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A julgar pela cidade de Adelaide, a Austrália é a terra mais parecida com a ideia de uma utopia "clássica" que jamais conheci. Começa pelo isolamento geográfico – em geral as projeções utópicas fazem da terra prometida um local distante e isolado, para simbolicamente não se contaminar pelo mundo real. Em seguida, você tem uma população equilibrada com o meio ambiente (são pouco mais de 20 milhões de habitantes) e riquezas naturais em abundância. A única exceção é a água, cuja escassez começa a se revelar um problema. À maneira utópica, e pitoresca, durante algumas épocas do ano os moradores só podem regar o jardim em dias alternados, regra a que todos obedecem sem necessidade de controle. Em todos os banheiros, as válvulas de descarga contam com dois botões, um deles liberando apenas a metade do volume de água. E a salvação futura serão as usinas de dessalinização.

Andando pela cidade, é muito difícil encontrar um papel ou uma latinha na calçada. A assepsia do espaço urbano dá uma estranha sensação de que nos movemos num "cenário". Os jardins são impecáveis. Na parte econômica, é fácil perceber que o padrão de vida na Austrália é altíssimo. Tudo é muito caro – ainda que o bonde elétrico que circula pela cidade seja gratuito (sou passageiro assíduo). Em janeiro, o desemprego esteve em queda, na faixa de 5,4% – de qualquer modo, ser desempregado aqui é melhor e mais garantido do que costuma ser para boa parte dos empregados no Brasil.

Perguntei sobre criminalidade e me disseram que houve um serial killer tempos atrás aqui em Adelaide. Alguns lembram que estão ocorrendo casos de violência, mas não vi polícia nas ruas. E entrei num banco para trocar di­­nheiro como quem entra numa loja de sapatos. Claro que há crimes na Austrália, ou não seriam hu­­­­manos – mas o índice baixo impressiona. Nos bairros residenciais, nenhuma cerca elétrica, nada de portões eletrônicos nem guaritas com segurança ou condomínios fechados. As pessoas andam com liberdade. (Talvez seja essa, hoje, a maior angústia brasileira, para todas as classes sociais e em toda parte – o medo de an­­­dar na rua.) A Austrália é realmente um caso à parte mesmo no universo do Primeiro Mundo.

O que chama a atenção é o fato de que esse espaço incrivelmente civilizado é habitado por pessoas alegres e expansivas – nesse aspecto, há um toque "brasileiro" no australiano, se ainda podemos acreditar em nosso próprio estereótipo. Eles são gentis e receptivos. E muito bairristas também, que é a face simpática dos patriotas.

E então? – pergunta-se o cronista ambulante, fazendo o caminho de volta, já saudoso do feijão com arroz. Nada a concluir, só a matutar – principalmente sobre o fato de que os traços culturais comunitários, ou um certo "senso de comunidade", são fatores talvez tão importantes e substanciais na construção das sociedades quanto a mecânica do jogo econômico ou das armadilhas políticas.

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