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Não há solução fora da política, que é a arte de equilibrar interesses e diferenças na vida social – e, para torná-la efetiva, nada se inventou melhor do que a velha e boa democracia representativa. Como ela nem sempre funciona bem, renasce em ciclos o mito da "democracia direta". Neste imaginário jacobino, a atividade política se transfigura em "ação direta", que nos manuais revolucionários vira obrigação religiosa do cidadão. Votar "não resolve". É preciso sair às ruas e botar para quebrar, nem sempre como metáfora. Como a "politização" dos "alienados" não se faz por geração espontânea, alguém assume a "verdade" e o comando, cujo fim último é a utopia de "politizar" o mundo.

Um mundo "politizado" é aquele em que todas as pessoas vivem integralmente em função da luta pelo controle da administração das riquezas do país, das minas de prata e ouro à exploração do petróleo, para resumir em dois tapas a história do país. O sonho de todo militante radical – seja ele um cidadão sincero, um adolescente em crise, um pequeno espertalhão ou um simples delinquente – é transformar o mundo em um quartel e fazer da vida uma grande Marcha para o Futuro, com o Jesus do momento à frente. Nesse imaginário que cruza a Revolução Francesa com a Arca de Noé, o mito da democracia direta cria outro mito, o de "cortar caminho". Vamos, na marra, diretamente para o fim dos tempos. Há um paraíso próximo – mas, como somos todos "despolitizados", nunca chegaremos a alcançá-lo.

A fantasia da democracia direta, ou o delírio da politização total e permanente, é apenas um projeto de transformar pessoas em instrumentos, com fins muito bem delimitados. Para os que o manipulam, o messianismo político é útil. Para os que o vivem na pele, uma estupidez perigosa. O pano de fundo de um mundo movido pela política da violência é a demonização do indivíduo; na visão do Paraíso, que é a irresistível cenoura das revoluções, as pessoas são descartáveis, porque há um valor "mais alto" em jogo.

O problema é que a ação política é um ato de educação e cultura; é a política que deve decorrer delas, não o contrário. A política, por si só, apenas reproduz militantes em série. É fato que a impaciência adolescente faz sentido: nada define melhor nossa cultura que o minuto obsceno de tevê que os grandes politizados do país trocam com Maluf – que, na lista da Interpol, não pode nem sair do país. Do presídio da Papuda, outro dono de partido negocia seus segundos preciosos. Mas o sentimento legítimo de revolta frequentemente se transforma em simples saudosismo do avesso: há semanas, uma advogada definiu-se como "presa política" e pediu asilo no Uruguai, como alguém que acorda de um coma em 1970. A fantasia ideológica desses militantes corta caminho para a nostalgia da ditadura, o único terreno em que o Brasil, à esquerda e à direita, parece que se sente confortável.

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