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Chega pelo correio O conto brasileiro contemporâneo, uma antologia organizada por Carmen Villarino Pardo, professora de Santiago de Compostela, e meu colega Luiz Ruffato. Publicado na Galiza – região que se define como uma nação da União Europeia, e apenas acidentalmente como parte da Espanha – pela Edicións Laiovento, o livro é um painel interessante da nossa produção contemporânea, contemplando nomes como Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho, Marçal Aquino, Milton Hatoum, Miguel Sanches Neto e Tatiana Salem Levy, entre muitos outros.Mas não vou comentar literatura, pois seria cabotinismo: este cronista pegou uma carona generosa na coletânea. O que é especialmente interessante é a atração galega pela cultura e pela língua brasileiras, com as quais a Galiza parece se identificar mais profundamente do que com a própria Espanha, de que é parte política. As razões deste deslocamento deliberado da consciência galega estão além dos limites da crônica; fico na questão linguística, que é fascinante. Afinal, o nosso português veio de lá, bem antes que o Condado Portu­­calense se estabelecesse no século 11. O berço de nossas palavras é o noroeste da Península Ibérica, em que falava-se o que hoje se classifica como "galego-português", uma língua de sonoridades vocálicas muito mais próximas do que viria a ser a língua brasileira do que o próprio idioma consonantal em que se transformou o clássico português lusitano. Um brasileiro passeando na Galiza ouvirá uma linguagem mais familiar aos ouvidos, com surpreendentes achados "caipiras" ("bassoura", por exemplo), do que aquele estranho dialeto que se conversa em Lisboa e que custamos a compreender quando lá estamos.

O original do livro é justamente seu "glossário terminológico", explicando ao leitor galego alguns brasileirismos. Ori­­­ginal e engraçado: é sempre uma surpresa dar com os súbitos estranhamentos de línguas irmãs. Que palavras como "arara" ou "igarapé" sejam estrangeiras a eles, explica-se pela nossa influência indígena. Outras surpreendem porque, no autocentramento de todo falante, parecem óbvias, mas não são: "borracha" (goma-elástica, ora!), ou "celular" (telemóvel, é claro!). Algumas indicam nossa histórica abertura aos estrangeirismos, como o team inglês que virou "time" ("equipa") e o francês abat-jour, aqui "abajur", que o glossário define como "pantalha colocada nu­­­ma lâmpada de mesa". Diferenças de gírias, sempre locais, são previstas: é preciso explicar o que é "chapado", "grana", "trampo". Algu­­mas definições, de tão precisas, parecem matar o objeto, destino de toda ciência: calcinha é "peça interior de vestuário feminino consistente numa calça muito curta, bem ajustada ao corpo, que se estende de abaixo da cintura até as virilhas", e "maçaneta" é "puxador por onde se pega para abrir ou fechar portas e janelas". Ele­­­mentar, não?

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