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Cassino do Ahú, em Curitiba. O local é atualmente a casa-matriz das irmãs da Divina Providência | Reprodução/Casa da Cultura
Cassino do Ahú, em Curitiba. O local é atualmente a casa-matriz das irmãs da Divina Providência| Foto: Reprodução/Casa da Cultura

Eles eram reservados à alta sociedade brasileira -”gente elegante e fina”. Serviam de palco para os melhores artistas e tinham luxos incluindo lustres de cristal, “como grandes alcachofras”, e piscinas em formato de piano.

Os cassinos brasileiros, que viveram seu auge nas décadas de 1930 e 40, eram “uma coqueluche”, diziam os jornais. E quem construiu a vida com fichas de jogo se depara agora com a possibilidade de eles voltarem a ser permitidos no Brasil -proposta em debate no Congresso e que tem a simpatia do governo federal.

Hoje, os antigos prédios abrigam hotéis de luxo, centros culturais, agências bancárias e até um convento.

“Só foram feitos arcos nos fundos para dar um ar mais sacro”, diz Zenith Ribas, administradora do antigo prédio do Cassino do Ahú, em Curitiba. O local é atualmente a casa-matriz das irmãs da Divina Providência – a antiga sala de jogos virou capela.

No sul de Minas Gerais, hotéis cassinos eram “a joia da coroa”. Quatro grandes complexos, patrocinados pelo Estado, atraíam centenas de turistas o ano todo -principalmente industriais, banqueiros e grandes fazendeiros, vindos de São Paulo e Rio.

“Era um plano de movimentação econômica”, diz a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico de Minas Gerais, Michele Arroyo.

O próprio presidente Getúlio Vargas era um assíduo frequentador de cassinos pelo país, onde costumava ter suítes exclusivas.

“Grande elegância”

O luxo era extremo: no Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ), construído para ser o maior cassino da América Latina, a cúpula do salão de jogos era tida como a maior do mundo, com 50 metros de diâmetro. Os sons da roleta ecoavam pelo espaço, frequentado por Walt Disney, Frank Sinatra e o então presidente argentino Juan Domingo Perón.

Aos salões, só se podia ir de terno e gravata ou vestido longo. Nos hotéis, filas se formavam horas antes da abertura da banca: eram os empregados indo buscar joias e dinheiro no cofre.

“As escrituras de prédios na avenida Paulista trocavam de mãos duas, três vezes por noite”, afirma Munira da Costa Lago, diretora do Palace Hotel em Poços de Caldas, anexo ao antigo cassino.

O movimento era tamanho que, em algumas cidades, fichas de jogo serviam como moeda no comércio. O cofre do Hotel Glória de Caxambu (MG) chegou a ser assaltado uma vez por dois homens de terno e gravata. Eles se misturaram aos hóspedes.

“A gente acha que isso só acontece em Las Vegas. Foi tipo 11 homens e um segredo”, afirma o gerente Alexandre Moura, em referência ao filme de Hollywood.

Os cassinos também eram o grande palco de artistas, como Carmem Miranda, Emilinha Borba, Silvio Caldas e Grande Otelo, que fizeram nome nos palcos do Cassino da Urca, no Rio, e pelo país afora. “Eram os grandes contratos da época”, diz Arroyo.

Fim

Em abril de 1946, o presidente Eurico Dutra baixou um decreto determinando o fim dos jogos de azar devido à “tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro”. A decisão foi repentina.

Em Canela (RS), sobraram somente ruínas do que seria o Cassino Palace Hotel, que ainda estava em construção. O mais icônico dos cassinos, o da Urca, virou sede da TV Tupi e, depois, ficou anos abandonado. Janelas foram fechadas com tijolos. A partir de 2006, foi restaurado pelo Instituto Europeo di Design: os antigos salões de jogos hoje são salas de aula.

A maioria dos hotéis cassinos virou centros de convenções. O Quitandinha, atração turística de Petrópolis, é administrado pelo Sesc-RJ, e os antigos quartos viraram apartamentos particulares. Projetado por Niemeyer, o cassino da Pampulha, em Belo Horizonte, virou museu.

A ideia de reativar os jogos ganha força em tempos de crise econômica. “A expectativa da cidade é grande, porque isso ativaria a economia”, afirma Moura, do Hotel Glória de Caxambu. A cidade entrou em colapso depois do fim dos jogos, e quase não cresceu desde então.

Apesar da simpatia de parte do Congresso e do governo, há preocupação com o risco de lavagem de dinheiro, sonegação e outras práticas criminosas, além do impacto social do vício em jogos de azar.

Além disso, ninguém garante que os velhos cassinos, projetados quase um século atrás, teriam condições de voltar a operar. Mais garantido, diz Arroyo, é atrair turistas para visitar os antigos prédios.

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