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DE ROMA – Pasquino é o nome de um jornalista respeitado internacionalmente. Mora numa pracinha que leva seu nome, atrás da Embaixada do Brasil na Piazza Navona, em Roma. Na origem, era uma estátua grega. Ele é torto, não tem braço, olha para a direita e segura os restos do que seria outra imagem. Como matéria, é uma das estátuas faladoras de Roma. Mas estátua fala? Em espírito, fala!

Desde o século 16 e até hoje, o Pasquino recebe as falas indignadas da população. É um suporte de reclamações, feitas em prosa e versos satíricos. Os papéis escritos ou desenhados são colocados a seus pés, colados em seu pescoço ou entorno, na calada da noite. Desde os tempos da Bocca della Verità, imagem esculpida em mármore que fica no pórtico de Santa Maria in Cosmedin, o alvo favorito dos protestos anônimos foi ninguém menos que o papa, quando Igreja e Estado eram um só poder, a par e passo.

O nome Pasquino ninguém sabe direito de onde veio. Tem quem diga que era um barbeiro satírico, muito engraçado. Outros dizem que um professor de latim dava aulas ali na pracinha. Seus alunos o acharam parecido com a estátua e começaram a colar mensagens no pescoço dela.

Pasquino ganhou vida própria e foi infernizar a vida dos poderosos nos quatro cantos do mundo

Dos fundos da Piazza Navona, quando era uma das estátuas do Stadio di Domiziano, construído no ano 85 pelo imperador Domiciano, Pasquino ganhou vida própria e foi infernizar a vida dos poderosos nos quatro cantos do mundo: percorreu o Rio Nilo, o Rio Ganges, o Rio Danúbio e o Rio da Prata, conforme indica a Fontana dei Quattro Fiumi, no centro da Piazza Navona, obra projetada por Borromini e realizada por Bernini.

Antes de chegar ao Rio Danúbio, Pasquino foi viver em Paris, onde inspirou a jornalista francesa Caroline Montrobert, que em 1883 passou a assinar suas críticas com o pseudônimo de Séverine, para escapar do preconceito contra as mulheres: “Quem tem o jornalismo na pele, a esse ponto, sofre na verdade de um mal particular que faz com que o barulho das rotativas seja equivalente à música mais bela, e que nenhum perfume, mesmo o mais suave, iguale-se ao cheiro de tinta de impressão” – escreveu Séverine à posteridade.

No carrossel do século 19, de 1815 a 1885, Pasquino passou pelos seis regimes políticos que se sucederam na França e influenciou as sumidades da época: Victor Hugo, Émile Zola, Chateaubriand, Honoré de Balzac, Flaubert, Maupassant, Stendhal, Madame de Staël, George Sand, Lamartine, entre tantos outros a quem Pasquino ajudou a editar livros e jornais engajados em ideias que mudaram o mundo. “A pluralidade dos jornais ainda é a maior garantia de liberdade: por meio de um corrigem-se os abusos dos outros” – pregava Pasquino aos seus discípulos franceses.

Depois de navegar pelos rios Ganges e Nilo, a caminho do Rio da Prata o linguarudo da Navona viveu muitos anos no Brasil. Derivada do Pasquino veio a palavra “Pasquim”, nome daquele jornal tabloide feito no Rio de Janeiro, nos tempos da ditadura, e que escancarava sua bocarra para denunciar abusos e desvendar verdades encobertas. Sempre desbocado, ferino e irônico. Uma “estátua falante” naqueles anos de bocca chiusa.

Mural democrático e anônimo dos protestos da população, o Pasquino da Piazza Navona – atuando atualmente como consultor de Mark Zuckerberg – é a expressão em mármore do que significam hoje as redes sociais na internet. A liberdade de expressão.

(Esta coluna vai com toda admiração ao doutor Ricardo Pasquini, nosso imortal do Hospital das Clínicas e da Academia Paranaense de Letras)
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