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Associação de juristas evangélicos enfrenta China e Cuba por influência na ONU
| Foto: Divulgação / ONU

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) está a poucos passos de conseguir o “status consultivo especial” junto às Nações Unidas (ONU), situação de entidades que gozam de um espaço privilegiado na organização internacional, de maior influência. Para ser bem-sucedida, ela precisa da aceitação unânime dos países responsáveis pela decisão. E deve se preocupar principalmente por convencer duas nações: China e Cuba, ambas autoras de questionamentos à associação.

A entidade evangélica, que já reúne 700 advogados, juízes, promotores e professores brasileiros, participa, desde a última segunda-feira (20), da Sessão Anual do Comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Organizações Não Governamentais (ONGs). Reunido até o próximo dia 29, o Comitê da ONU discute, entre outros assuntos, os pedidos a de status especial de 360 ONGs de todo o mundo.

A primeira batalha foi vencida nesta quarta-feira (22), quando a Anajure conseguiu responder ao questionamento feito pelo representante da China sobre a atuação internacional da instituição, um dos pré-requisitos para a obtenção do status. A justificativa, apresentada oralmente, foi aceita pelos chineses. Agora, a pedido de Cuba, terá de apresentar nesta quinta-feira (23) um relatório, por escrito, detalhando a estrutura e execução dos projetos humanitários desenvolvidos.

Os trâmites da Anajure para obter o status consultivo especial começaram em 2017. “Apresentamos nossa aplication – o requerimento ingresso no comitê – em 2017. Foi pré-aprovado pelo secretariado, o que demonstra que cumprimos todos os requisitos e estávamos com a documentação completa. Mas isso precisa passar pelo comitê, nesta reunião anual que está acontecendo em Nova York. Houve encontros preparatórios, em que listaram as organizações que seriam aprovadas sem questionamentos. A Anajure estava e continua nesta linha”, conta o presidente da Anajure, Uziel Santana, que participa da Sessão da ONU.

Sobre a atuação internacional, a Anajure explicou à China sobre as representações que mantêm no Oriente Médio, Europa, Estados Unidos, principalmente junto a Organização dos Estados Americanos (OEA), onde já possui a condição de entidade com status consultivo.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Anajure explicou quais são os principais objetivos da entidade nas Nações Unidas.

Por que uma associação de juristas evangélicos brasileiros quer se credenciar junto à ONU?

Buscamos o credenciamento porque, apesar de nosso principal trabalho ser no Brasil, temos ajudado vários casos de advocacy (defesa de causa) em direitos humanos, principalmente em casos de perseguição religiosa. Então, com esse credenciamento, vamos ter voz tanto na ONU em Genebra, onde fica o Conselho dos Direitos Humanos, como em Nova York, onde ficam os principais órgãos das Nações Unidas. Vamos poder atuar dentro do sistema ONU, como já atuamos dentro do sistema da OEA. Isso dá um desenvolvimento bem importante na nossa missão internacional.

E por que uma associação de juristas evangélicos?

A Anajure nasceu como movimento entre 2008 e 2009. É uma resposta a problemas que as religiões, principalmente os segmentos evangélicos e católicos, começariam a ter se alguns projetos de lei propostos fossem aprovados no Congresso Nacional. Eu escrevi alguns artigos mostrando essa preocupação, junto com outros dois juristas, e outros colegas foram se juntando a nós. Em 2012, já tínhamos um grupo de juristas e lançamos oficialmente no Congresso Nacional a associação. O objetivo é auxiliar as igrejas, missionários, escolas confessionais e a sociedade em geral nos temas que nos interessam: liberdades civis fundamentais, questões que dizem respeito à vida, à família, embora essa não seja nossa agenda única. Em 2013, tivemos contato com as questões internacionais: perseguição religiosa, ajuda humanitária, a questão dos refugiados, e isso nos interessou e a organização foi crescendo paulatinamente. Hoje somos mais de 700 juristas, com coordenação em todos os estados brasileiros, com status [consultivo] na OEA e, neste momento, buscando um lugar no Conselho da ONU.

Quais eram essas pautas que tramitavam no Congresso e provocaram a criação da Anajure?

