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Assisti ao filme Alice no País das Maravilhas na semana passada. O enredo contado na telona fica a dever ao do livro, a despeito dos deslumbrantes efeitos em 3D. Ainda assim, o lançamento cinematográfico da história da garota que cai na toca do coelho é uma boa oportunidade para pensar nas lições que a personagem Alice nos dá para o duro e realístico dia a dia, mesmo vivendo ela em um mundo fantástico.

O filme me fez lembrar da bela crônica intitulada Para Maria da Graça, de Paulo Mendes Campos, que li há muitos anos. No texto, redigido em forma de carta, o cronista se dirige a uma adolescente chamada Maria da Graça, que estaria completando 15 anos. O autor diz à garota que está lhe dando de presente o livro Alice no País das Maravilhas para ser usado como se fosse um manual de sobrevivência.

Campos adverte-a que é uma história amalucada. Mas ressalta que nosso cotidiano muitas vezes também pode ser louco. E que o segredo do bem viver está em encontrar um sentido para a vida, mesmo quando ela joga insanidades em nosso caminho. Caso contrário corremos o risco de nós mesmos ficarmos malucos. Ou (comentário meu) de perdermos a cabeça, sendo atingidos metaforicamente pelo obsessivo decreto da rainha má contra aqueles que a desgostam.

Paulo Mendes Campos lembra a Maria da Graça que haverá momentos em que nos sentimos tão pequenos que podemos tomar camundongos por rinocerontes, como fez Alice quando diminuiu de tamanho e ficou pequenina como um inseto – trecho da obra que não é mostrado no filme. Em outras palavras: em determinadas ocasiões nos sentimos tão diminuídos que exageramos os nossos problemas – a conhecida tempestade em copo d’água.

Os instantes em que nos apequenamos e aumentamos o real tamanho das dificuldades, diz o cronista, ocorrem quando nos sentimos tristes e deprimidos. Campos alerta que temos de ficar muito atentos se isso ocorrer. É quando podemos nos afogar em nossas próprias lágrimas – do mesmo modo que quase acontece com Alice, em outro trecho do livro não mostrado no filme, quando ela diminui de tamanho e tem de atravessar a nado o lago de lágrimas que a própria personagem havia chorado enquanto estava gigante.

Aqui tomo a liberdade de avançar na metáfora de Campos ao dizer que também temos de atentar aos momentos em que nos sentimos grandes, mais fortes que os outros, autossuficientes – como se tivéssemos comido o mesmo bolo que torna Alice uma gigante.

É bom lembrar que Alice, após cair na toca do coelho, teve de sorver a bebida que a torna nanica para passar pelo pequeno portão de entrada do País das Maravilhas. Nós, às vezes, também precisamos descer do pedestal e ser humildes para poder abrir a porta do mundo de nossos sonhos.

PS: a crônica Para Maria da Graça faz parte do volume 4 da coleção Para Gostar de Ler, da Editora Ática.

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