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Nos últimos dias, entre uma viagem e outra, fui bombardeado pelas notícias em torno da adoção e da compra, pelo governo de Santa Catarina, de cerca de 130 mil exemplares do meu romance Aventuras provisórias, incluído num pacote de títulos de obras literárias para distribuição escolar. Para quem não sabe, essa é uma operação que, sob qualquer aspecto jurídico e comercial, diz respeito exclusivamente à editora do livro, às entidades oficiais que solicitam a compra e às empresas distribuidoras que tiram o livro da editora e o entregam para o estado. Sempre que me adotam – eu sou de natureza um pouco chucra no trato social, ainda que tenha melhorado bastante com a idade – fico com a pulga atrás da orelha: vai sobrar para mim. Recebo aquele afago no couro cabeludo com uma desconfiança caipira. Talvez o estado vizinho quisesse homenagear esse escritor nascido lá, o que é sempre comovente. Assim, é claro, fiquei feliz – sou vaidoso –, ainda que preocupado. Meus antecedentes não são bons. Uma vez, e isso em Curitiba, tentaram processar uma professora por ter indicado a leitura do meu romance Juliano Pavollini – um parágrafo do livro provocou sentimentos horríveis no pai de um aluno, e por pouco a coisa não toma uma proporção irracional. No caso de Santa Catarina, o montante da compra poderia além de tudo atiçar a curiosidade sobre a riqueza súbita do escritor, que teria atingido o seu Santo Graal sem fazer força – mal sabem as pessoas que o preço de compra nesses casos é ridiculamente baixo e a porcentagem do autor uma merreca. Portanto, fique o povo tranquilo, que ainda não foi dessa vez que eu me forrei.

E minha desconfiança de que aquilo não acabaria bem, é claro, se confirmou – em poucos dias, uma "auxiliar pedagógica" levantou a lebre de que a linguagem chula de alguns trechos do livro tinha de ser "banida" da escola, e, após uma sequência rápida e furibunda de críticas lítero-sexuais de pais e professores indignados, em que as pobres Aventuras provisórias sofreram o diabo, determinou-se o recolhimento imediato e espetacular do livro. Entre os danos materiais, está o dano moral do autor ao ver um trecho de seu próprio livro, duas ou três linhas, ser reproduzido nos jornais como se fosse um hai-kai, e não parte de um romance de 142 páginas, em que cada palavra se relaciona com o todo e é voz de um narrador-personagem capaz de dar significado à sua linguagem. Notem: não faço uma apreciação de valor. É simplesmente um dado técnico para o leigo entender como uma narrativa produz sentido.

Colocado no centro dessa fogueira de paspalhos, faço um apelo: por favor, não me adotem. Não sou um escritor de confiança. Ainda há pouco, cancelei minha participação em uma Feira de Livros de Lages, minha terra, por motivos óbvios, e a resposta aliviada põe a coisa nos eixos: "Realmente é uma pena, mas precisamos ponderar uma vez que o governo do estado através da Secretaria de Educação é um dos patrocinadores deste evento".

Cristovão Tezza é escritor.

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