Naquele momento, nossas preocupações se voltaram para aquele famoso PL 122, que tratava da homofobia. A primeira versão daquele projeto previa o fechamento de qualquer estabelecimento que criticasse a conduta homossexual. Aquele projeto despertou a atenção de estudiosos do Direito, que era o nosso caso. E, depois, fomos percebendo que havia outros projetos. Nos temas ligados às liberdades civis fundamentais em geral. Mas isso foi ampliado.

Nossa agenda hoje é propositiva. Não vivemos da agenda alheia. Já superamos as pautas do aborto ou das questões LGBT. Importa para nós essa agenda, trabalhamos, atuamos, somos parte interessada em várias ações no STF, mas nossa pauta perpassa isso, estamos atuando no combate à corrupção, ajuda humanitária, organização jurídica das entidades religiosas. São pautas muito mais amplas.

A Associação atuou junto aos governos Dilma e Temer, mas agora, com um governo mais alinhado à pauta evangélica, a interlocução aumentou? Qual a importância disso?

Nunca olhamos para o poder público pensando em vinculação ao governo. Pensamos em Estado Brasileiro e várias políticas de Estado nos interessam. Por isso, dialogamos com o governo Dilma, com o governo Temer e, agora, com o governo Bolsonaro.

Não há como negar que, no governo Dilma, tivemos um governo que tinha uma cosmovisão bem distinta da nossa.

No governo Temer, uma pequena transição e, agora, temos um governo bem mais alinhado a nossas pautas institucionais. Então, é natural que tenha uma aproximação, mas nada que interfira em nossa independência funcional. O presidente e os ministros com os quais trabalhamos sabem disso. Então, temos cooperado mais firmemente com esse governo, por conta de políticas que acreditamos serem as melhores para a sociedade.

Mas o nosso credenciamento junto à OEA, por exemplo, foi obtido durante o governo Dilma, e com o apoio do governo.

A associação tem uma carta de tese e princípios, que defende a liberdade religiosa, a liberdade de ensinar e aprender, valorização da família e da vida. Antes de ser escolhido procurador-geral da República, Augusto Aras assinou essa carta, assumindo compromisso com a associação. Isso mostra a proximidade de vocês com o atual governo?

Atuamos muito fortemente nesta umbrela das liberdades civis fundamentais. Destacando nosso trabalho em defesa da liberdade religiosa e da liberdade de expressão, que são direitos humanos fundamentais. Nós conversamos com os principais candidatos à PGR, tínhamos alguns mais próximos, na questão dos valores, mas o procurador Augusto Aras foi bastante solícito na conversa e assinou nossa carta de teses e princípios, demonstrando concordar com ela. Desde sua nomeação, temos uma relação republicana e nos sentimos, sim, prestigiados pelo fato de o presidente Bolsonaro ter escolhido um procurador-geral da República que compartilha dos nossos princípios.

O Brasil é um país laico, mas de maioria cristã, com a população evangélica crescendo exponencialmente, a ponto de já se fazerem previsões sobre quando ela superará a católica. Mesmo assim, há perseguição religiosa a evangélicos no Brasil?

Temos que fazer uma distinção entre violência real e violência simbólica. No Brasil, não temos violência real contra cristãos, como acontece em alguns outros países do mundo. Mas temos a violência simbólica. Quando um governo determinou que todos os missionários deveriam sair de terras indígenas, missionários que estavam há mais de 100 anos nestas comunidades... foi uma violação, foi violência simbólica. No mesmo modo, na educação. Quando a gente vê situações em que o poder familiar sobre os filhos começa a ser mitigado por ações estatais. São muitos exemplos que podemos dar de como a liberdade religiosa começa a recrudescer. No governo Bolsonaro, isso passou a ser freado. E essa violência simbólica tem diminuído significativamente.

E internacionalmente, como a instituição combate a perseguição religiosa?

Estamos fazendo advocacy de casos tanto nos tribunais internacionais quanto na OEA e na ONU. Fazemos realocação de famílias perseguidas em outros países, trazendo para o Brasil. Temos uma atuação muito forte perante os tribunais e os próprios governos. Buscamos dialogar com todos. Essa é uma marca. Temos, por exemplo, um forte diálogo com a Coreia do Norte para atuar nestes casos.

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