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 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP

Dizem que a mentira tem pernas curtas. Mas pernas curtas também andam e podem ir longe. Longe demais. E não é de hoje que elas caminham pelo país. Tropeçam em contradições, mas seguem adiante sem a menor cerimônia. Nos últimos tempos, os donos dos passos nanicos não apenas tropeçam. Eles têm caído numa cratera de contradições. Mas, como se nada tivesse ocorrido, se erguem: “Não sei de nada”, “Não vi”, “Tudo foi feito dentro da lei”, “Sou vítima de uma perseguição”. E continuam caminhando dentro do buraco do qual não sairão. E para o qual levaram o Brasil.

Tudo foi longe demais. É a percepção da sociedade – que pede por mudanças. Mas talvez devêssemos olhar para o próprio umbigo e nos questionar: não somos ao menos parcialmente culpados pela compulsão dos políticos por mentiras e dissimulações? Incentivadores desse comportamento? Reconheçamos: nem todo mundo quer encarar a verdade.

Quem, afinal, se elege dizendo claramente que não há caminhos fáceis?

O governo do PT se afundou em corrupção? Pois ainda há quem acredite que é tudo uma grande conspiração das elites contra um governo popular. Na prática, esse tipo de pensamento só dá combustível para o discurso de negar as evidências.

Do outro lado da trincheira, teve muita gente que quis acreditar que o problema era só o PT. Bastava tirá-lo do poder e tudo estaria resolvido. Preferiram não ver que o país seria comandado por um grupo composto por vários ex-sócios dos petistas; por políticos suspeitos de também se lambuzarem na propina.

O fato é que as mentiras na política se perpetuam por uma razão muito prática: elas funcionam para conquistar e manter o poder. Sempre funcionaram. Quem primeiro observou isso foi o pensador renascentista Nicolau Maquiavel (1469-1527), na obra clássica O Príncipe.

Acreditar em mentiras é uma propensão psicológica. Ninguém gosta daquilo que lhe causa desconforto. E a verdade muitas vezes é incômoda. É mais fácil ouvir e acreditar em palavras agradáveis, no canto da sereia. Numa ilusão. Ou numa inverdade.

Os candidatos exploram nas campanhas eleitorais essa característica da psicologia humana. Quem, afinal, se elege dizendo claramente que não há caminhos fáceis? Que o dinheiro disponível não vai dar para fazer tudo o que os eleitores esperam? O discurso eleitoral costuma ser exatamente o contrário: “Deixa comigo que eu faço”. Dificilmente faz. Mas essas palavras ao vento cativam. E eles se elegem. Passam a acreditar (com razão) que a mentira é útil. E se viciam nela.

Alguém poderia contra-argumentar: mas todos os candidatos fazem isso; não há opção. O problema é exatamente este: ninguém fala a verdade porque isso não rende votos suficientes para eleger alguém. Essa culpa é nossa.

Seria ingenuidade crer que algum dia a política estará isenta de mentirosos. Mas as inverdades que eles contam (e na qual acreditamos) foram longe demais. Contaminaram a vida pública de tal modo que a política brasileira hoje se confunde com a própria mentira. E esse país de faz-de-contas desmoronou.

A mentira até pode estar na política; é inevitável. Mas ela não é a política. Há também de haver espaço para algumas verdades na esfera pública.

Mas essas verdades são incômodas: não há salvadores da pátria; um país precisa, sim, de instituições fortes. A ética não é discurso; é comportamento. Para saber quem é ético, temos de observar. E isso leva tempo. Não há atalhos para desenvolver o Brasil; é preciso trabalhar duro. Direitos implicam deveres. E muitos deles custam dinheiro. Afinal, o almoço não é grátis e alguém tem de pagar a conta (a discussão política sempre será quem vai abrir a carteira). O poder corrompe. E é por isso que a sociedade tem de estar vigilante. Isso dá trabalho.

Talvez quando um pouco de verdade voltar à cena política possamos retomar o rumo para construir uma nação que não seja de mentira.

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