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Os seres humanos, especialmente as autoridades, costumam ser acometidos de um estranho paradoxo: tomar atitudes totalmente contrárias aos interesses da coletividade e, em última análise, a si mesmos – ainda que elas possam parecer o contrário. A historiadora norte-americana Barbara Tuchman (1912-1989) batizou esse fenômeno de "marcha da insensatez" – expressão que virou o título de um de seus mais famosos livros.

Na obra, Barbara usa exemplos de como a cegueira dos governantes ao longo da História os fez tomar atitudes autodestrutivas para suas nações. Ela conta, dentre outros inúmeros fatos históricos, como a opulência e a soberba dos papas da Renascença levou a Igreja Católica, em apenas 60 anos, ao grande cisma protestante. Ou como o rei inglês Jorge III, ao tomar medidas extremamente impopulares em suas colônias americanas, impeliu-as a declarar a independência e a fundar os Estados Unidos.

Mas a marcha da insensatez não é apenas um registro dos livros de História. Ela continua a ocorrer. Todos os dias. Quando nossos políticos votam projetos em interesse próprio, algo tão comum, nada mais estão fazendo do que envenenar a crença da população na democracia. O assunto que pretendo abordar hoje, porém, é outro: meio ambiente – especialmente por tudo o que aconteceu nos últimos dias.

Na semana passada, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, declarou que o Brasil está "praticamente desaparecendo em meio a reservas ambientais e indígenas", em uma clara defesa do setor rural, interessado em afrouxar as leis ambientais para aumentar a produção agrícola. Dias depois, o governo federal anunciou que pretende liberar a venda no país de carros de passeio com motores a diesel – piores para o esforço de combate ao aquecimento global por serem reconhecidamente mais poluentes.

Nessa mesma semana, anunciou-se que o ritmo de devastação do Cerrado brasileiro, a grande fronteira agrícola do país, já é maior que o da Amazônia – pondo em risco o bioma que é considerado a "caixa-d’água" do Brasil, pois nele nascem as principais bacias hidrográficas do país.

Também na semana passada o sul e o sudeste enfrentaram temporais, enchentes e até tornados que causaram muita destruição – em mais uma demonstração de como o efeito estufa vem causando a mudança do clima e danos à população, inclusive aos agricultores.

Apesar disso, grande parte desses mesmos produtores rurais defende a flexibilização da legislação ambiental. Esquecem-se de que cumprir a atual lei é garantir uma vegetação florestal bem conservada. E que as matas retêm água no solo – o que evita que as grandes tempestades causem cheias e os períodos de estiagem provoquem a diminuição drástica do volume hídrico dos rios. Só uma coisa explica tudo isso: a marcha em andamento.

Fernando Martins é jornalista

PS: li há vários anos o argumento de Barbara Tuchman transposto para o meio ambiente. Tomei a liberdade de emprestá-lo para comentar fatos recentes. Mas infelizmente não me lembro o nome do autor da ideia original, para dar-lhe o devido crédito

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