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A biografia de Paulo Leminski – com a devida licença da família – é um buraco sendo cavado com muitas mãos e, quanto mais se cava, a areia parece não ter mais fim.

O primeiro a cavar nas areias frescas foi Toninho Vaz, com O Bandido Que Sabia Latim. Depois veio Domingos Pellegrini, a cavoucar suas próprias memórias com Passeando por Paulo Leminski (a ser publicado com novo título: Lembranças de Leminski), no qual franqueou o buraco para o público da internet sentir nos próprios dedos o sal da terra com que são feitos os poetas. E quanto mais se cava, mais areia aparece!

Em 1974, antes de o Catatau ir para a impressão na Grafipar, a lendária obra de Paulo Leminski passou pelo processo de digitação e revisão na Digital Fotogravura, uma das tantas reinações do pioneiro empresário Luiz Renato Ribas. Com 213 páginas, Catatau foi composto pelos digitadores Athos Portugal Faria e Deise Del Corso. A revisão foi feita pelo advogado e jornalista Célio Heitor Guimarães, que jura ter sido o único que realmente leu a obra.

A digitação podia ter sido bem mais ligeira, não fosse a obra estar incompleta. Faltava completar alguns parágrafos e dar o ponto final. Semanas depois, Ribas telefonou pedindo a conclusão. Resposta de Leminski: "Escrevam vocês mesmos qualquer coisa que depois eu passo aí para pôr o ponto final". O autor do Catatau não passou e o texto final foi completado por Athos Portugal Faria, que por acaso havia sido aluno de latim do Leminski no cursinho. Athos completou o texto, escrevendo, por conta própria, cerca de uma página e meia. Curioso com o resultado, Célio Heitor Guimarães perguntou ao poeta do Pilarzinho: "Catatau sem parágrafos, enigmático, significa o quê?" "É a história de um bêbado que morreu na sarjeta!" O ponto final é das mãos de Paulo Leminski.

Ao ler essa história em primeira mão, Pellegrini não acreditou: "Acabo de ir ao Catatau, para ler as páginas finais. Aquilo só pode ter sido escrito por Leminski. Tem coerência estilística com o restante do livro. Tem uma intensidade neológica e sintática que poucos poderiam tramar. O tempo passa e nubla a memória, e as pessoas passam a se ver com mais méritos do que no tempo em que as ações foram efetuadas. O que penso que pode ter ocorrido é que Leminski fez uma joke, uma piada, e depois passou lá, redigiu algumas linhas ou página final, dispensando, claro, a página escrita pelo revisor".

Ribas assina embaixo da história e Guimarães reafirma que retirou seu punhado de areia do buraco certo da memória: "Esta é a verdade dos fatos, mas pouca gente vai acreditar".

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