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Existem muitas formas de lembrar os 70 anos da derrota da Alemanha de Hitler, celebrados na sexta-feira passada. Os políticos organizaram solenidades cívico-militares para não esquecer a barbárie a que o homem pode chegar. O jornalismo, em geral, enfocou as implicações geopolíticas do encerramento do conflito. É possível ainda recordar a guerra pelos olhos dos soldados que, diante da iminência do fim, despertaram para aquilo que realmente importa. As cartas de combatentes alemães em Stalingrado – local da sangrenta batalha onde o rumo da guerra virou a favor dos aliados – são um testemunho disso. Não há nelas preocupação com a política, bens materiais, vaidades cotidianas. O que resta é profundamente humano. E, por isso mesmo, transcende as lições de um evento histórico.

A última palavra de um homem vai para sua mãe ou para quem mais ama

Um soldado alemão, por exemplo, se despede dos pais e lamenta a perda de um amigo. “Amados pais. (...) Tenho certeza que esta será a última [carta] que seu amado filho lhes escreverá. Temos russos por todos os lados e não nos mandam ajuda de Berlim. Tenho-lhes uma triste notícia, Granstsau morreu semana passada. (...) Chorei muito ao vê-lo, porque crescemos juntos, lembram-se? Quando éramos crianças, quebrei a perna, ele me levou a casa nas suas costas com a minha perna quebrada. Sinto muito pelos pais dele. Perdi meu único amigo.”

Outro soldado, imerso em atroz incerteza em relação àquilo em que acreditava, relata como o nacionalismo e a política, que haviam inspirado delírios de grandeza e tinham conduzido à guerra, deixaram de fazer qualquer sentido naquela hora fúnebre. “Tive um choque terrível e as piores dúvidas sobre tudo. Antes eu era forte e acreditava; agora sou fraco e incrédulo. Sobre muito do que está acontecendo aqui jamais saberei de coisa alguma; mas o pouco que sei é demais para o estômago. Ninguém poderá dizer-me que meus camaradas morreram com palavras como ‘Alemanha’ ou ‘Heil Hitler!’ nos lábios... A última palavra de um homem vai para sua mãe ou para quem mais ama, ou então é apenas um grito de socorro.”

Um terceiro alemão lamenta-se por nunca ter se declarado à amada. Teme ser esquecido. E busca resgatar sua dignidade ao assumir sua responsabilidade moral. “Você sabe o que sinto por você, Augusta. Dissemos muito pouco ou quase nada sobre nossas emoções; mas amo você e você me ama, e é por isso que saberá a verdade. Esse é o tema desta carta. A verdade significa conhecer os fatos a respeito das piores batalhas travadas em uma situação desesperadora: miséria, fome frio, privações, dúvidas , desespero e homens morrendo de maneira horrível (...) Minha própria parcela de culpa é inegável. Numa proporção pequena, é verdade (...), mas dá no mesmo. Não tenho intenção de fugir de minha responsabilidade (...) e pagarei a dívida com a minha própria vida. (...) Augusta, serei forte. Não fique amargurada, nem sofra muito com minha ausência. Não estou acovardado, somente triste por não poder dar maior prova de minha coragem do que morrer por uma causa fútil, para não dizer criminosa. Não me esqueça rápido demais.”

Muitas dessas cartas nunca chegaram a seus destinatários. Mas ficaram para a humanidade.

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