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Ele está no grupo dos que desenvolveram uma estratégia para conviver bem com o Natal. Não é religioso, mas até preferia que a festa se concentrasse na celebração do nascimento de Jesus. Aí ficaria claro que comemoração é esta. Quem quisesse ficar de fora ficaria. Mas o frenesi, as compras, as luzes são como uma avalanche... Tudo aquilo deixa nosso amigo confuso desde que era pequenininho. Escondia seus sentimentos para não contrariar a mãe, uma fanática por pisca-pisca e ceias natalinas. Depois, passou a mostrar algum entusiasmo por causa dos filhos. Este é o tipo de situação que rende trauma de infância. Imagine os filhos dele contando para os amigos, depois de adultos: "Sempre fico deprimido no fim do ano porque meu pai não queria comemorar o Natal". Nem pensar. Bom pai que é, entra no jogo.

Mas há algo no Natal que ele ama: as canções natalinas. Mais especificamente, as canções natalinas vindas dos Estados Unidos. Se forem interpretadas pelo Frank Sinatra, então! Ele até cantarola junto, decora as letras. Letras às vezes enigmáticas, sempre falando em visgo ("mistletoe") e carruagens abertas com apenas um cavalo ("one horse open sleigh"). Melhor não prestar atenção nas palavras. Quanto menos entendermos, melhor.

Os americanos são bons nisso, temos de reconhecer. Os brasileiros, tão musicais, não conseguem fazer uma cançãozinha natalina que valha a pena ser ouvida. Até a nossa versão para Noite Feliz só agrada a menores de 6 anos. Acabada a festinha de encerramento da pré-escola, eles certamente nunca mais cantarolam "eis na lapa Jesus nosso bem". Muito tristinho, não acha?

Anos atrás, a Simone fez uma gravação de músicas natalinas. Parece que 90 milhões de brasileiros compraram o CD e os outros 90 milhões estão até agora falando mal dela. O problema talvez seja a forma como o Natal entrou no imaginário dos brasileiros: como algo vindo dos países frios do Hemisfério Norte (de onde veio nosso cristianismo) e não como uma crença que brotou em torno da figura de um homem nascido nos territórios palestinos, hoje ocupados majoritariamente por muçulmanos. É muita confusão para nossas cabeças e por isso insistimos na neve e nas roupas quentes dos Papais Noéis que se derretem nas portas das lojas. Esse Natal meio tropical, meio nórdico não inspira uma obra original.

Voltando ao nosso amigo, ele prefere canções natalinas que poderiam fazer parte de um musical hollywoodiano, ou que dão vontade de sair dançando sozinho pela sala. Se não der vontade de levantar da poltrona e rodopiar como o Fred Astaire, não passa pelo controle de qualidade. Parece que aí reside a vantagem dos americanos, com sua tradição de grandes orquestras interpretando arranjos sofisticados que fazem até uma bobagem cantada pelo Justin Bieber ganhar um tom épico.

Ano passado ele passou algumas boas horas vendo o DVD do Michael Bublé cantando Santa Claus is Coming to Town. O rostinho de bebê do Bublé até dá nos nervos – que saudade do mafioso Frank Sinatra, que devia virar uma garrafa de uísque antes de fazer cara de santo para cantar White Christmas. Ainda assim, nosso amigo deu o braço a torcer: é uma coleção de belos arranjos para os clássicos.

Neste ano, só o portorriquenho José Feliciano fez o rapaz levantar da poltrona para rebolar sob o olhar de reprovação dos três pimpolhos. "Feliz navidad, prospero año y felicidad", canta o moreno enquanto quase arrebenta as cordas do violão e mistura inglês com espanhol em uma performance caliente.

São os novos tempos.

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