidos pela lei nº 7.716/89, a lei antirracismo. A decisão vale até que o Congresso proponha uma legislação autônoma para a homofobia e a transfobia.

Com os embargos de declaração apresentados, os efeitos da decisão do STF sobre a equiparação da homofobia ao racismo, que valiam desde o dia 6, estão suspensos. A decisão só passará a valer depois que o tribunal julgar os embargos.

Liberdade de expressão apareceu muitas vezes no voto do relator, mas não no acórdão

A liberdade de expressão não foi incluída no dispositivo do acórdão, que é o que determina, na prática, como a lei deverá ser interpretada. Em seu voto, no entanto, o ministro Celso de Mello destacou diversas vezes a importância de ressalvar tanto a liberdade religiosa como a liberdade de expressão.

Ele disse, por exemplo, que a livre “manifestação de pensamento em geral” é “um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma República que se apresente estruturada em bases democráticas”, e que “nada se revela mais nocivo e mais perigoso do que a pretensão do Estado de reprimir, de cercear ou de embaraçar a liberdade de expressão”. “Guardo a convicção de que o pensamento há de ser livre, permanentemente livre, essencialmente livre”, enfatizou.

O ministro também afirmou ser “inquestionável” que a liberdade de expressão “não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado”. Celso de Mello falou ainda sobre a necessidade de construir um ambiente de plena tolerância que “longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso”.

Por que a proteção da liberdade religiosa não é suficiente

Juristas apontam alguns contextos sociais em que seria especialmente arriscado não salvaguardar a liberdade de expressão relacionada ao homossexualismo e ao transexualismo.

Dois desses âmbitos são os meios de comunicação e a academia. O artigo 5º da Constituição garante a liberdade de expressão “da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”. Sem fazer a ressalva da liberdade de expressão, o acórdão da decisão do STF pode colocar em risco as liberdade científica, de pesquisa e de opinião. No âmbito acadêmico, é natural que alguns alunos e professores apresentem divergências em relação a certas pautas, e isso deixaria de ser uma possibilidade no caso do homossexualismo.

Embora o STF tenha eximido, em parte, autores de discurso religioso de possíveis acusações de homofobia, especialistas de algumas áreas do conhecimento humano como a psicologia, a biologia, a antropologia e a filosofia teriam sua liberdade de expressão limitada ao abordarem o tema do homossexualismo.

O jurista Thiago Vieira, que é presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) e esteve em uma audiência recente com José Levi Mello, observa que o STF estaria criando, com a aprovação do acórdão tal como está hoje, um novo tabu na sociedade. No passado, diz ele, apontava-se o tabu sexual de não se poder falar de sexo. Hoje, a decisão do STF estabelece outro tipo de tabu: o de não se poder criticar certas condutas sexuais.

“É um tabu judicial, o que é engraçado, porque quem costuma criar tabus é a moral. Aqui é a Justiça que está criando um tabu. Qual é o tabu? Ninguém pode falar de homossexualidade, porque, se falar, pode ser entendido como crime de homofobia”, diz.

Para Vieira, caso a omissão da liberdade de expressão na decisão do STF seja mantida, o tribunal estaria criando, no Brasil, o crime de opinião. “Claro que tem homofóbico, tem quem não contrata uma pessoa por ser gay, que bate em alguém por ser gay, ridiculariza alguém por ser gay – e tem mais é que ser preso, mesmo. Não é esse o problema. O problema é não poder discordar da prática homossexual, dar opinião. A gente chega a um absurdo jurídico que só temos em países totalitários, que é o crime de opinião.”

Para o professor Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, “carrega-se na tinta do vitimismo para pintar qualquer tipo de opinião contrária àquilo que o movimento deseja que seja imposto a todos como um ato de preconceito, um ato homofóbico, um ato contrário àquelas pessoas”.

“Há uma atmosfera criada para inibir qualquer tipo de expressão que não seja aquela única que o lobby entende que deve ser defendida. Em vez de estar se falando da tutela de certo grupo minoritário, o que se está vendo é o totalitarismo ideológico de um grupo minoritário, que quer impor o que se deve pensar e o que se deve falar em matéria que é opinativa e que, portanto, permanece aberta à opinião pública”, afirma Pereira Júnior.

Criminalizar a crítica a um comportamento é inédito em democracias

Caso o STF não acate o pedido da AGU sobre a liberdade de expressão, o Brasil seria a primeira democracia a proibir a liberdade de crítica a um comportamento, ao criar a possibilidade de punir críticas a atos homossexuais.

Thiago Vieira destaca que “quando falamos de racismo, estamos falando da substância da pessoa”. Por esse motivo, nunca se pode alegar que a crítica de quem se opõe à raça negra, por exemplo, visa o bem das pessoas negras. Isso é diferente no caso do homossexualismo, que só se manifesta por meio de condutas. É possível emitir uma avaliação moral sobre condutas homossexuais sem manifestar juízo sobre uma pessoa com inclinação ao homossexualismo.

Para Pereira Júnior, “as causas que possam gerar distorções em condutas e comportamentos são variadas e são complexas” e, por isso mesmo, deve-se admitir crítica a qualquer tipo de conduta. O jurista faz uma única ressalva: “Até que ponto alguém manifestar uma opinião pessoal sobre a conduta de alguém pode configurar um crime? Só se na expressão da conduta enquanto tal você atribuir à outra pessoa um crime”, observa.

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