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O título desta coluna transcreve trecho do desabafo de um morador da cidade de São Paulo que teve a casa consumida por um incêndio. Anotei porque um colega que assistia à reportagem comigo fez um comentário sobre a concordância verbal ("a gente perdemos") usada pelo cidadão. Perguntou se estava correta e por que tantas pessoas usam construções parecidas. Claro que se trata de uma questão insignificante diante do quadro descrito. Mas tudo bem.

Vamos pensar sobre ela usando, num primeiro momento, nossos olhos, isto é, quem enxergamos nesses quadros trágicos. Descontadas as exceções, a regra é que enchentes, deslizamentos e incêndios atinjam somente os pobres. Da mesma forma, podemos dizer que construções do tipo "a gente perdemos" e "a gente fomos" são quase que exclusivas de pessoas pobres. A explicação é simples: milhões de brasileiros pobres nunca foram à escola; milhões foram pouco e outros tantos milhões frequentaram escolas públicas de péssima qualidade. A palavra-chave aqui é educação. O domínio de registros cultos da língua tem relação inequívoca com escolaridade.

Entretanto, um ponto de extrema importância e que em hipótese alguma pode fugir de nossa análise é que mesmo o brasileiro mais miserável, com baixíssimo letramento e cujas cinzas da casa foram levadas pelas águas, jamais contrariará a lógica da língua. Pode falar em desacordo com a norma (como é o caso), mas nunca contra a gramática real de seu idioma. No caso específico, a concordância no plural está de acordo com a ideia: "a gente" substitui o pronome "nós", que obrigatoriamente leva o verbo para o plural. Trata-se, enfim, de uma construção legitimada pelas regras reais da própria língua, mas estigmatizada socialmente. Ela está fora das regras normativas, mas dentro das regras internas do idioma.

Isso a escola deve ensinar.

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